Os bandeirantes foram seres de
uma raça espoliadora, mas trabalhadora, que no seu papel de exploradores do
sertão, contribuíram não só para o alargamento dos espaços territoriais
brasileiros, como para a rica construção das nossas igrejas, embelezadas com a
talha dourada do nosso esplendor setecentista. Gente rude, ambiciosa, corajosa,
com objectivos à vista. Evoluímos, todavia, e os bandeirantes de agora escondem
os seus objectivos - afinal os mesmos daqueles - mas calcada a bandeira e
guardadas as recolhas dos seus dourados no secretismo dos múltiplos gavetões bem
aferrolhados e dispersos, das suas infâmias despudoradas do proveito próprio. Áugias
e as suas estrebarias? Se um Hércules surgiu no horizonte que conseguiu
limpá-las e esclarecer, bendito seja Áugias – António Costa - porque pôde
estimular esse Hércules – Procuradoria Geral da República - que
denunciou os bandeirantes do secretismo emporcalhador do país.
Ajudantes de Hércules, João Miguel Tavares e Cristina
Miranda, anteriormente, focaram o tema de Sócrates e a sua rede de
nós, a desfazerem-se no fedor e na loucura:
1º Texto: Sócrates não merece cair sozinho
João Miguel Tavares
Público, 11 de Outubro de 2017
Não se enganem: aquilo
que ficámos a conhecer não foi a acusação de José Sócrates, mas a acusação de
um regime inteiro. Um regime composto por um povo alheado e dependente,
um poder corrupto, uma justiça amedrontada e um jornalismo manso. Sem esta
triste conjugação de pobres qualidades, José Sócrates poderia sempre ter sido
eleito em 2005, mas jamais seria reeleito em 2009. É evidente que existe gente
indecorosa em qualquer parte do mundo, mas nos países bem frequentados as
instituições não falecem todas ao mesmo tempo. Infelizmente, durante a era
Sócrates, tudo faliu, até finalmente falir o país. Tirando duas ou três dúzias
de teimosos que insistiram obsessivamente que o rei ia nu, demasiadas pessoas
em lugares de responsabilidade ou não viram o que se estava a passar, por serem
pouco espertas, ou não quiseram ver, por serem pouco honestas.
Neste momento marcante da
História de Portugal, em que um ex-primeiro-ministro é acusado de 31 crimes
de corrupção, fraude fiscal, branqueamento de capitais e falsificação de
documento, convém recordar que José Sócrates não caiu da tripeça por causa dos
portugueses, que finalmente perceberam quem ele era. Caiu por causa da crise
internacional, da falência do país e da vinda da troika. Sócrates obteve
36,6% dos votos em 2009 (mais de dois milhões de pessoas), já depois da
revelação da licenciatura fraudulenta e das manobras para impedir a publicação
de notícias; já depois da exibição do DVD do caso Freeport onde Charles Smith
declarava que ele era corrupto; já depois de correr com Manuela Moura Guedes do
programa de informação mais visto da TVI por não apreciar o estilo e as
reportagens. E mesmo após a crise internacional, a falência do país e a vinda
da troika, José Sócrates ainda conseguiu obter 28,6% de votos para o PS –
1,57 milhões de portugueses. Em 2015, depois de quatro anos de brutal
austeridade, António Costa obteve somente mais 180 mil votos do que José
Sócrates em 2011.
Sócrates foi um
extraordinário caso de popularidade, não só entre o povo, mas sobretudo entre
as elites. E são estas elites que hoje em dia me preocupam, porque os
ex-apoiantes de Sócrates continuam por aí como se nada fosse, nos blogues, nos
jornais, nas empresas, no PS, no governo. Muitos dos que acham que os
portugueses têm o dever moral de pedir desculpa por acontecimentos do século
XVII, não vêem qualquer necessidade de pedir desculpa por acontecimentos de
2017. Não há qualquer acto de contrição por terem apoiado
incansavelmente um homem que a cada três meses era suspeito de fraude,
corrupção e atentado ao Estado de Direito, e que nunca, jamais, apresentou
qualquer justificação decente para aquilo de que era acusado.
Dir-me-ão: Sócrates
ainda não está condenado. Pois não. Mas reparem como o entusiasmo dos seus
defensores esmoreceu desde a noite da detenção (21 de Novembro de 2014) até ao
dia da acusação (11 de Outubro de 2017). A verdade é esta: as acusações são
demasiado fortes e as explicações demasiado fracas. Daí Sócrates estar cada vez
mais isolado. Contudo, o julgamento que se aproxima não pode esgotar-se nele. É
sobre Sócrates, sobre Salgado, sobre Vara, sobre Bava, sobre Bataglia, e sobre
um regime construído por inúmeros ex-socratistas, que agora saem de cena na
esperança de que esqueçamos o papel que desempenharem ao longo dos anos. Eu não
esqueço. Aqui estarei para lembrar que Sócrates não ascendeu sozinho, não
governou sozinho e, acima de tudo, não merece cair sozinho.
Cristina Miranda
Público, quarta-feira, 22 de março de 2017
Sócrates, o
“injustiçado” e seus advogados estão indignados com Joana Marques Vidal por ter alargado e
bem, os prazos de acusação. Estão com muita urgência de ver o Processo
Marquês arquivado “convictos” que conseguirão provar que isto não passa de
uma cabala para impedir Sócrates de regressar à vida política. De facto, as
ligações do ex-ministro ao Freeport, Monte Branco, Face Oculta, CGD, PT, OI, VIVO, BES, Marquês e Lula, não passam de mera diversão mediática de juízes
sem nada mais para fazer, senão linchar políticos e amigos de políticos.
Está de caras. Não?
Ora, o curioso
disto tudo é a cobertura jornalística de apoio dissimulado, às vezes descarado, que é
dado ao ex-ministro que ele sabiamente usa e abusa para aparecer a toda à hora,
de forma compulsiva, e arrogante em tudo quanto é noticiário, entrevistas e
comentários, a insultar os magistrados que o investigam, quando deveriam manter
as devidas distâncias e com isenção. Afinal, quer queiram quer não, trata-se de
assunto delicado e extremamente lesivo para o Estado. E se há queixas de
Sócrates quanto à acusação na praça pública, deveria haver quem se indigne pela lavagem de imagem autorizada pelos canais de
TV, rádios e jornais, feita pelos jornalistas para o absolver … na praça. Não?
Mas a verdade é que este
político não agiu sozinho. E por muito poder que tivesse (e tinha) era
necessário comprar muitos cúmplices para que fosse possível gigantesco processo
de corrupção. São muitos aqueles que temem o destino de Sócrates porque dele
dependem também. E esse é o maior problema caso venha a ser condenado. A
descobrir-se TODA a verdade quantos serão arrastados nesta maré? E quem? Só
assim se justifica a propaganda pró-defesa paga pelo sistema.
E daí a pressa. Pressionar
a PGR – atrapalhando a normal investigação fazendo muito ruído sobre
pressupostas ilegalidades e entreter o MP com 30 recursos, é muito conveniente.
Porque a pressa deixaria cair uns quantos processos por falta de conclusões
numa investigação que, sabemos já vai longe. Mas se vai longe é porque já
não é um polvo há muito tempo, mas sim um cancro com metástases espalhadas por vários “órgãos”.
Uma leucemia agressiva que tomou conta do país enquanto Sócrates governava.
Felizmente para nós, parece
que desta vez (a ver se não desilude), temos uma PGR decidida a tratar este
assunto como ele merece ser tratado, de forma implacável, doa a quem doer. E
vendo o aumento de ligações perigosas, Joana Marques Vidal não hesitou em
prolongar por tempo indeterminado, os prazos. E quero acreditar que será assim
até à conclusão destes processos.
Porque num país onde o
cidadão comum, por atrasar ou não pagar um mero imposto, mesmo que
“insignificante”, comparativamente, é levado a um juiz e pode ser condenado
criminalmente, com penas não inferiores a 3 anos, jamais pode admitir que quem
lesa o erário público em largos mil milhões de euros não veja o sol amanhecer
aos quadrados. Por muito tempo. E Sócrates, juntamente com todos os
que o ajudaram, a confirmar-se as suspeitas, não podem ser excepção. Estão
com pressa? Azar. Os interesses do país estão primeiro.
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