quinta-feira, 25 de abril de 2013

«Lasciate ogni speranza…»


Publicou o Dr. Salles no seu blog um texto intitulado “A Parametrização social” apoiado na seguinte observação colhida num livro de D. Manuel Clemente:

 «A ultrapassagem do metafísico pelo positivo só se sustentou enquanto este último viveu da herança dos estádios anteriores (teológico e metafísico). Porém, o sucessivo afastamento e descuido em relação àquelas fontes deixou-o animicamente esvaído e eticamente desamparado».

 Comentou Salles da Fonseca:

«Este raciocínio de D. Manuel Clemente a págs.40 e seg. do seu livro “PORQUÊ E PARA QUÊ – Pensar com esperança o Portugal de hoje” assenta como uma luva à geração pós-moderna actual.

Contudo, a ética cristã de solidariedade e benevolência para com o próximo, de honradez e de trabalho, tem uma versão laica que pergunta, com enorme simplicidade, «o que é que eu posso fazer por ti sem o prejudicar a ele, esse terceiro que nem sequer conheço?». E esta atitude não carece de fundamento teológico.

No início do século XX, a sociedade portuguesa vivia numa quase hierocracia e foi contra esse domínio que a laicização da ética tentou abrir caminho. Mas não terá conseguido vingar no ambiente de iliteracia que então reinava e hoje, passado um século, continuamos a padecer as consequências desse desencontro.

Uma população tutelada pela ameaça da ira divina, não teve arcaboiço para se harmonizar eticamente sem tutela num espaço que se pretendia republicano, responsável. Aos portugueses, iletrados e habituados a uma estrutura social muito parametrizada, foi então pedido que assumissem uma plena cidadania. Mas, na verdade, nada lhes foi pedido: foi-lhes consumado o facto e, desenquadrados, deixados entregues a si próprios.

E como as elites republicanas se limitaram a copiar as homólogas monárquicas que as tinham antecedido digladiando-se em lutas renhidas pelo Poder, o vulgo continuou ignaro, não opôs resistência quando o mandaram morrer na Flandres e não fez «cara feia» quando apareceu alguém disposto a pôr ordem onde se instalara a desavença constante, o «tira-te tu para me pôr eu», a falência.

Seguiu-se nova parametrização social, rigor financeiro, resfriamento das vontades que se apresentavam aquecidas.

Essa parametrização durou 40 anos. Praticamente tantos como agora levamos de militância pós moderna.

Teremos entretanto conseguido fundamentar a liberdade de que queremos usufruir empreendendo uma síntese do que aprendemos entretanto para nos retomarmos como humanidade? Tenho esta como a questão portuguesa historicamente mais pertinente.

Ou será que não aprendemos nada? E andará por aí alguém com poder de síntese?»

           A síntese do Dr. Salles, que com tanto gosto guardo no meu blog, afigura-se bastante pertinente, apontando dados precisos que, pondo a tónica na incurável iliteracia de que enfermou o povo português ao longo dos séculos, a sua formação para a cidadania dependendo não de valores éticos ou humanistas mas de ameaças punitivas do pecado, numa cultura por longos anos acanhadamente hierática e maniqueísta, o projectou numa incapacidade de evoluirmos num sentido de dignificação e ajustamento a outras formas de pensamento mais equiparáveis à de outros povos que estudam e trabalham e planeiam o futuro das gerações que se lhes seguirão.

          A ele apus o comentário

 «A cultura em Portugal fez-se sempre por processos elitistas, em fracturas estrondosas - entre a cidade e o campo, entre os ricos e os pobres, entre os nobres e a plebe. Nunca houve uma generalização cultural que impusesse o respeito humano sem ser sob o efeito da subserviência ou do favorecimento. Mesmo os méritos são avaliados segundo parâmetros de participação política. A democracia trouxe uma reviravolta que é só aparente, vazia e oca, o povo chamado a manifestar-se, a maioria das vezes não como seres conscientes, mas como rebanho indisciplinado, manipulado pelos condutores instigadores. A nobreza dos valores abstractos, como o sentido de pátria, foi riscada do mapa das consciências, cada um pugnando pelos seus direitos próprios, não pelo estudo e a reflexão, mas pela sensibilidade folclórica que o fado nos inspira. »

 Enquanto, para D. Manuel, o espiritualismo, apoiado nos valores transcendentais, parece dever impor-se sobre os valores do materialismo, Salles da Fonseca põe a tónica na formação racionalista, como fundamental para a tomada de consciência e o reconhecimento dos limites da liberdade, ou da autenticidade do sentido de democracia.

 O dia de hoje, 25 de Abril, mostrou em pleno Parlamento que tal sentido é inexistente para a maioria - nos discursos denegridores dos parlamentares da esquerda, na deselegante falta de aplauso e de respeito pelos discursos da maioria, e do Presidente da República visivelmente preocupados com o estado da Nação, nos comentários posteriores daqueles sobre o discurso do PR – que achei excelente - decididos a apear o Governo, “custe o que custar”, indiferentes ao custo e às consequências gravosas dessa acção. E logo a Opinião Pública no Canal 5 da SIC pôde dar largas a igual ódio “democrático”, que é feita de ódio a sua democracia, ódio orquestrado por toda essa “plebe” dos seus condutores de opinião. Ódio real pelos que defendem a honestidade, falsa solidariedade para com os espoliados dos seus direitos.

Pergunta Salles da Fonseca:

 «Teremos entretanto conseguido fundamentar a liberdade de que queremos usufruir empreendendo uma síntese do que aprendemos entretanto para nos retomarmos como humanidade? Tenho esta como a questão portuguesa historicamente mais pertinente.»
 
          É óbvio que não. Os componentes espirituais e racionais das elites vociferantes estão submersos sob a camada do sentimentalismo adiposo e chiante.
 

 

 

 

 

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