Hoje a
minha amiga veio com a exuberância habitual a desfazer sem compaixão nas figuras
(que sem rebuço ela chama de figurões, e eu, com a delicadeza da minha educação
extremada chamo de figurinos, embora reconhecendo uma menor preocupação nestes,
actualmente, pela gravata como acessório, que a premissa da abolição daquela foi
estatuída, se bem me lembro, no início da governação, (com intermitências de
aplicação, contudo, ao que se tem visto), sintomática, a tal abolição, de um
arregaçar de mangas para o trabalho de exaustão que o Governo se propunha
efectuar até ficar exaurido, em companhia com o resto do país, com gravata ou sem
ela, que não é essa a causa da nossa mossa, pobrezinha da gravata!
Ou talvez
seja. Também.
E assim,
disse a minha amiga:
- Até o
coitado do Portas me vem fazer aquela figura!… Não passa aquela barreira!!!... Passada
uma semana, passou-a!
Com a minha
capacidade intelectual em sintonia – conquanto que agora, com o desenvolvimento
cada vez mais científico, é de um chiquismo e uma adequação mais substantivos
(que esta última palavra funciona agora mais como adjectivo, gramaticalmente
falando, substituído o morfológico “substantivo” pela designação de “nome”
- se é que tal designação de “morfologia” também já não foi pulverizada
da gramática tradicional, modestamente dividida outrora em apenas Fonética,
Morfologia e Sintaxe, a Retórica surgindo por acréscimo) – é mais chique e
adequado, repito, dizer-se neurónios em vez de intelecto – compreendi pois,
de imediato, que a minha amiga estava a considerar os “dez por cento” a
retirar dos vencimentos dos pensionistas e dos reformados para cobrir o tal
buraco de mais uns tantos milhões que estava coberto anteriormente com o corte
no subsídio de férias, proposta do Governo que o TC chumbou, os quais “dez
por cento” da nova proposta de Passos Coelho, Portas boicotara em ameaça
anterior, que fizera periclitar os alicerces de Passos, mais precisamente do
Governo, e que Portas assinara docilmente na proposta seguinte, embora sob a
condição de que tal eventualidade fosse feita só “em último caso”.
Considerei
que não tardaria outra semana e já o “em último caso” da ressalva de Portas
e até do nosso PR, Cavaco Silva, que reiterou a afirmação daquele, em preocupada
unissonância de parecer, seria ultrapassado por novo parecer, que o transferiria
para “primeiro caso” das urgências inadiáveis a que somos sujeitos após
o “custe o que custar” do nosso PM pagador de promessas a uma Troika vigorosamente
exigente de cumprimento e indiferente à destruição de uma nação, que só a ela deve
prestar contas e não à população que a forma.
Daí que a
minha amiga me perguntasse também, logo a seguir, se “os meus eram
sacrossantos ou diabólicos” e desta vez eu não atingi logo as suas rebuscadas
síncopes lexicais destinadas a testar as minhas leituras ou audições
noticiarísticas que ela segue com mais tempo e empenho, mas percebi em breve a
sua malícia, na referência à presunção de protecção dos 100.000 euros bancários
feita pelo ministro, e ironizar sobre a minha conta bancária inexistente:
- Estar
a dizer que são sacrossantos ou estar calado é a mesma coisa. Ninguém crê.
- Pois
não, anuí em ira,
que se me está a incrustar no azedo do estômago. Contra uns e contra outros, sem
excepção, pois já não vejo saída para o nosso despenhadeiro, com uma OCDE
impondo o cumprimento de dívida e de desenvolvimento económico em simultâneo, o
que parece serem coisas cinicamente incompatíveis, e com os vários partidos a bramar
despautérios anti governação e a fazer promessas de melhor governação, caso
venham a fazer governação, melhoria que não é expectável com nenhum partido, de
gente proveniente da mesma massa sócio educativa.
A minha
amiga também anuiu, sabendo que os “sacrossantos 100.000 euros” intocáveis
segundo Gaspar, vão fazer companhia aos tocáveis do excesso desses, não tarda.
Que as afirmações e as promessas governativas de que o nosso caso diferia do
caso cipriota, feitas há duas ou três semanas, já estão aí, em cima da mesa,
como realidades plausíveis a curto prazo.
Entretanto,
os precavidos espertos põem os excessos dos 100.000 euros a milhas paradisíacas,
sem esperar pela próxima semana.
Mas mesmo
os que vão a caminho dos 100.000 deverão precaver-se, atidos ao ditado «Cautela e caldo
de galinha…»
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