A minha
amiga hoje apareceu cansada, a falar em números: os das mortes nestas duas
últimas semanas, indignada por ninguém justificar tão espantosa mortandade que
uma gripe colectiva tem originado, sobretudo na população mais idosa. A minha
amiga acha que tais números de catástrofe são já consequência da crise, da má
nutrição, da falta de dinheiro para debelar o frio, de todos os
condicionalismos a que o governo do “custe o que custar” reduziu uma população desde
sempre considerada na base da velha pirâmide, cujo vértice cimeiro não é já
Deus, nem o rei, mas o grupo dos capitalistas corruptos, que se capitalizaram
por artimanhas que os fizeram alcandorar-se no topo, por deficiente aliança entre
governo e justiça.
E falou-se
no crime, na violência no país dos brandos costumes que há muito deixou de o
ser. Aliás, eu nunca achara que o fosse. Porque um país onde reina uma
desigualdade social gritante, o que tem é costumes de subserviência, por não ter
crescido mentalmente a população iletrada, cujos números assustadores nos
envergonharão creio que por longo tempo ainda.
Mas aquilo
a que temos ultimamente assistido é algo de estranho, que víamos nos filmes ou conhecemos
nas notícias do estrangeiro. Uma agressividade inusitada, assaltos a lojas, com
mortes, roubos, saques, assassínios até entre familiares, raptos, crimes de
estarrecer.
E a minha
amiga conta, a voz alterada pela indignação:
- Agora
é matar, matar, matar. Histórias de fazer eco. Sabe o que fez um marido
ciumento? Foi atrás do carro da mulher, espatifou-lhe o carro, fê-la sair dele
e esfaqueou-a. Foi contado no programa da Júlia Pinheiro, a mulher falou do
hospital, onde está internada. Porque aqui dá-se este caso: o fulano não foi
preso. Como é que um gajo daqueles vem cá para fora? Que raio de justiça é a
nossa que permite que ande um criminoso à solta, a aguardar julgamento?
Citou ainda
o caso do rapazinho de dezassete anos que apareceu morto, as pernas queimadas,
um crime de violência extrema.
- A
violência é tão grande que deixa a polícia espantada. Não, aqui já não é
diferente do que se passa lá fora.
E referiu o
caso do Paco Bandeira, inicialmente defendido pela última namorada, que agora
veio desmentir em Tribunal as suas afirmações anteriores sobre a inocência dele.
Afinal, ela própria teve medo dele e separou-se. E o irmão da primeira mulher,
que veio reabrir o processo, por não se tratar de suicídio mas de homicídio
cometido por Paco. Nada pudera fazer antes em defesa da irmã, dado o prestígio daquele,
numa justiça afável com o criminoso ilustre, sobre o qual, cada vez mais,
aparecem testemunhas acusadoras.
- Aquilo
foi arrumado pelo Tribunal, concluiu. Como é que o Tribunal arruma este
assunto? O Tribunal não quer saber de nada?
Respondi
que o Tribunal, tal como nós, só atendia à “A ternura dos quarenta”, um
excelente meio de autodefesa. E lembrei ainda o tempo em que, em África, nós
escutávamos constantemente a canção que nos seduzia os ouvidos confiantes e que desde o 25 de Abril fora silenciada:
“Lá
longe, onde o sol castiga mais, não há suspiros nem ais, há coragem e valor…”
Achámos que
talvez a sua cabeça tivesse ficado, de facto, mais castigada do que ele cantara,
na sua voz saudosa, de entoações perfeitamente originais. E considerámos ainda quanto
o lirismo tem de enganador.
Referimos,
a propósito, o provérbio que, tal como a nós, motivou a injustiça da Justiça: “Bem
prega frei Tomás. Olha para o que ele diz, não olhes para o que ele faz.”
A
Justiça limitou-se a olhar o que ele diz.
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