sexta-feira, 13 de outubro de 2017

O alcance da demagogia nas lides matemáticas


Tal como Álvaro de Campos, deprimido nas suas vestes existenciais, “coitado dele!”, também António Bagão Félix, como economista atento aos números, verifica que as contagens estatísticas não acertam com a nova gramática dos géneros, que o pedantismo mesureiro dos discriminadores, creio que de esquerda, entende por bem aplicar para não ferir as susceptibilidades femininas do contexto promocional. Assim, o masculino do plural, que dantes dominava para designar indiscriminadamente os conjuntos de pessoas, (poupando o resto da fauna, por via dos epicenos), nestes pruridos artificiosos de susceptibilidades demagógicas da nova aristocracia, de delicadeza sistemática para com a fêmea, conquanto apenas nas reuniões sociais ou das assembleias várias, (as estatísticas dando conta do aumento de violência doméstica sem pruridos diferenciadores) – o masculino do plural, repito, perdeu categoria, o que baralhou definitivamente as estatísticas de Bagão Félix, como demonstra no seu engenhoso artigo de 10/10 «Estatísticas com género a papel químico».
 “Coitado” do Bagão Félix, tão “lúcido” que é, também, o que ele deve sofrer com as demagogias alheias ao bom senso, moinhos de vento contra os quais luta em vão! Coitados e coitadas de nós, todos e todas, de estatísticas falseadas na conjuntura dos pruridos!

Estatísticas com género a papel químico
Público, 9 de Outubro de 2017
Estava equivocado. Segundo o censo de 2011, afinal há 16.077.756 nacionais. Portugueses são 10.562.178 e portuguesas são 5.515.578. Nos portugueses estão incluídas as portuguesas, mas como cada vez mais ouço “portugueses e portuguesas” (ou vice-versa) fiquei baralhado e fui fazer as contas. É que essa coisa dos conjuntos matemáticos, em que na sua união não se consideram os subconjuntos contidos num ou mais dos conjuntos, foi inventada antes deste século.
Há dias, estive numa reunião onde, nos discursos, ouvi “todas e todos”. Éramos para aí umas duzentas pessoas. Pelas minhas contas, 130 homens e 70 mulheres, logo “todas e todos” seríamos 270, mais do que os 200 que supunha. Com a agravante de a palavra ser exactamente … “todos”.
As audiências televisivas pecam por defeito e a tiragem dos jornais deveria ser rectificada. É que, além dos espectadores, compradores e leitores, há que juntar as espectadoras, compradoras e leitoras.
Também não concordo com a ideia de que há carência de pessoal lectivo. Não é verdade, pois “professoras e professores” são muito mais do que os professores, ainda que reconheça que seria bom que houvesse mais estabelecimentos de ensino por haver “alunas e alunos” que, pelos vistos, excedem os alunos. E numa aula de antropologia dir-se-á “humanos e humanas” para caracterizar a espécie?
Nas eleições autárquicas, a taxa de votação excedeu, em muito, os cadernos eleitorais. É que entre eleitores e eleitoras, não há abstenção que resista!
Portugal está muito mais envelhecido do que nos andam a dizer. Afinal o número de idosos não é de 2.010.064 pessoas. Temos de lhe juntar as idosas que são mais de 1.000.000. Evidentemente que assim não há sistema de pensões que resista, a não ser que não se paguem, em duplicado, pensões às reformadas, mas apenas às que estão incluídas nos reformados.
Só tenho filhas, netas e irmãos, pelo que, em reunião familiar, não tenho de dizer “filhas e filhos”, “netas e netos” e “irmãs e irmãos”. Interessante é o conjunto dos nossos progenitores. A mãe e o pai juntos são pais, ou seja, o plural do pai. A avó e o avô são avós que é o plural da avó! Língua traiçoeira…
Já quanto à minha relação com o transcendente, sou monoteísta, o que evita invocar “minhas deusas e meus deuses”.
Curioso é que esta prática matemática de juntar um subconjunto ao conjunto que já o contém, de modo a evitar infracções relacionadas com “estereótipos de género”, não se aplica a situações negativas ou indesejáveis. Assim como nos dizem “portuguesas e portugueses” ninguém balbucia sequer “desempregadas e desempregados” (bastam os desempregados), “mortas e mortos”, “incendiárias e incendiários”, “arguidas e arguidos”, etc. Em suma, uma forma unívoca para “simpáticas e simpáticos”. Creio, também, que não vai aparecer num partido alguém a referir-se a “militantes e militantas”, não só porque esta forma feminina não existe, como correria o risco de ser redutora e alguém a entender como “militantes e mil e tantas”.
Alguns sustentam que também dizemos “minhas senhoras e meus senhores” no início de uma intervenção. Mas aqui, está-se a fazer uma distinção com urbanidade e elegância, pois que, neste caso, a palavra “senhores” é inequivocamente só destinada às pessoas do sexo masculino.
Tudo considerado, estou hesitante em frequentar um curso sugerido pela Comissão para a Igualdade do Género ou reciclar os meus conhecimentos de teoria dos conjuntos, quem sabe se ora submetida à ideologia de género.



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