sábado, 4 de maio de 2013

Relativizando

Numa história de Lebres e de Rãs,
Conta Esopo
Que aquelas, medrosas
E envergonhadas com a sua imagem,
Decidiram suicidar-se num charco,
Atirando-se dum penhasco
Mas umas Rãs que as pressentiram,
De pânico mergulharam
Quando aquelas avistaram,
O que impediu as lebres
De se suicidarem,
Por verem que havia no mundo,
Tão profundo,
Gente de maior cobardia
Do que a que a gente leporina se atribuía.
Isso, mais ou menos escreveu Esopo
Objectivamente,
Propondo ainda uma moral
Visando os homens,
Que se consolam do próprio mal,
Com o mal alheio,
O que é extremamente feio.
Ora La Fontaine recriou a fábula
Com uma história de grande graciosidade
Em que a subjectividade emparelha,
A todo o momento,
Com a leveza, a elegância
Do descritivo de movimento,
De ironia
E de rigor do pensamento.
Eis o que La Fontaine escreveu
Como do grego traduziu:

A lebre e as rãs
 Uma lebre na sua toca pensava
(Pois que outra coisa resta a fazer
Numa toca senão pensar?).
Num profundo torpor a lebre mergulhava:
Este animal é triste, e o medo o rói a valer.
“As gentes de um natural medroso
São muito infelizes”, dizia ela,
Afinal, tão ágil e bela:
"Não conseguem comer coisa que lhes preste.
Nunca há um puro prazer; sempre assaltos diversos.
E deslizes.
Eis como eu vivo. Este maldito medo
Impede-me de dormir, ou só com os olhos abertos
E a orelha em riste.
“Corrija-se”, dirá qualquer cérebro sensato
Habituado ao teste.
“E o medo pode-se corrigir?
Ou inflectir?
Julgo mesmo que, em boa fé,
Os homens têm tanto medo como eu.”
Assim reflectia a nossa Lebre
Na sua febre -
- Não de sábado à noite,
Que ainda não havia,
Mas de não saber como se afoite.
E entretanto,
Ela permanecia
Vigilante,
Sempre inquieta, temerosa;
Um sopro, uma sombra, um nada
Tudo febre lhe provocava.
O melancólico animal,
Sonhando nesta matéria
Da sua grande miséria,
Ouve um leve ruído: bastou este sinal
Para p'rà sua toca fugir.
Mas foi andar à beira de um charco:
Umas Rãs logo se puseram a saltar para as ondas,
A entrar para as suas profundas grutas.
“Oh! Disse ela, eu causo o mesmo medo, afinal
Que a mim, outros me fazem sentir!
A minha presença assusta qualquer animal!
Eu crio alarme no acampamento!
Donde me vem tanta valentia
Santíssimo Sacramento?
O quê!? Eu faço tremer os animais de medo!
Serei eu um potentado de guerra?
Não há, vejo bem, nenhum poltrão na Terra
Que não possa achar outro mais poltrão que esse.”

 Foi esta a conclusão da moral
De um fabulista racionalista
Que jogou com os infinitos
Das enumerações,
Quer se trate da aritmética
Quer da filosofia,
Da sociologia
Ou da ética
Ou mesmo da astronomia.
E, tal como ele,
Também Einstein relativizou.
Ninguém, pois, se pode assim
Considerar superior
E nem mesmo inferior
A outro qualquer,
Que não se encontre logo
Um de categoria ainda maior
Quer seja para cima quer seja para baixo.
Com baixa autoestima ou com penacho.

 

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