Eis uma análise que me parece excelente, a do texto
publicado no blog “A bem da Nação” - SER DE ESQUERDA EM PAISES
DE REGIME CAPITALISTA - de Isaías
Afonso, sobre a tendência
portuguesa para a emigração, por na pátria se não encontrarem condições
propícias a um desenvolvimento apanágio de outros países mais expeditos,
culturalmente falando, e por esse motivo criando as condições para uma
sobrevivência feita de inteligência na organização das estruturações
necessárias para esse efeito. Como escrevi num artigo “Ten years after”
(Anuário, 1999), “Lá, na delicada Europa, só é preciso trabalhar bem
nas tarefas duras que sempre foram imputadas aos escravos e que sempre os
senhores desprezaram. Já, de resto, aí, tudo está organizado, os serviços dos
senhores, os serviços dos escravos, tudo pago em condições, no respeito pelos
direitos de cada um – dentro das naturais discrepâncias sócio-culturais, é bem
de ver – os emigrantes escravos desempenhando as tarefas duras não remuneradas
condignamente no país natal e que, no estrangeiro, mau grado os ritmos poéticos
atrabiliários dos escritores sensíveis à saudade na servidão, lhes fornecem os
cabedais suficientes dignificadores da condição humana.”
Outros passos no mesmo artigo vêm no apoio da tese de
Isaías Afonso justificativos do surto de emigração no tempo da guerra colonial,
como fuga à guerra colonial – embora o receio da guerra, em outras guerras
posteriores, mais bem remuneradas, em território estrangeiro, não tenha impedido
a deslocação das nossas corajosas forças bélicas, com direito a ternas cenas de
despedida televisiva no aeroporto, entre as mesmas e os seus familiares destroçados.
Assim, “No Ultramar, apesar das restrições à
emigração no tempo do velho Salazar, fez-se obra vasta, igualmente com escravos
e senhores, tal como no estrangeiro, como técnica segregativa em toda a parte
imperante, excluídas as camuflagens do “savoir faire” oportunista.
“Todavia, poucos portugueses conheciam tal obra.
Ergueram-se cidades, descobriram-se minérios, rasgaram-se caminhos,
fomentaram-se indústrias e riquezas para ajudar a nação-mãe. Mas assim que
surgiu a guerra, a aversão anterior dos portugueses pelas distantes “terras dos
pretos” aumentou, já fruto de indiferença destruidora do mito respeitador da
História e dos heróis nacionais que as descobriram e defenderam, já fruto da
ignorância real ou fingida do valor económico dessas terras como principal
agente da economia metropolitana, realidade que, por ignominiosa, se
escamoteava, de um pequeno país amamentado pelos filhos dispersos, por
incapacidade de se alimentar por si.”
A guerra do Ultramar, posta em causa pelos países da
generosidade doutrinária, esquecidos alguns deles de que também ocupavam
territórios de usurpação, foi ponto de partida para o desenvolvimento
doutrinário, entre nós, dos doutrinários de esquerda, já bastamente sensíveis –
com muita razão, de resto – às condições definhantes em que vivia o povo
português – embora certamente que superiores às do tempo em que CesárioVerde
lhes descrevia as mazelas, um século antes, mau grado o cinzentismo com que os
actuais historiadores da época de Salazar lhe traçam o perfil nos seus
descritivos tendenciosos.
Mas a ligação da nossa esquerda aos partidos
socialista e comunista, se nos tempos actuais serve sobretudo para destruir o
governo com tendências de direita irmanada com o capitalismo segundo a sua
visão facciosa, e no tempo da guerra colonial serviu para justificar a
emigração, a coberto dos bons sentimentos por parte das classes intelectualmente
mais favorecidas, na realidade tal emigração era escoada para os países do
ocidente europeu que o capitalismo favorecia, e não para os países de Leste, como
explica o texto de Isaías Afonso:
«SER DE ESQUERDA EM PAISES DE REGIME CAPITALISTA»
«Fala-se
hoje de novo em "rush migratório"como se, no passado, tal
movimentação populacional não fizesse parte da estrutura económico-social
portuguesa.
Lendo a
tese de AS DUAS POLITICAS NACIONAIS, de António Sérgio, logo nos
apercebemos desse fenómeno, pois o autor cita Duarte Ribeiro de Macedo, na sua
obra Da Introdução das Artes Neste Reino, de 1647, em que sobre a
Politica de Fixação afirma que "Nemo nos Conducit", isto é, ninguém
nos conduz, ninguém emprega os nossos braços e daí a mórbida Emigração.
Compreende-se
perfeitamente a razão pela qual prevaleceu a Politica de Circulação ou
Transporte que nos levou à Epopeia dos Descobrimentos, que veio a constituir o
nosso espaço económico-geográfico durante cerca de 500 anos.
O
sacrifício para o manter foi obra dos portugueses do passado, mas o presente
não sentiu essa vontade indómita e levado pelos apelidados "Ventos da
História" cedeu essa nossa força no mundo, que metia inveja.
Quando
o presente foi chamado a defender o sacrifício do passado, respondeu quase um
milhão de jovens, enquanto outros preferiram a fuga ao compromisso e outros
ainda quiseram engrossar o fenómeno do "rush" saindo do país para
encontrar melhores meios de sobrevivência.
A década
de sessenta do século passado marca mais uma vez que não era possível uma
Politica de Fixação da nossa população e os dólares americanos para a ajuda à
Europa aceleraram a partida para outras paragens.
A luta
contra o regime de Salazar é assumido por aquilo a que se pode chamar a
esquerda ideológica com ligações aos partidos socialista e comunista.
Conquistadas melhores condições de vida, tal facto não invalida a preferência
da simpatia pela esquerda.
Depois
da Revolução Russa de 1917 poder-se-ia pensar que as diversas movimentações
populacionais se dirigissem para o denominado "paraíso das amplas
liberdades".
Mesmo
no inicio do século e depois do primeiro conflito mundial, a nossa emigração
nunca se fez em direcção aos países ditos socialistas, os quais apregoavam o
pleno emprego e um nível de vida compatível com a dignidade humana.
O
"rush migratório" mais curioso é o das décadas de sessenta e setenta
e o actual, desde há uns dez anos a esta parte.
A
propaganda em voga era a do comunismo e em menor escala a do socialismo
democrático contra o regime autoritário e contra a Guerra dita Colonial,
segundo a sua denominação, para impressionar os incautos e como forma de
pressão que levaria a denegrir o conflito, mesmo se ele se apresentasse como
defesa do património histórico.
Poderia
então supor-se que os países sob regime comunista fossem o destino de
preferência para o exercício do "métier" pois, assumindo-se os
emigrantes como maioritariamente de esquerda, todos eles recusaram
estabelecer-se nos países da sua ideologia preferencial.
A
preferência foi, é e será os países de regime capitalista, como hoje se
comprova.
Por
isso, fazem-me rir aquelas e aqueles emigrantes que, nos países capitalistas,
apelam a favor dum PCP estalinista ou do BE trotsquista, para que eles atinjam
o poder em Portugal quando, em tempos, mau grado as dificuldades, quiseram
permanecer nos países cujo regime combatiam.
Também
é bem verdade que as cenas vistas durante a queda da ex-URSS e seus satélites,
com as populações em manifestações de alegria saltando arames farpados e
derrubando muros vergonhosos, serviu de vacina e de exemplo para evitar
loucuras ou entusiasmos pela propaganda.
Mas é
bom, é saudável, é moderno, é de bom-tom, ser de esquerda em países de regime
capitalista.»
20 de
Maio de 2013
Isaías
Afonso
Vale a pena recordar Álvaro de Campos, como justificação
dessas anomalias dos lúcidos generosos que dão ao pedinte tudo quanto têm na
algibeira onde trazem menos dinheiro. São lúcidos - embora de uma lucidez diferente
da de ´Campos. Defendem as doutrinas dos doutrinários mas não lhes querem
saborear os efeitos nas terras da sua difusão:
«Cruzou por mim, veio ter comigo, numa rua da Baixa
Aquele homem, pedinte por profissão que se lhe vê na
cara,
Que simpatiza comigo e eu simpatizo com ele;
E reciprocamente, num gesto largo, transbordante,
dei-lhe tudo quanto tinha
(Excepto, naturalmente, o que estava na algibeira onde
trago mais dinheiro :
Não sou parvo nem romancista russo, aplicado,
E romantismo, sim, mas devagar...)
Sinto uma simpatia por essa gente toda,
Sobretudo quando não merece simpatia.
……………………………………
Coitado do Álvaro de Campos!
Tão isolado na vida! Tão deprimido nas sensações!
Coitado dele, enfiado na poltrona na sua melancolia!
Coitado dele, que com lágrimas (autênticas) nos olhos,
Deu hoje, num gesto largo, liberal e moscovita
Tudo quanto tinha, na algibeira em que tinha pouco,
Tão isolado na vida! Tão deprimido nas sensações!
Coitado dele, enfiado na poltrona na sua melancolia!
Coitado dele, que com lágrimas (autênticas) nos olhos,
Deu hoje, num gesto largo, liberal e moscovita
Tudo quanto tinha, na algibeira em que tinha pouco,
Àquele pobre que não era pobre, que tinha olhos tristes por
profissão.
………..
Que bom poder-me revoltar num comício dentro da minha alma!
Mas até nem parvo sou!
Nem tenho a defesa de poder ter opiniões sociais.
Não tenho, mesmo, defesa nenhuma; sou lúcido.
Já disse: sou lúcido.
Nada de estéticas com coração: sou lúcido.
Merda! Sou lúcido.»
………..
Que bom poder-me revoltar num comício dentro da minha alma!
Mas até nem parvo sou!
Nem tenho a defesa de poder ter opiniões sociais.
Não tenho, mesmo, defesa nenhuma; sou lúcido.
Já disse: sou lúcido.
Nada de estéticas com coração: sou lúcido.
Merda! Sou lúcido.»
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