É inútil bater-lhe para o
espicaçar ou fazer reviver.
Quem nasceu na aldeia e dela
emigrou em busca de trabalho e futuro, não deixa de vir lá construir uma casa e
um jardim, para a sua reforma ou para as suas férias, no apego ao seu passado,
talvez, na ostentação da sua prosperidade também, perante aqueles que os viram
nascer e que permaneceram na obscuridade do seu viver de sempre, cada vez mais
desleixado no desbravar dos torrões, que um subsídio escasso mal compensa, mas
que a inércia do envelhecimento e da solidão justifica. Atacam-se os governos e
as suas políticas de desertificação dos espaços rurais, a que os caminhos de ferro
emprestavam a sua utilidade e beleza, e as escolas animavam, desaparecidas estas
a favor dos agrupamentos escolares distantes, que os autocarros agora
interligam. Por vezes o café de alguma modernidade vem substituir a taberna menos
requintada do espaço exclusivamente masculino anterior, mas a vila próxima
concentra os vários serviços e os seus supermercados justificam a retirada da
mercearia e do talho anteriores, dos espaços rurais, que as novas casas
embelezam, mas, desertas dos donos, não contribuem para a rentabilidade dos
empreendimentos comerciais nas aldeias, as estradas e os automóveis facilmente
levando à vila concentracionária de serviços vários.
Não, não se trata de
dormitórios, essas aldeias, como as terras que ladeiam as cidades, e onde são
vários os espaços de reunião para o prazer da bica solitária ou acompanhada -
embora escassos os que poderiam contribuir para uma maior amplitude cultural
dos habitantes, (espaços
em bibliotecas, por exemplo, onde o apelo à leitura fosse ponto de encontro e
de debate de opiniões, favorecedores de um maior dinamismo cultural entre as
nossas gentes a que o nosso racismo cultural, exigindo centros elitistas para
as reuniões de cultura, pouco contribui para o alargamento cultural, numa
democracia rebelde a horizontes outros que não sejam os do interesse próprio e
da reivindicação pessoal).
O certo é que, como aponta
Bagão Félix e os seus comentadores, cada vez mais as cidades concentram as
populações, e de preferência as do litoral dos prazeres estivais, nelas
centrados os serviços de maior envergadura, que as políticas mais protegem, os
campos abandonados aos matos do seu isolamento e, afinal, da sua destruição. Um
texto admirável de lucidez e indignação, este de Bagão Félix, como apontam os
seus comentadores, acrescentando as achegas do seu próprio saber. Mas eu julgo que todos nós, que nos fixámos nas cidades, embarcados nos nossos gostos ou interesses, só nos lembramos de que as terras ardem, por altura dos fogos, tal como faz o Sr. Presidente que realça, sorrindo, para alguém queixoso, a importância do seu aparecimento e da sua figura solidária.
Público, 23 de Outubro de 2017
A aldeia desprezada até ao tutano
Perda
de vidas e de haveres de trabalho árduo em vilas e aldeias de Portugal são a
mais negra expressão de uma “modernidade” injusta, discriminatória e divisória.
Nesta “modernidade” a cidade esmaga a aldeia, o interior esvazia-se e o
litoral atafulha-se, o consumo desenfreado erradica a poupança geracional, a
exaltação do novo definha
o respeito pelo velho,
a memória esvai-se na ditadura do presente e até o valor útil da vida se
hierarquiza e a morte é desigual.
Um qualquer grupo pago
pelo Estado (ou seja, nós) reclama, grita, faz greve, tem tempo mediático, para
no fim, recolher os frutos. Os pobres, os velhos, as pessoas sós, os artesãos e
pequenos agricultores sem férias, não têm esse poder da rua. Nem muito, nem
pouco. A sua escassa apetência eleitoral (até as sondagens os ignoram) torna-os
politicamente irrelevantes. Não têm voz ou a sua voz não chega ao poder. E as
notícias dão mais importância a uma qualquer parvoíce urbana do que à
genuinidade rural.
Tudo em nome de um
utilitarismo pérfido e injusto e de um economismo desumanizado. A aldeia deixou
de ter extensão de serviços essenciais públicos, posto de saúde, policial e dos
correios, agência bancária, escola, estradas e transportes facilitadores, sinal
televisivo e redes de telecomunicações estáveis. Como se podem fixar jovens
onde os quase únicos empregos são os do poder local (partidários) e de IPSS? O
que se espera quando se fecha uma escola porque não é “rentável” ou se atrasa
uma minudente infraestrutura básica porque é muito custosa per capita? Agora
tudo online,
que importa se o aldeão não sabe trabalhar com as maquinetas? O mundo virtual
de amanhã segregou o mundo real de ontem, o deles. Lá, já quase não se nasce, o
lar de idosos cresce e o cemitério aumenta.
As leis da economia utilitarista têm prevalecido brutalmente sobre as
leis da Natureza. O campo está submetido a uma indisfarçável cultura
do descarte, da indiferença e da insensibilidade, apenas abanada por dramas
como os que agora aconteceram, com compulsivos anúncios de medidas, às vezes,
para mais tarde jazerem esquecidas. A aldeia é ofendida por quem governa na e
para a cidade: “têm de ser mais
proactivos”, “não me faça rir a esta hora”, “têm de ser resilientes”
(esse anglicismo de cidade, parvo, distante e ora em moda, que, na aldeia, felizmente,
não entendem). A aldeia é dizimada pela “via rápida” da política impositiva do
actualismo, que despreza a política do tempo que está para além do tempo
eleitoral ou da sondagem seguinte. Somos mais dotados em tecnologia, mas mais
pobres em humanismo e em Natureza. Discutimos até à náusea 0,1% do PIB que
não representa mais 1,4 euros por mês para cada habitante, ao mesmo tempo que,
só neste século, 2.530.000 hectares foram destruídos, sem que o tal PIB tenha
dado sinal de alarme. E porquê? Porque este indicador não considera a
depreciação do “capital natural”. Se tal sucedesse, a destruição de floresta
teria provocado diminuição sensível do PIB, tal qual uma família fica mais
pobre depois da devastação da sua propriedade. E, aí, outro galo cantaria na
política e nos políticos dos números e das estatísticas.
Bem resumiu o Presidente da
República na sua notável, sábia e humanista intervenção: “olhar para os dramas de pessoas de carne e osso
com a distância das teorias, dos sistemas ou das estruturas […] é passar ao
lado do fundamental que é o que vai na alma dos portugueses”
Ou como escreveu Tolstoi: “se queres ser universal, começa por pintar a tua
aldeia”. O problema é que há muita gente e políticos que
não sabem o que é a aldeia, dizem que não têm orçamento para a tinta e a
universalidade não passa dos seus liliputianos gabinetes.
Dois comentários
1º- Estamos governados por quem não se interessa. Por
políticos de esplanada. Por um conjunto de oportunistas que chegaram ao poder
por caminhos que os envergonham. Estão instalados em Lisboa e não tencionam ir
onde os problemas existem. Sujar o fato com cinzas e velhos mal-cheirosos? Não,
obrigado. Marcelo deu um exemplo magistral de humanidade ao ir falar com as
pessoas. Não lhes foi resolver problema nenhum em concreto. Foi-lhes mostrar
que o país está solidário com eles, ainda que o Governo não esteja. E conseguiu
fazer a diferença na vida daquelas pessoas. Só falta Costa e os seus camaradas
perceberem o que é que significa perder tudo o que se tem na vida.
2º
- Mais um interessante e oportuno texto do caro
Félix. “em nome de um utilitarismo pérfido e injusto e de um economismo
desumanizado” as pessoas do interior são desprezadas e empurradas de lá para
fora… e depois vêm os mesmos “utilitarismo e economismo” hipócritas com
dispendiosos programas propagandeados para levar pessoas a fixarem-se no
interior. Faz-me lembrar a hipocrisia malabarista da produção de sumo de
fruta seguida da venda da fibra porque afinal faz falta, ou da venda de pinho
sangrado seguida da venda do verniz senão a madeira estraga-se. Ainda hoje no
radio um autarca de Oliveira do Hospital falava nisso, exemplificou com uma
escola que foi fechada por ter só dezasseis alunos… e que só num ano houve meia
dúzia de pais que mudaram de habitação para seguirem os filhos na cidade… e
pergunta se só uma descarga de um avião não pagaria um ano do professor nessa
aldeia.
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