Enviou-me o meu filho Ricardo o email seguinte:
«NABUCCO
- Momento
dramático na ópera de Roma»
«No dia 12 de março de 2011, a Itália festejava os 150 anos da
sua unificação, ocasião em que a Ópera de Roma apresentou a ópera Nabuco de
Verdi, símbolo da unificação do país, que invoca a escravidão dos Judeus na
Babilónia, uma obra não só musical mas, também, política à época em que a
Itália estava sujeita ao império dos Habsburgos (1840). A apresentação era
dirigida pelo maestro Ricardo Mutti.
Antes da apresentação o prefeito de Roma, Gianni Alemanno -
ex-ministro do governo Berlusconi, discursou, protestando contra os cortes nas
verbas da cultura, o que contribuiu para politizar o evento. Como Mutti declararia à
TIME, houve, logo de início, uma ovação incomum, clima que se transformou numa
atmosfera de tensão quando se iniciaram os acordes do coral «Va pensiero» o
famoso hino contra a dominação.
«Há situações que não se podem descrever, mas apenas sentir; o
silêncio absoluto do público, na expectativa do hino; clima que se transforma
em fervor aos primeiros acordes do mesmo; a reação visceral do público quando o
coro entoa - 'Ó minha pátria, tão bela e perdida'». Ao terminar o hino os
aplausos da platéia interrompem a ópera e o público manifestou-se com gritos de
«bis», « viva Itália», «viva Verdi». Das galerias são lançados papéis com
mensagens políticas. Não sendo usual bisar durante uma ópera, e embora Mutti já o
tenha feito uma vez em 1986, no teatro La Scala de Milão, o maestro hesitou
pois, como ele depois disse: «não cabia um simples bis; havia de ter um
propósito particular». Dado que o público já havia revelado o seu sentimento
patriótico, o maestro voltou-se no púlpito e encarou o público. Fazendo-se silêncio,
pronunciou-se da seguinte forma, e reagindo a um grito de «longa vida à Itália»
disse:
RICCARDO MUTTI: «........Sim, longa vida à Itália mas ...
[aplausos]. Já não tenho 30 anos e já vivi a minha vida, mas como um italiano
que percorreu o mundo, tenho muita mágoa do que se passa no meu país. Portanto
aquiesço ao vosso pedido de bis para o Va Pensiero. Isto não se deve apenas à
alegria patriótica que senti em todos, mas porque nesta noite, enquanto eu
dirigia o coro que cantava 'Ó meu pais, belo e perdido', eu pensava que, a
continuarmos assim, mataremos a cultura sobre a qual assenta a história da
Itália. Neste caso, a nossa pátria, será verdadeiramente 'bela e perdida.
(aplausos retumbantes, incluindo os dos artistas em palco) Reina aqui um 'clima
italiano'; eu, Mutti, falei para surdos durante longos anos, gostaria agora....
nós deveríamos dar sentido a este canto; como estamos em nossa casa, o teatro
da capital, e com um coro que cantou magnificamente, e que é magnificamente
acompanhado, se for de vosso agrado, proponho que todos se juntem a nós para
cantarmos juntos.... "A tempo"...»
Foi assim que Mutti convidou o público a cantar o Coro dos
Escravos. O público levantou-se. Toda a ópera de Roma se levantou... O
coro também se levantou. Foi um momento magnífico na ópera! Vê-se, também, o
pranto dos artistas. Aquela noite não foi apenas uma apresentação do Nabuco mas,
sobretudo, uma declaração do teatro da capital dirigida aos políticos.»
«AGORA, NÃO DEIXEM DE VER E OUVIR PELO LINK ABAIXO:
http://www.youtube.com/embed/G_gmtO6JnRs»
Foi o que fiz imediatamente, relembrando momentos passados
em Moçambique, em que escutava, mais do que agora, os discos dos compositores clássicos
e não só, e este, em especial, que ia entoando enquanto limpava o pó dos
móveis. A dispersão de agora por tantos meios de diversão não acompanha os motivos
da nossa saudade desses tempos tão ricos em experiências de trabalho, família e
lazer, embora rodeados que estamos dos meios logísticos que a ânsia do
conhecimento fez obter, mas que outras motivações levam, quantas vezes, a abandonar.
Do Coro dos Escravos Hebreus “Va pensiero” do III Acto da
ópera Nabucco de Verdi, extraio a letra da Internet que traduzo e
escuto, com as lágrimas que choraram as mulheres do coro apresentado no espectáculo
da Ópera de Milão referido no email. Choravam a sua Itália degradada por um
governo em crise económica, em 2011, ou em dependência do Império austro-húngaro,
150 anos antes, como os escravos hebreus chorariam no seu cativeiro de
Babilónia. Comovente cena, acompanhando um expressivo e tão belo coro de mágoas
num compasso de cansado andamento e apelo à coragem, de apelo político, no caso
italiano. De apelo político no nosso caso,
caso queiramos rever, no youtube apontado:
Vai, pensamento, sobre as asas douradas,Vai e pousa sobre as encostas e as colinas
Onde os ares são tépidos e leves,
Os ares doces do solo natal.
Saúda as margens do Jordão,
E as torres derribadas do Sião.
Oh, minha pátria tão bela e perdida!
Oh lembrança tão cara e fatal!
Harpa dourada dos vates fatídicos,
Porque dos salgueiros pendes emudecida?
As lembranças no peito reacende,
Fala-nos do tempo que foi!
Ou do destino de Jerusalém,
Traz-nos um som triste de lamento
Ou que o Senhor te inspire um alento
Que coragem nos dê no sofrimento
Do violoncelo!
Convulsionadas,
Pontes aladas
De pesadelo...
Brancos, os arcos...
Por baixo passam,
Se despedaçam,
No rio, os barcos.
Fundas, soluçam
Caudais de choro...
Que ruínas, (ouçam)!
Se se debruçam,
Que sorvedouro!...
Trémulos astros,
Soidões lacustres..._
Lemes e mastros...
E os alabastros
Dos balaústres!
Urnas quebradas!
Blocos de gelo..._
Chorai arcadas,
Despedaçadas,
Do violoncelo.»
Também
Álvaro de Campos nos atribui o papel de escravos. Mas fá-lo com desmedido
orgulho, e com, paradoxalmente, o desalento intenso de um sentir de nulidade e
vacuidade que é toda a sinfonia do extraordinário poema “Tabacaria”:
«Escravos cardíacos
das estrelas,Conquistámos todo o mundo antes de nos levantar da cama;
Mas acordámos e ele é opaco,
Levantámo-nos e ele é alheio,
Saímos de casa e ele é a terra inteira,
Mais o sistema solar e a Via Láctea e o Indefinido.»
Mas
a nossa escravatura é bem outra, presos que estamos nas lianas da nossa
inconsciência cívica, com consequências fatais sobre a nossa perda de
identidade.
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