segunda-feira, 27 de maio de 2013

«Mas até nem parvo sou!»


Eis uma análise que me parece excelente, a do texto publicado no blog “A bem da Nação” - SER DE ESQUERDA EM PAISES DE REGIME CAPITALISTA - de Isaías Afonso, sobre a tendência portuguesa para a emigração, por na pátria se não encontrarem condições propícias a um desenvolvimento apanágio de outros países mais expeditos, culturalmente falando, e por esse motivo criando as condições para uma sobrevivência feita de inteligência na organização das estruturações necessárias para esse efeito. Como escrevi num artigo “Ten years after” (Anuário, 1999), “Lá, na delicada Europa, só é preciso trabalhar bem nas tarefas duras que sempre foram imputadas aos escravos e que sempre os senhores desprezaram. Já, de resto, aí, tudo está organizado, os serviços dos senhores, os serviços dos escravos, tudo pago em condições, no respeito pelos direitos de cada um – dentro das naturais discrepâncias sócio-culturais, é bem de ver – os emigrantes escravos desempenhando as tarefas duras não remuneradas condignamente no país natal e que, no estrangeiro, mau grado os ritmos poéticos atrabiliários dos escritores sensíveis à saudade na servidão, lhes fornecem os cabedais suficientes dignificadores da condição humana.”

Outros passos no mesmo artigo vêm no apoio da tese de Isaías Afonso justificativos do surto de emigração no tempo da guerra colonial, como fuga à guerra colonial – embora o receio da guerra, em outras guerras posteriores, mais bem remuneradas, em território estrangeiro, não tenha impedido a deslocação das nossas corajosas forças bélicas, com direito a ternas cenas de despedida televisiva no aeroporto, entre as mesmas e os seus familiares destroçados.

Assim, “No Ultramar, apesar das restrições à emigração no tempo do velho Salazar, fez-se obra vasta, igualmente com escravos e senhores, tal como no estrangeiro, como técnica segregativa em toda a parte imperante, excluídas as camuflagens do “savoir faire” oportunista.

“Todavia, poucos portugueses conheciam tal obra. Ergueram-se cidades, descobriram-se minérios, rasgaram-se caminhos, fomentaram-se indústrias e riquezas para ajudar a nação-mãe. Mas assim que surgiu a guerra, a aversão anterior dos portugueses pelas distantes “terras dos pretos” aumentou, já fruto de indiferença destruidora do mito respeitador da História e dos heróis nacionais que as descobriram e defenderam, já fruto da ignorância real ou fingida do valor económico dessas terras como principal agente da economia metropolitana, realidade que, por ignominiosa, se escamoteava, de um pequeno país amamentado pelos filhos dispersos, por incapacidade de se alimentar por si.”

A guerra do Ultramar, posta em causa pelos países da generosidade doutrinária, esquecidos alguns deles de que também ocupavam territórios de usurpação, foi ponto de partida para o desenvolvimento doutrinário, entre nós, dos doutrinários de esquerda, já bastamente sensíveis – com muita razão, de resto – às condições definhantes em que vivia o povo português – embora certamente que superiores às do tempo em que CesárioVerde lhes descrevia as mazelas, um século antes, mau grado o cinzentismo com que os actuais historiadores da época de Salazar lhe traçam o perfil nos seus descritivos tendenciosos.

Mas a ligação da nossa esquerda aos partidos socialista e comunista, se nos tempos actuais serve sobretudo para destruir o governo com tendências de direita irmanada com o capitalismo segundo a sua visão facciosa, e no tempo da guerra colonial serviu para justificar a emigração, a coberto dos bons sentimentos por parte das classes intelectualmente mais favorecidas, na realidade tal emigração era escoada para os países do ocidente europeu que o capitalismo favorecia, e não para os países de Leste, como explica o texto de  Isaías Afonso:


«SER DE ESQUERDA EM PAISES DE REGIME CAPITALISTA»

«Fala-se hoje de novo em "rush migratório"como se, no passado, tal movimentação populacional não fizesse parte da estrutura económico-social portuguesa.

Lendo a tese de AS DUAS POLITICAS NACIONAIS, de António Sérgio, logo nos apercebemos desse fenómeno, pois o autor cita Duarte Ribeiro de Macedo, na sua obra Da Introdução das Artes Neste Reino, de 1647, em que sobre a Politica de Fixação afirma que "Nemo nos Conducit", isto é, ninguém nos conduz, ninguém emprega os nossos braços e daí a mórbida Emigração.

Compreende-se perfeitamente a razão pela qual prevaleceu a Politica de Circulação ou Transporte que nos levou à Epopeia dos Descobrimentos, que veio a constituir o nosso espaço económico-geográfico durante cerca de 500 anos.

O sacrifício para o manter foi obra dos portugueses do passado, mas o presente não sentiu essa vontade indómita e levado pelos apelidados "Ventos da História" cedeu essa nossa força no mundo, que metia inveja.

Quando o presente foi chamado a defender o sacrifício do passado, respondeu quase um milhão de jovens, enquanto outros preferiram a fuga ao compromisso e outros ainda quiseram engrossar o fenómeno do "rush" saindo do país para encontrar melhores meios de sobrevivência.

A década de sessenta do século passado marca mais uma vez que não era possível uma Politica de Fixação da nossa população e os dólares americanos para a ajuda à Europa aceleraram a partida para outras paragens.

A luta contra o regime de Salazar é assumido por aquilo a que se pode chamar a esquerda ideológica com ligações aos partidos socialista e comunista. Conquistadas melhores condições de vida, tal facto não invalida a preferência da simpatia pela esquerda.

Depois da Revolução Russa de 1917 poder-se-ia pensar que as diversas movimentações populacionais se dirigissem para o denominado "paraíso das amplas liberdades".

Mesmo no inicio do século e depois do primeiro conflito mundial, a nossa emigração nunca se fez em direcção aos países ditos socialistas, os quais apregoavam o pleno emprego e um nível de vida compatível com a dignidade humana.

O "rush migratório" mais curioso é o das décadas de sessenta e setenta e o actual, desde há uns dez anos a esta parte.

A propaganda em voga era a do comunismo e em menor escala a do socialismo democrático contra o regime autoritário e contra a Guerra dita Colonial, segundo a sua denominação, para impressionar os incautos e como forma de pressão que levaria a denegrir o conflito, mesmo se ele se apresentasse como defesa do património histórico.

Poderia então supor-se que os países sob regime comunista fossem o destino de preferência para o exercício do "métier" pois, assumindo-se os emigrantes como maioritariamente de esquerda, todos eles recusaram estabelecer-se nos países da sua ideologia preferencial.

A preferência foi, é e será os países de regime capitalista, como hoje se comprova.

Por isso, fazem-me rir aquelas e aqueles emigrantes que, nos países capitalistas, apelam a favor dum PCP estalinista ou do BE trotsquista, para que eles atinjam o poder em Portugal quando, em tempos, mau grado as dificuldades, quiseram permanecer nos países cujo regime combatiam.

Também é bem verdade que as cenas vistas durante a queda da ex-URSS e seus satélites, com as populações em manifestações de alegria saltando arames farpados e derrubando muros vergonhosos, serviu de vacina e de exemplo para evitar loucuras ou entusiasmos pela propaganda.

Mas é bom, é saudável, é moderno, é de bom-tom, ser de esquerda em países de regime capitalista.»

20 de Maio de 2013

Isaías Afonso

Vale a pena recordar Álvaro de Campos, como justificação dessas anomalias dos lúcidos generosos que dão ao pedinte tudo quanto têm na algibeira onde trazem menos dinheiro. São lúcidos - embora de uma lucidez diferente da de ´Campos. Defendem as doutrinas dos doutrinários mas não lhes querem saborear os efeitos nas terras da sua difusão:

«Cruzou por mim, veio ter comigo, numa rua da Baixa
Aquele homem, pedinte por profissão que se lhe vê na cara,
Que simpatiza comigo e eu simpatizo com ele;
E reciprocamente, num gesto largo, transbordante, dei-lhe tudo quanto tinha
(Excepto, naturalmente, o que estava na algibeira onde trago mais dinheiro :
Não sou parvo nem romancista russo, aplicado,
E romantismo, sim, mas devagar...)
Sinto uma simpatia por essa gente toda,
Sobretudo quando não merece simpatia.
……………………………………
Coitado do Álvaro de Campos!
Tão isolado na vida! Tão deprimido nas sensações!
Coitado dele, enfiado na poltrona na sua melancolia!
Coitado dele, que com lágrimas (autênticas) nos olhos,
Deu hoje, num gesto largo, liberal e moscovita
Tudo quanto tinha, na algibeira em que tinha pouco,

Àquele pobre que não era pobre, que tinha olhos tristes por profissão.
………..
Que bom poder-me revoltar num comício dentro da minha alma!
Mas até nem parvo sou!
Nem tenho a defesa de poder ter opiniões sociais.
Não tenho, mesmo, defesa nenhuma; sou lúcido.

Já disse: sou lúcido.
Nada de estéticas com coração: sou lúcido.
Merda! Sou lúcido.»

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