«O fato de Arlequim»
«Conheceis o cais do ferro-velhoOnde se vendem pássaros, homens e flores:
É aí que eu por vezes trabalho,
Nos meus amores,
As minhas fábulas;
Lá, vejo animais e observo, com atenção,
Os jeitos deles,
Para uma segura opinião.
Numa terça feira gorda, estava eu à janela
Dum vendedor de pássaros meu amigo,
Quando no cais vi assomar
Um pequeno Arlequim todo lesto e bem vestido,
Que com o seu sabre de madeira,
E uma graça ligeira,
Atrás de uma máscara corria -
- A sua Colombina
Em traje de pastora fina.
Com risos e gritaria o povo aplaudia.
Perto de mim, numa gaiola,
Três pássaros de plumagem diferente,
Periquito, canário, cardeal,
Reparavam também no arlequim.
O periquito exclamava: “Gosto pouco da sua tola:
Mas o fato, acho-o ideal,
De um verde tão marcado,
Nunca teve outro igual.”
“Verde! retorquiu o cardeal,
Você não vê, meu caro, que é um fato encarnado?
É isso que o faz tão sedutor!”
“Oh! Quanto a isso, meu compadre,
Responde o canário, não tendes razão,
Porque o fato é amarelo limão.
E é esse amarelo que o torna encantador.”
-“É verde! – É amarelo! - É encarnado, ora então!”
Interrompe cada um, acalorado,
Do trio já irritado.
“Amigos, acalmai-vos! Grita-lhes um picanço
Sábio e manso.
O fato é amarelo, vermelho e verde.
Isso surpreende-vos bastante,
Mas o mistério não é surpreendente:
Tal como muitas pessoas de espírito e de saber
Mas que dum único lado vêem uma questão,
Cada um de vós não quer ver senão
A cor que lhe dá prazer".»
Tinha razão nessa questão
Da preferência por determinada cor
A justificar a aversão
Por outra cor qualquer,
Sobretudo se ela simbolizar
Clubes ou partidos do nosso gostar
Ou do nosso achincalhar.
Partidos, então
É um ver se te avias de murmuração!
Mais, todavia,
Se são os do governo responsável
Por tanta coisa intragável
Que vivemos hoje em dia,
Esquecendo que a nossa cor,
Também estragos causou
- Já que ninguém se safou
Em termos de responsabilidade,
Para o estado a que se chegou.
Muito melhor seria
Uma “branca” união
Para salvar a nação
Para a questão do pão!
Que o “branco” é, afinal,
A soma das várias cores
Do espectro solar.
O pensamento na nacionalidade
É suposto que deveria ser
A razão fundamental
Do nosso estar.
Mas o grupelho sindical
Não descansará enquanto não
Reduzir as cores do nosso mundo
Ao "preto" do buraco fundo.
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