- Se
aquele Putin é um homem civilizado, como é que ele se permite umas eleições
assim aldrabadas? O raio do ser humano está cada vez mais estranho e cruel.
Pois não é aquilo uma ditadura? As pessoas correm o risco de perder o emprego
se não forem votar. O jornalista nosso correspondente, que é russo, o disse:
“Eu vou dizer isto porque é verdade. As pessoas perdem o emprego se não forem
votar.” Como é que um homem que se considera uma pessoa civilizada ganha à
custa do autoritarismo mais condenável?
A minha
amiga estava, de facto, indignada. Eu achei que havia autoritarismos piores, os
que usam a metralhadora para se imporem, por exemplo, mas lembrei uma história
contada pelo meu pai, em Lourenço Marques. Tinha um colega original, que vivia
só, e um dia, na altura das eleições, com um partido único mas exigente de
participação dos funcionários, como na Rússia, escreveu no seu boletim de voto,
votação que, felizmente, era em regime de anonimato: “Eu e o meu moleque votamos em…” Suponho que
na União Nacional. Só me recordo que o meu pai ria maliciosamente com a sua
história, o que traduzo agora como não aceitação de um regime manipulador, onde
as injustiças e as vilezas se praticavam igualmente, embora de forma mais
controlada que agora. O que significa que as ditaduras são de qualquer tempo,
mesmo as do povo, dos guerrilheiros, dos governantes ou dos ricos corruptos.
Mas em
casa, havia um novo jornal, O Público, que hoje, por comemorar os seus
vinte anos foi oferecido. José Gil foi o seu Director neste dia, e são vários
os seus textos analíticos sobre o estado da Nação, com a qualidade do filósofo
conceituado deste nosso século XXI e a originalidade da proposta do Director
real do Público, que proporcionou tão expressivos textos, e não só de José Gil.
Não resisto
a transcrever o texto sobre o estado da Educação, que subscrevo na íntegra.
Também acreditei em Nuno Crato, também me decepcionou, silenciado num cantinho
invisível, com pequeninas reformas que não correspondem às promessas e às
críticas da sua verbosidade oral e
escrita anterior:
«Uma
política educativa tem que partir de alguns destes dados - (evolução da taxa de escolarização, estimativa das
horas necessárias para a preparação das aulas dos docentes, competências
exigidas aos alunos, consciência dos responsáveis pelas políticas
educativas, etc.) – mesmo quando
eles não podem ser quantificados. Por exemplo, se não se souber o número de
horas e a qualidade do tempo de que um docente precisa para preparar as lições,
podemos criar uma carga horária esmagadora e deprimente. E nunca obter uma
docência de excelência. Para preparar as aulas os professores têm de ter uma
vida própria – e já não têm. Têm cada vez cada vez menos férias, cada vez menos
tempo para ser pessoas. Uma das questões que coloco é se os responsáveis
políticos se dão conta da especificidade da profissão docente. A relação
professor-aluno é extremamente intensa, delicada, forte, vital e específica.
Vital para criar qualificação no trabalho e consciência democrática. É preciso
fazer ressaltar esse factor que não está a ser pensado. A avaliação das
competências tem de ter em conta um elemento inavaliável, inquantificável em
que se funda a criatividade da educação.
Os
ministros da Educação já foram professores, mas, uma vez ministros, têm outros
imperativos – e há um imperativo economicista enorme em Portugal. A ideia que,
infelizmente, estou cada vez mais a formar do ministro da Educação Nuno Crato é
que ele está a esquecer tudo o que escreveu, está a esquecer tudo o que ele
próprio pensou. E muitos professores estão a sair, a pedir a reforma
antecipada, desgostosos com o ensino, com a escola e consigo mesmos. Estão-se a
ir embora. E a política da Educação a degenerar.»
Tudo tão
deprimente! Tão cada vez mais na mesma em termos de se encontrar um caminho que
arrancasse este país do atoleiro em que se afunda.
Não, não é
mais possível. São necessários bons professores, tanto quanto são necessárias
políticas de Educação que os incentivem a serem de facto bons professores. É necessário
tempo para o serem, não para gastarem horas mergulhados em reuniões de puro
convívio, quantas vezes inútil e vazio. E um professor que não se prepara
devidamente e vai mesmo mais além, transforma as suas aulas em “bagunçada” sem
interesse e os alunos vão embrutecendo, defendidos além disso por políticas que
lhes dão uma liberdade desorientada.
Sim, Putin
será ditador. Mas caminha para algum lado, não creio que as suas escolas
deslizem caricatamente como as nossas para o zero da exigência humanista. Os
Jogos Olímpicos e outros bem revelam os êxitos medalhados de uma cultura de
rigor.
Nuno Crato
foi também decepção para mim. Mas talvez não tenha culpa, instrumento de um
poder sem recursos outros que não sejam os da mesura bem comportadinha num país
mal comportado, que enredou a sua própria língua nas malhas da idiotia.
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