segunda-feira, 13 de maio de 2013

Poema de amor em prosa

Estes tempos que agora vivemos
São de tal forma aterradores
Que impõem que nos desviemos
Para os contos de encantar da nossa infância
Que nos perspectivem dias multicores
Em futuro de mais abundância
Não só de víveres mas de almas superiores.
Florian também deve ter vivido
Pesadelos e receios do futuro
Duro.
E inventou, por isso, fábulas de encantar
Semelhantes às histórias de nanar
Para ajudar a responsabilizar.
É disso exemplo a fábula
«O bom homem e o tesouro»,
Ouro puro,
Bom agouro:

 «Um bom homem meu familiar,
Que eu conheci na minha infância,
De toda a vizinhança
Se fazia estimar;
Dos pequenos e dos grandes
Consultado, venerado
Como um sábio,
Na sua terra vivia.
Não tinha muito dinheiro,
Mas bastante para um viver na independência.
Em troca, virtudes bastantes possuía,
Bom senso, espírito, saber,
E a amenidade própria da inocência
E da decência.
Quando um pobre o vinha ver,
Se tinha dinheiro pistolas lhe dava;
Se não tinha, com as suas palavras,
Coragem e esperança
Lhe transmitia.
Apaziguava as famílias,
Corrigia brandamente os jovens irreflectidos,
Ria com as raparigas
E achava para elas os maridos.
Com os defeitos dos outros era indulgente,
“Não temos também os nossos?”, dizia frequentemente.
“Estes nasceram coxos, corcundas aqueles,
Um, um pouco menos, o outro, um pouco mais:
A natureza de cem maneiras diferentes
Nos quis afligir: caminhemos juntos, em paz.
O caminho é mau suficientemente,
Sem que precisemos
De pedras nos atirarmos.”
Ora um certo dia aconteceu
Que o nosso bom senhor num caminho encontrou
Um tesouro escondido sob a terra.
Primeiro, um meio nisso viu
De ainda mais o bem espalhar;
Assim o colhe, o leva, o escondeu.
Depois, reflectindo, disse consigo:
“Faria mais proveito, com efeito,
Este ouro, que eu achei,
Se eu aumentasse o meu domínio antigo;
Mais vassalos eu teria, mais poderoso serei.
Melhor ainda poderei fazer: na cidade próxima
Comprarei um cargo, serei presidente.
Presidente! Vale a pena!
Eu não me formei em Direito; mas com o meu capital,
Sem qualquer empena
Mo concederão
Visto que é um cargo comprável
E sem investigação. “
Enquanto faz projectos, a sonhar,
A criada o vem avisar
De que as gentes da aldeia
No pátio do castelo se estão a divertir.
Ao domingo, era habitual
O senhor do castelo com eles dançar.
“Oh! Por Deus, responde ele, tenho outros assuntos a tratar.
Dancem sem mim.” Com o espírito de quimeras cheio,
Ele fecha-se em casa para melhor se atormentar.
Em seguida ao seu pecúlio vai acrescentar
Um pequeno saco de dinheiro, resto do mês anterior.
Nesse momento chega um pobre homem
Que em lágrimas lhe vem suplicar
O empréstimo de vinte escudos
Para o imposto da talha pagar:
“O cobrador, disse ele, vai meter-me na cadeia
E não deixou em minha casa senão
Seis crianças sobre um colchão de palha.”
O nosso novo Creso responde-lhe duramente
Que não tem dinheiro líquido para lhe dar,
De momento.
O pobre infeliz olha-o, suspira,
E sem mais palavras se retira.
Mas ele não ia longe, quando o bom senhor
Retomou de repente o seu modo de ser anterior.
Corre ao camponês, abraça-o,
De cem escudos lhe faz dom,
E ainda lhe pede perdão.
Manda avisar, seguidamente,
Que na praça o povo se reúna num instante.
Obedecem-lhe, o nosso homem bom
Chega com a sua maquia,
Coloca-a num monte por inteiro:
“Meus amigos, disse ele, vocês vêem este dinheiro:
Desde que ele me pertence, eu já não sou o mesmo,
A minha alma endureceu, e a voz da desgraça
Não penetra mais no meu coração.
Meus filhos, salvem-me deste perigo extremo;
Levem e partilhem este perigoso metal;
Cada um leve a sua parte para o seu asilo:
Dividido entre todos, pode ser útil este ouro;
Reunido em um só, não faz senão mal.
É fatal!
Com o suficiente nos bastemos,
Sem tesouros supérfluos jamais desejarmos:
É preciso temê-los,
Tanto como a miséria tememos.
Como esta, eles expulsam as virtudes habituais
Ancestrais.
Não o consintamos”

 Ora aqui está uma história tão moral
Que parece irreal,
Escrita numa época em que a libertinagem
Até fora descrita com muita coragem
Num século de revolução,
Por Choderlos de Laclos, por exemplo,
Que tão bem soube traduzir a vilania
De cada sua personagem.
Mas Florian  docemente,
Mostrou o homem bom que a tentação seduziu
Eventualmente,
Mas que morreu após reflexão
Provinda de um nobre coração.
Hoje em dia, a tal distribuição do dinheiro achado
- Mas logo surgiria
Alguém que com descortesia
O dissesse antes roubado –
Pura irrealidade seria,
Pois se fosse hoje, ninguém o teria dado
Ou distribuído
E só tirado.
O mesmo eu não diria
Na questão da aquisição,
Do cargo de presidente,
Ou outra qualquer benesse,
Por conta de capital
Ou qualquer outra valia
Implícitos nessa operação de aquisição
- Bem antiga por sinal
E sempre à mão.
Quanto à história do bom senhor salvador
De uma fábula de responsabilização
Para bem da nação,
Ela não serve de aviso à nossa navegação,
Habituada de longa data esforçada,
Como sina,
A uma navegação à bolina
E de bandeira esfarrapada.

 

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