quinta-feira, 2 de maio de 2013

“…O corpo é que paga”


Mais um retrato em tom caricatural saído da pena de Vasco Pulido Valente sobre esta geração de gente nova a conduzir com mais estrondo do que sabedoria os destinos de uma nação há muito desgovernada por outros novatos ou mesmo por gente mais velha – para o caso tanto fez – que, com belos discursos de salvação nacional – conduziram o país à perdição. Parece que irremediavelmente.

Recordo medidas como a Reforma Agrária e outras ocupações ilícitas com que os esbanjadores da fraternidade democrática iniciaram os atropelos judiciários para usufruto pessoal e dos amigos. Foi isso, salvo erro, em tempos do PREC, mas outras medidas se foram tomando, ao longo destes 39 anos, de alargamento da bolsa e de cuidados de saúde para colmatar, aparentemente, anteriores mesquinhezes salazarentas de salários baixos e deficientes cuidados sanitários num país que, aliás, sempre assim vivera - e não só na ditadura - ressalvando é claro, os altos salários e bem-estar de outras grandezas que tanto marcaram os nossos desequilíbrios sociais ao longo dos quase nove séculos da nossa existência como nação. Distribuíram-se pensões e vencimentos mais elevados e mesmo reformas antecipadas com grande largueza, que possibilitou que a auspiciosa classe dos deputados, por exemplo, auferisse de reformas chorudas ao fim de meia dúzia de anos de sonolência no hemiciclo parlamentar.

Tivemos, é claro, que estender a mão a uma Europa Unida, para podermos ser generosos com os nossos e para criarmos aqui estruturas modernizadoras, e nos habituarmos a um estatuto de novos-ricos com dinheiros emprestados. Fartámo-nos de viajar, no “faça férias e pague depois”, tivemos mais carros que mais nenhum país que trabalhe para viver decentemente. E telemóveis… E acabámos com a produção. Abandonámos os campos, abandonámos as pescas, deixámos de produzir, por imposição, ao que se diz, da solidária Europa.

Construíram-se muitas rodovias, muitas casas também, os bancos insistiam para que comprássemos casa, a pagar numas dezenas de anos. Nunca tivéramos nada, passámos a ter casa, carro, telemóvel, férias no estrangeiro, mostrámos que somos alguém. E quem nos meteu nisso ganhou muito mais, é certo, a corrupção alastrou, numa teia de incalculável força que liquidava o país, para o que contribuíam umas políticas de ensino permissivas de mândria, de indisciplina, de desrespeito pelos saberes e pela autoridade do professor.

E tendo manifestamente razão no retrato que faz Vasco Pulido Valente sobre os actuais governantes ou outros chefes políticos, não posso deixar de considerar o quanto outros chefes anteriores foram tanto ou mais responsáveis do que estes, que pretendem agora liquidar, numa terapia talvez maniqueísta e precariamente unilateral, mas esforçadamente honesta, na dureza e aparente insensibilidade das suas medidas, uma dívida monstruosa, em que todos colaborámos, sem que vozes se elevassem, dos mais responsáveis, apelativas do bom senso. Que vozes discordantes e sabedoras são agora praticamente todas, até de governantes anteriores que colaboraram nas progressivas medidas da ruína nacional.

Mas mais ainda que a destruição do emprego e o empobrecimento em que, afinal sempre vivemos, o que assusta deveras é uma mocidade sem vitalidade a não ser para a “curtição” física, para que as regras actualmente impostas de proibição do álcool para menores de 16 anos chamam a atenção. Não sendo, felizmente, geral, esse factor de miséria moral e física que tão bem denuncia o desprestígio da família e do próprio ensino na nossa sociedade, ele é suficientemente trágico para a nossa ruína como nação.

Por isso, os actuais chefes, formados à sombra dos respectivos partidos, se falham em termos de competência política, demonstram uma determinação que talvez os jovens actuais, indecisos e abúlicos, educados sem motivações de trabalho, nem cheguem a manifestar algum dia. Mas as ambições daqueles nem sequer diferem das ambições e incompetências dos chefes anteriores. No caso de Passos Coelho, pelo menos, há uma ponderação de honestidade, no desejo de saldar a monstruosa dívida que se impunha, para bem da nação, se a nação tiver vergonha.

 O que parece mal é que, havendo tantos que contribuíram para a dívida, esses não sejam chamados a terreiro para pagar o que sacaram. O povo, como sempre, é que paga.

Como diria o saudoso António Variações, “Quando a cabeça não tem juízo…”

Eis o artigo de Pulido Valente, A Nova Geração, saído no Público de Domingo, 28 de Abril:

«O discurso inaugural do dr. Seguro no Congresso do PS deu à coisa um tom de resignação e melancolia quase de fazer chorar. Muito bem vestidinho e penteadinho, imberbe e respeitoso, o dr. Seguro tem o ar inescapável de um eclesiástico de fresca data. Parece um padre novo, ainda ignorante dos pecados da congregação, mas com as lições do seminário na ponta da língua. Recitou aplicadamente uma longa homilia, com uma voz monocórdica e um ou outro acesso de exaltação, destinado a entusiasmar os crentes. Só que os crentes não se entusiasmaram; responderam sempre com indiferença e umas palmas fracas para não estragar a liturgia. Sem uma vaia a Cavaco e a pequena agitação quando se falou de António Costa e Francisco de Assis, ninguém acreditava que a maioria daquela gente não estava a dormir.
 O dr. Seguro, como aliás Pedro Passos Coelho, pertence a uma raça que pouco a pouco invadiu a política portuguesa e vai chegando agora aos lugares de comando. Educados pelas várias "juventudes" dos partidos, que os guardam misericordiosamente até aos 30 anos, seguem depois para lugares subalternos: nos gabinetes dos ministros ou no Parlamento e, com alguma sorte, acabam num instituto, numa fundação, numa empresa pública ou numa Secretaria de Estado sem importância. Pelo caminho, conheceram (e, à vezes, serviram) as grandes personagens da seita e os "notáveis" da província. Pelos 40 anos já passaram pela direcção nacional, já têm uma facção, que os promove e apoia nas querelas da casa, e já se tornaram intrigantes de primeiro plano. De Portugal e do mundo não sabem e não querem saber nada.
 Mas no partido gostam deles, tanto como eles gostam do partido, a que, de resto, se referem com expressões de amor e adulação, com que as beatas costumavam rezar aos santinhos da sua devoção e que envergonhariam qualquer adulto com um resto de vergonha na cara. Falam, aliás, uma linguagem própria, uma espécie de mistura da "linha" do dia com um calão táctico pretensioso e repulsivo, em que tudo se "gere", mesmo "o silêncio", e a palavra "estratégia" designa manobras de colégio interno ou uma qualquer intriga de cozinha. A ascensão destas criaturas, que andam hoje pelas centenas ou milhares, e que dominam a vida pública portuguesa, é um flagelo. A insistência do Presidente num mirífico "consenso" com o PS é, no fundo, a ideia de juntar num único cesto, a troco de uma pacificação efémera, a pura substância da inconsciência, da irresponsabilidade e do carreirismo do pessoal político que desgraçadamente nos pastoreia.»
 

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