Cavaco
Silva não se conforma com a passagem do tempo, continua à procura do seu tempo
perdido, tal como fez Proust, que o relembrou exaustivamente, em grandes memórias
e muitos debates de consciência delicadamente e profusamente analisados. É
claro que não há qualquer resquício de comparação entre um Proust relator dos
comportamentos humanos, despoletando revivescência dos seus próprios num tempo
que a memória aprimorou, e um Cavaco que chamou a si uma tarefa de pêndulo
nacional, na sua pretensão de orquestrar os destinos do país, provavelmente
rancoroso por não estar ele nesse lugar onde já esteve. É certo que o fez no
tempo das vacas gordas, mas vacas alheias cujas tetas ele soube sugar e fazer
sugar avidamente por tantos apaniguados, onde todos lamberam, embora com
eficácias diferentes, sem criar meios para um progresso real, enxurrada
dispendiosa que os sucessores não conseguiram estancar, fugindo a tempo, e
pondo-se a salvo na hora aprazada. De resto, mais preocupados numa continuidade
parasitária que os servisse e salvasse, no “salve-se quem puder” da sua filosofia
por conta própria.
Cavaco
Silva não foi dos que fugiu. Tinha as suas poupanças, que soube manter por cá,
os seus queixumes em tempos o deram a entender, mas ao invés de aceitar com
honestidade as reduções e cortes nos vários vencimentos de reformas obtidas nos
vários postos, foi com dor alardeada que se julgou injustiçado, sabendo que não
tínhamos o direito de usufruir de benesses provenientes de torrentes externas
tão vorazmente absorvidas.
Chegara o
tempo de pagar e Cavaco Silva pagou. Como os outros. Mas lamuriou, o que foi
espectáculo indecoroso. Porque não pôs os vários pesos na balança, desaparecida
a Justiça, ela própria afogada na trafulhice e no despesismo por conta das
mesmas vacas.
Houve um
governo que foi obrigado a recuar, que deitou mãos ao extraordinário encargo de
suster tanto desvario parasita, e que seriamente forcejou por endireitar o país,
pela via de uma honestidade que o tornasse mais credível. Logo o coro se ergueu
dos semeadores do ódio, tarefa em que a má educação do povo colaborou com a
parolice dos seus meios – interrupções, cantigas, impropérios, punhos erguidos,
festa.
Entretanto,
os golpes de teatro de Gaspar e Portas acentuaram as fragilidades de um Governo
sério e isolado no seu cumprimento. Logo o monte dos “ventos uivantes” se
desprendeu em esperanças de o derrotar de vez. É só vê-los e ouvi-los, os
dentes arreganhados de fúria. Excepto Seguro, que mantém a mesma máscara de uma
beleza parada, que não deseja criar rugas, no mesmo discurso sem ideias, futuro
ministro de um país sem meios.
Mas Passos
Coelho tem a coragem do lutador e tenta prosseguir, em novos acertos e consertos,
que simultaneamente denunciam as maroscas de Portas para obter aquilo a que se
julga com direito e que talvez obtivesse, caso o seu partido de “homens bons” tivesse
maior relevância.
Admiro
Passos Coelho e a sua luta titânica para prosseguir, creio que por real amor ao
seu país.
Mas Cavaco
interveio. Num golpe certeiro de vingador, contra quem lhe fora às poupanças.
Hesitou, demorou, criou suspense, foi enxovalhado, hibernou. Como costuma fazer.
Mas a machadada – seria demasiado pretensiosa a espada de Dâmocles – caiu enfim.
Propondo soluções patuscas, por utópicas. Antes da empreitada do Governo terminar.
Trazendo o caos, não a solução.
Cavaco, “menina
em flor” originadora de paixões ainda, com vida própria, só na aparência
hibernante, e pautando-se por recalcamentos de traição vingativa, indiferente ao
seu país, numa aparência de meditação arrastada, criadora de suspense…
Na verdade,
procurando não o tempo perdido, mas apenas o tempo em que ganhava mais. E sem
debates de consciência.
Admiro
Passos Coelho.
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