Publicou
o Dr. Salles no seu blog um texto intitulado “A Parametrização social”
apoiado na seguinte observação colhida num livro de D. Manuel Clemente:
«A
ultrapassagem do metafísico pelo positivo só se sustentou enquanto este
último viveu da herança dos estádios anteriores (teológico e metafísico).
Porém, o sucessivo afastamento e descuido em relação àquelas fontes deixou-o
animicamente esvaído e eticamente desamparado».
Comentou Salles da Fonseca:
«
Este
raciocínio de D. Manuel Clemente a págs.40 e seg. do seu livro “PORQUÊ
E PARA QUÊ – Pensar com esperança o Portugal de hoje” assenta como uma luva
à geração pós-moderna actual.
Contudo,
a ética cristã de solidariedade e benevolência para com o próximo, de honradez
e de trabalho, tem uma versão laica que pergunta, com enorme simplicidade, «o
que é que eu posso fazer por ti sem o prejudicar a ele, esse terceiro que nem
sequer conheço?». E esta atitude não carece de fundamento teológico.
No
início do século XX, a sociedade portuguesa vivia numa quase hierocracia e foi
contra esse domínio que a laicização da ética tentou abrir caminho. Mas não
terá conseguido vingar no ambiente de iliteracia que então reinava e hoje,
passado um século, continuamos a padecer as consequências desse desencontro.
Uma
população tutelada pela ameaça da ira divina, não teve arcaboiço para se
harmonizar eticamente sem tutela num espaço que se pretendia republicano,
responsável. Aos portugueses, iletrados e habituados a uma estrutura social
muito parametrizada, foi então pedido que assumissem uma plena cidadania. Mas,
na verdade, nada lhes foi pedido: foi-lhes consumado o facto e, desenquadrados,
deixados entregues a si próprios.
E como
as elites republicanas se limitaram a copiar as homólogas monárquicas que as
tinham antecedido digladiando-se em lutas renhidas pelo Poder, o vulgo
continuou ignaro, não opôs resistência quando o mandaram morrer na Flandres e
não fez «cara feia» quando apareceu alguém disposto a pôr ordem onde se
instalara a desavença constante, o «tira-te tu para me pôr eu», a falência.
Seguiu-se
nova parametrização social, rigor financeiro, resfriamento das vontades que se
apresentavam aquecidas.
Essa
parametrização durou 40 anos. Praticamente tantos como agora levamos de
militância pós moderna.
Teremos
entretanto conseguido fundamentar a liberdade de que queremos usufruir
empreendendo uma síntese do que aprendemos entretanto para nos retomarmos como
humanidade? Tenho esta como a questão portuguesa historicamente mais
pertinente.
Ou será
que não aprendemos nada? E andará por aí alguém com poder de síntese?»
A síntese do Dr. Salles, que com tanto
gosto guardo no meu blog, afigura-se bastante pertinente, apontando dados
precisos que, pondo a tónica na incurável iliteracia de que enfermou o povo
português ao longo dos séculos, a sua formação para a cidadania dependendo não
de valores éticos ou humanistas mas de ameaças punitivas do pecado, numa
cultura por longos anos acanhadamente hierática e maniqueísta, o projectou numa
incapacidade de evoluirmos num sentido de dignificação e ajustamento a outras
formas de pensamento mais equiparáveis à de outros povos que estudam e
trabalham e planeiam o futuro das gerações que se lhes seguirão.
A ele apus o comentário
«A
cultura em Portugal fez-se sempre por processos elitistas, em fracturas
estrondosas - entre a cidade e o campo, entre os ricos e os pobres, entre os
nobres e a plebe. Nunca houve uma generalização cultural que impusesse o
respeito humano sem ser sob o efeito da subserviência ou do favorecimento. Mesmo
os méritos são avaliados segundo parâmetros de participação política. A
democracia trouxe uma reviravolta que é só aparente, vazia e oca, o povo
chamado a manifestar-se, a maioria das vezes não como seres conscientes, mas
como rebanho indisciplinado, manipulado pelos condutores instigadores. A nobreza
dos valores abstractos, como o sentido de pátria, foi riscada do mapa das
consciências, cada um pugnando pelos seus direitos próprios, não pelo estudo e
a reflexão, mas pela sensibilidade folclórica que o fado nos inspira. »
Enquanto,
para D. Manuel, o espiritualismo, apoiado nos valores transcendentais, parece
dever impor-se sobre os valores do materialismo, Salles da Fonseca põe a tónica
na formação racionalista, como fundamental para a tomada de consciência e o reconhecimento
dos limites da liberdade, ou da autenticidade do sentido de democracia.
O
dia de hoje, 25 de Abril, mostrou em pleno Parlamento que tal sentido é
inexistente para a maioria - nos discursos denegridores dos parlamentares da
esquerda, na deselegante falta de aplauso e de respeito pelos discursos da
maioria, e do Presidente da República visivelmente preocupados com o estado da
Nação, nos comentários posteriores daqueles sobre o discurso do PR – que achei
excelente - decididos a apear o Governo, “custe o que custar”, indiferentes ao
custo e às consequências gravosas dessa acção. E logo a Opinião Pública no Canal
5 da SIC pôde dar largas a igual ódio “democrático”, que é feita de ódio a sua
democracia, ódio orquestrado por toda essa “plebe” dos seus condutores de
opinião. Ódio real pelos que defendem a honestidade, falsa solidariedade para
com os espoliados dos seus direitos.
Pergunta
Salles da Fonseca:
«Teremos entretanto
conseguido fundamentar a liberdade de que queremos usufruir empreendendo uma
síntese do que aprendemos entretanto para nos retomarmos como humanidade? Tenho
esta como a questão portuguesa historicamente mais pertinente.»
É óbvio que não. Os componentes
espirituais e racionais das elites vociferantes estão submersos sob a camada do
sentimentalismo adiposo e chiante.
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