quarta-feira, 21 de março de 2012

O desejo de afirmação


Mais um texto de militante convidado – o deputado do PS, Acácio Pinto - que o DN de 19 de Março publicou na rubrica “Fórum” sob o título “Afirmar o português no mundo”, a embirrar com os detractores do Acordo Ortográfico –“no momento em que um vasto conjunto de portugueses lhe decidiram fazer um ataque cerrado mas, em grande medida, serôdio.”

E o adjectivo ao jeito frutícola resulta da irradiante euforia de Acácio Pinto pelo facto de já não ser passível de eliminação o tal Acordo. A.P. joga pelo seguro e sabe que não haverá anulação, mesmo que seja disparatada grande parte dos argumentos dos que os protagonizaram e isso o faz ironizar com eloquência e saber, embora sem ter lido nunca os argumentos dos seus contrários.

A indignação de Acácio Pinto transparece no parêntese («Ou será que foi preciso Vasco Graça Moura chegar ao CCB e desautorizar o primeiro-ministro, para que este assunto voltasse à ribalta?»)

Realmente, Vasco Graça Moura chegou ao CCB e fez tropelias no Acordo ao rejeitá-lo no seu espaço de trabalho, em protesto inútil, tal como o é o dos mais reaças, que não seguem os ditames daquele.

Quanto  a mim, admiro a sua coragem em desautorizar os fabricantes do A. O., talvez por se considerar um ser com peso intelectual bastante para se permitir fazê-lo. Quanto ao PM não sei se se achou desautorizado. Afinal, ele antes de o ser, também já o era, tal como a pescada, isto é, era contra o Acordo antes de ser PM. A menos que a sua posição passada visasse já o seu presente ministerial, infelizmente temos que admitir essa hipótese, já que agora o PM atirou com a querela às malvas.

Todo o texto de A.P. é um acervo de lugares comuns sobre os vários acordos, desde 1911 sem envolvimento da Academia Brasileira e os posteriores, de acordo com ela, de 31, 43, 45, 71/73, 75 e 86, em que “foi, finalmente, encontrado um texto comum que, podendo ter lacunas, é um acordo internacional e um acordo é, em si mesmo, um facto que encerra convergência, que é positivo e que importa, pois, enfatizar.”

Para além da alegação, talvez irónica,  de que um acordo encerra convergência, ainda que não tenha sido solicitado referendo, e do falso argumento de que se trata de um acordo internacional, omitindo propositadamente os Palops que o não ratificaram, propõe os conhecidos exemplos de substituições antigas, de duplas consoantes: ph>f – (pharmacia>farmácia), sc>c - (sciencia>ciência, ct>t (aflicto>aflito), xh>x – (exhausto>exausto), cuja mudança em seu tempo também provocou excitações, gradualmente extintas.

Ninguém põe em dúvida a natural evolução das línguas, sujeitas a um processo simplificador, com leis específicas, como a do menor esforço, que origina fenómenos fonéticos como assimilações, dissimilações, nasalações, síncopes, apócopes, próteses, etc., etc., e que têm como efeito as transformações gráficas correspondentes. Nessa lei do menor esforço se integram as duplas supressões consonânticas citadas, como, por uma ordem de racionalidade, se propõe a passagem do ditongo único antigo, ãi de mãe, ao actual ãe, por inexistência do primeiro e sua assimilação gráfica ao ditongo do plural ães de cães, pães, proveniente do latim –anes. A língua brasileira, por arrastamento, o fez também, sem precisar de acordo.

O texto de Acácio Pinto omite tudo o que existe de insensato  no novo Acordo, como a criação da nova homonímia -  “ato”, o presente e o pretérito –“achamos” – a criação de absurdos linguísticos, como na onomástica – Egito, egípcio - tudo isso gerador de confusões, e de dificuldades ao nível da interpretação e da escrita, originando, para mais, uma língua sem carisma, própria de um povo atrasado e desclassificado como é, cada vez mais o nosso, indiferente ao legado clássico.

Por outro lado, nesta pretensão de absurda fraternidade luso-brasileira, que esconde reais sintomas de subserviência, por interesse económico, ignora-se o facto de a pretensa uniformização ortográfica não passar de falso argumento, já que tal uniformidade não é absoluta. Veja-se o caso dos binômios ou dos tônicos brasileiros com um chapeuzinho a resguardar dos calores, contra o acento agudo acutilante dos  nossos.

Pessoas ambiciosas e idólatras como o deputado A. P. temo-las q. b. para a revolução ortográfica. Já as tivemos antes, para a revolução política. Estamos aqui. Assim.








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