sábado, 7 de outubro de 2017

Três artigos de OPINIÃO sobre PEDRO PASSOS COELHO


De Alberto Gonçalves, com a sanha costumeira do analista social, não hipócrita e com a suficiente dose de formação mental para pôr o dedo nas feridas de um povo de “uma nação a entristecer”, sem outro ideal que não seja o debruçado sobre o umbigo próprio. De José Pacheco Pereira, a lição teórica do mestre, que nos interessa conhecer sobre a ideologia apensa ao anterior PSD, que Passos Coelho afastou de si, obediente a imposições externas da nossa necessidade, e que a ele, P. P., não interessam minimamente reconhecer, desde sempre. De João Miguel Tavares, no rasto analista do primeiro articulista, o rigor de uma análise inteligente e honesta, que reconhece em Costa os motivos da sua continuação no poder, por longos anos. Para mim, Pedro Passos Coelho foi o homem diferente, na sua determinação de honradez, coragem e brio patriótico,  de voz ampla, a condizer.
1º Texto : A noite das facas rombas
7/10/2017
De Soares a Cavaco, houve políticos tão detestados quanto Pedro Passos Coelho. Não houve ninguém detestado por gente tão infalivelmente repulsiva, por tantas nulidades tão pouco recomendáveis.
Pedro Passos Coelho não perdeu as “autárquicas”. Tecnicamente porque não concorreu às ditas, e porque os cidadãos que preferem o cacique A ao cacique B não o fazem por vontade de castigar as “cedências” à “troika” ou premiar a “prosperidade” da Frente de Esquerda. Simbolicamente porque “a maior derrota eleitoral da história do PSD”, conforme decretaram especialistas em matemática aplicada a interesses partidários, limitou-se a repetir os pífios resultados de 2013. Apesar disso, Pedro Passos Coelho assumiu as responsabilidades que inúmeros irresponsáveis garantiam serem as dele e, por cansaço ou estratégia, anunciou a saída. Sei de derrotados que aproveitam as entrelinhas da lei para se fingirem vencedores. Pelo menos um, em quem a manha ocupa o lugar da vergonha, chegou a primeiro-ministro. E sobre o carácter, ou a decência se quiserem, estamos conversados.
Mudemos de conversa, então. Nunca falei com Pedro Passos Coelho. Nunca conheci Pedro Passos Coelho. Que me lembre, vi-o uma única ocasião, de relance durante trabalho jornalístico no congresso do PSD em que ele se candidatou pela primeira vez à liderança, alegadamente sob o patrocínio do sinistro dr. Ângelo Correia. Decorridos estes anos, e tudo o que nestes anos aconteceu, tenho de Pedro Passos Coelho a melhor impressão que consigo ter de um político.
Não é uma impressão por aí além. Partilho com diversos pensadores, de Auberon Waugh a Jerry Seinfeld, a convicção de que qualquer sujeito que se acha destinado a orientar a vida dos outros sofre de sérios distúrbios psiquiátricos. Na melhor das hipóteses, um político é um oportunista que, na ausência de competências úteis, procura orientar a própria vida, e se as coisas correrem bem, a de familiares e amigos. Para político, Pedro Passos Coelho não me parece terrível. Sendo difícil avaliar o seu egocentrismo ou os seus escrúpulos, não é difícil avaliá-lo pelo sentimento que prepotentes sortidos ou trafulhas incontinentes lhe dedicam: o ódio puro.
Enquanto governante, os trabalhos de Pedro Passos Coelho oscilaram entre o fundamental e o desperdício, ou entre o “não” ao sr. Salgado do BES e a incapacidade de proceder, salvo fogachos, à mítica reforma do Estado. Por comparação, já não é mau. O mau transforma-se em sofrível e o sofrível quase em bom quando se levam em conta as reacções alheias, e principalmente quando se levam em conta os autores das reacções. De Soares a Cavaco, houve políticos tão detestados quanto Pedro Passos Coelho. Não houve ninguém detestado por gente tão infalivelmente repulsiva. A fúria que o homem suscita em determinadas criaturas mede, com curiosa exactidão, a baixeza das mesmas.
A baixeza e, reconheça-se, o empenho. Desde tempos imemoriais que abundantes indivíduos consagram as respectivas existências a exibir em público o incómodo que Pedro Passos Coelho lhes provoca. No governo e, para mim surpreendentemente, na débil oposição, aquele que tantos juravam morto foi capaz de desnortear os laparotos e as laparotas que, em províncias de gabarito, passam por – não se riam – “elite”. É essa a maior proeza de Pedro Passos Coelho, e o seu maior talento: irritar nulidades pouco recomendáveis.
Nada mudou até Domingo. Na noite eleitoral, as manchetes, as “leituras” e as opiniões estavam escritas e pensadas antes dos factos. As televisões encheram-se de “personalidades” convidadas para repetir o que repetem sempre: a urgência de Pedro Passos Coelho ir embora, por razões que as “personalidades” omitem sob falsos pretextos. Os habituais “históricos” do PSD, que na novilíngua que merecemos são os principais entusiastas do arranjinho no poder, invocaram Sá Carneiro e, com o dedinho em riste, clamaram pela necessidade de regenerar o PSD e promover a estabilidade. Ou, se se desmanchar o pobre jargão da seita, reduzir o PSD a um capacho e abrir caminho ao “sistema”. O “sistema”, desculpem o eufemismo, não aprecia obstáculos.
Alguma coisa mudou depois de Domingo. Os factos ajudaram e, definitiva ou provisoriamente, Pedro Passos Coelho pôs enfim a trouxa nas larguíssimas costas. Só um tolo esperaria dele a salvação das almas. Mas só um cego não o via como uma compensação, pequenina e isolada que hoje fosse, à perigosa miséria do resto. Sem ele, o resto é tudo. E tudo, na esquerda que manda e na “direita” que aspira partilhar o mando, é o caldo de fraude, saque, brutalidade e arrogância a que se convencionou chamar socialismo. Muitos portugueses, dos que recebem as migalhas aos que as distribuem, aparentemente gostam. Desconfio que Pedro Passos Coelho não é um deles. Por isso perdeu. E se custa perder, custa o dobro perder para vencedores assim.
2º Texto de OPINIÃO     : A doença que está a encolher o PSD
José Pacheco Pereira
Público, 3 de Outubro de 2017,
1. Quem acompanhe o que tenho escrito nos últimos anos não se surpreenderá com o que está a acontecer no PSD. Não digo isto para proclamar que tinha razão, mas, infelizmente para o partido e para os seus militantes, tinha de facto razão. O PSD está numa crise profunda, que não é conjuntural, mas estrutural, e não data de agora. Se nada for feito pelos seus militantes, o PSD mudará de carácter consolidando a sua deriva à direita, tentado pelo populismo, e terá um tamanho médio. Deixou de ser um grande partido para ser um partido médio, numa área em que tinha conseguido resistir à erosão política, as autarquias. O primeiro passo eleitoral da crise foram as autárquicas de 2013, e o último foram as de 2017, mas, mesmo quando se analisa a vitória em coligação com o CDS em 2015, já havia sinais de erosão política, com a perda de muitos votos e da maioria absoluta. Essa erosão era patente nas sondagens e nos estudos de opinião que mostravam a perda de valor da “marca” PSD, isto para utilizar a linguagem que agora se usa. No entanto, a crise eleitoral é apenas um aspecto de uma crise mais geral que nela se revela, mas que nela não se esgota.
2. Referi-me ao que “está a acontecer”, porque tudo ainda está nas suas primeiras fases e o desastre eleitoral de 1 de Outubro vai desencadear um processo cujo termo é ainda impossível prever. Ou não. Pode haver uma ou outra afirmação cosmética, e tudo continuar na mesma, seja com Passos Coelho ou com um seu seguidor e discípulo, ou pode haver alguma mudança, que, mesmo sendo pouca, se for na direcção certa, pode começar a virar uma página negra da história partidária. Não vai ser fácil, exactamente porque não é apenas um problema de mudar de líder, mas sim de mudar de grupo dirigente, principalmente em Lisboa e Porto e, mais importante do que tudo isso, mudar de política. Nos últimos anos, só houve dois ou três momentos de mudança no bom sentido, todos abortados por várias pressões internas. Um foi na direcção de Marcelo Rebelo de Sousa, o movimento de refiliação conduzido por Rui Rio contra o caciquismo e as fraudes no registo de militantes; outro, a crítica política solitária de Manuela Ferreira Leite ao caminho de Sócrates para a bancarrota. Em ambos os casos, foram sujeitos a violentos ataques dentro do partido vindos dos mesmos que foram responsáveis pelo caminho que nos deu agora o resultado de 1 de Outubro, de Menezes a Passos.
3. As componentes da crise do PSD são várias e comunicam entre si. Há um problema ideológico e um problema político, de que resulta um problema de posicionamento e função na sociedade portuguesa. A isto associa-se um outro conjunto de questões que tem que ver com a oligarquização do partido, fenómeno que não é exclusivo do PSD, pois dá-se também do PS. O ascenso do populismo resulta num acantonamento dos partidos e numa perda da sua autoridade em democracia. Apenas o PS conseguiu reverter alguns aspectos (mas só alguns) da sua crise com o processo de eleição aberta que deu a vitória a Costa sobre Seguro, e com a inovação política da “geringonça”.
4. O problema ideológico do PSD é simples de expor: o PPD, depois o PSD, foi fundado de uma forma sui generis, à portuguesa, combinando três tradições políticas: o liberalismo político, o personalismo de origem cristã e a social-democracia. Pretendia ser um partido defensor das liberdades e da democracia, um partido laico que incorporava uma visão do homem como “pessoa”, mais do que como cidadão, e pretendia que o Estado tivesse no seu coração a ideia de que a sua função era, entre outras, a de garantir a solidariedade social a favor dos que mais precisavam, distributivo e actuante em termos da justiça social. Era anticomunista, mas não era anti-socialista, não era conservador, nem economicamente liberal, era a favor do mundo do trabalho e da dignidade do trabalho, na tradição da doutrina social da Igreja, defensor de um sistema fiscal fortemente distributivo e colocava-se entre o centro-direita e o centro-esquerda. Estava mais à esquerda, oscilava para o centro e para a direita, mas nunca, jamais, em tempo algum, se definiu como partido de direita. Até agora.
5. O PSD ou é isto ou não é o PSD, é outra coisa. Os seus grandes sucessos políticos vieram da aplicação deste programa que lhe dava o lugar do partido reformista na sociedade portuguesa. Foi assim com a AD, momento fundamental da alternativa de governação democrática, para equilibrar o sistema político e económico dos anos do PREC, foi assim com Cavaco Silva como primeiro-ministro. O esquecimento colectivo já deixou para trás momentos simbólicos das governações de Sá Carneiro e Cavaco Silva, da distribuição de terras ao Plano de Erradicação das Barracas, já para não falar de posicionamentos que eram simbólicos e não eram apenas abencerragens da época, da JSD dos primeiros anos com o seu jornal “pelo socialismo”, da tentativa de entrada na Internacional Socialista, da exigência do PSD de retirarem o nome de “liberal” do grupo europeu a que pertenceu e colocar o de “reformista”, etc., etc.
6O que aconteceu nos anos do “ajustamento” sob a direcção de Passos Coelho não foi uma “adaptação” da linha política do passado à situação dos últimos anos, nem às “exigências” da troika (que hoje sabemos foram em grande parte propostas do PSD divulgadas como sendo da troika), mas uma mudança qualitativa. Essa mudança pretendia tornar o PSD um partido neoliberal, tendo como modelo Singapura, considerando que a “economia” eram as empresas e os trabalhadores um “custo” que devia ser domado, apontando como alvo para a austeridade a classe média e deixando os pobres sofrer com o custo dos despedimentos e numa redoma assistencial. A ideia foi parar o elevador social que desde o 25 de Abril existia, mesmo que imperfeitamente na sociedade portuguesa, com o crescimento dos serviços públicos e do Estado social e a criação de uma “classe média” ligada ao Estado, a favor da ideia de que com o agravamento da desigualdade social se criava um pólo de desenvolvimento em cima, que arrastaria os de baixo, desde que estes aceitassem baixos salários e a perda de regalias sociais. O PSD tornou-se o arauto fiel da troika e do Eurogrupo usando as “regras europeias” como mecanismo de poder que nunca levou a votos, nem em 2015, onde fez muitas das propostas que depois veio a atacar no PS.
7. Era um projecto de engenharia social, completamente alheio ao programa social-democrata do PSD, que ruiu quando o PS conseguiu conciliar um certo desenvolvimento económico com a “reversão” de medidas. O PS não fez nenhuma revolução, mas o PSD ajudou a valorizá-lo com a história do “Diabo” e com uma nostalgia absurda dos bons velhos tempos da troika.
8Estas mudanças qualitativas nunca foram assumidas nos documentos oficiais do PSD. Nos últimos congressos, os dirigentes, a começar por Passos Coelho, recuaram nos congressos com juras de “social-democracia” e algumas tentativas programáticas que tentavam incorporar a nova linha “liberal”, ficaram pelo caminho como se não tivessem paternidade. Criou-se assim uma espécie de esquizofrenia política, que não ocultava no entanto o caminho de posicionamento do PSD para uma direita que deixaria horrorizados os fundadores do partido. Este caminho abandonou o centro político ao PS e era só uma questão de tempo até as sondagens e os resultados eleitorais começarem a revelar a usura do PSD reformista do passado a favor de um partido que se sentia bem numa frente de direita com o CDS e cuja linguagem e posições políticas o isolam cada dia que passa.
9. Em 1 de Outubro, o PSD perdeu nas eleições locais e na eleição nacional que foram os resultados de Lisboa e Porto.         (Continua)

3º Texto: Xeque-mate à direita
João Miguel Tavares
Público, 3/10/17
Fico fascinado com os meus amigos de direita que se esfalfam a fazer contas e continhas para demonstrar que a derrota do PSD não foi assim tão grande, que pior do que o PSD foi o PCP, que António Costa vai ter graves problemas em manter a estabilidade da “geringonça”, que pior do que PSD e PCP é a implantação ridícula do Bloco a nível autárquico, que Teresa Leal Coelho e Assunção Cristas tiveram juntas muito mais votos do que PSD e CDS coligados em 2013. Que, que, que…
Isto é patético. Se um homem for atropelado por um autocarro, há duas atitudes possíveis. Uma, é constatar que ele foi atropelado por um autocarro. A outra, é assinalar que ainda consegue abrir um olho e mexer um pé. Eu sou dos que prefiro constatar a existência do atropelamento, até por respeito ao atropelado. Aliás, é por respeito que desejo vê-lo fora da liderança do PSD. Se Passos Coelho sair agora, ele poderá voltar dentro de alguns anos, quando o ciclo económico mudar e todos nós concluirmos que aquilo que a esquerda andou a fazer não chega para nos safar de nova crise. Se Passos Coelho não sair agora, duvido que algum dia regresse. Ele irá arrastar-se até às legislativas de 2019, onde desembocará esgotado, maltratado e traído, para receber em troca, com altíssima probabilidade, uma derrota humilhante. Dificilmente voltará a reerguer-se.
No final de 2015, a direita cometeu um duplo erro: não acreditou na “geringonça” e acreditou em António Costa. O contrário é que estava certo: acreditar na solidez da “geringonça” e não acreditar no programa de António Costa. Assim que as pessoas perceberam que as contas se endireitavam sem a direita, Passos Coelho ficou sem espaço de manobra. Há quem pense que a história do diabo foi um enorme erro, e eu sou um deles. Mas com diabo ou sem ele, Passos nunca teria qualquer hipótese de bater António Costa a partir do momento em que este conteve os delírios da esquerda, pôs o país a crescer e o desemprego a diminuir, e devolveu dinheiro a funcionários públicos e reformados. Os portugueses não são estúpidos – eles sabem que a página de austeridade não foi virada. Mas preferem esta à outra.
Dir-me-ão: todos os problemas estruturais da economia portuguesa continuam intocados e o actual governo não tem margem de manobra para mudar nada. É um facto. Só que, neste momento, o governo não precisa de mudar. A política é como a comédia – o timing é tudo. António Costa teve o mérito e a sorte de acertar no timing perfeito para governarEuropa a crescer, turismo a disparar, povo assustado com a troika, empresários acordados pela troika, esquerda unida pelo ódio às “políticas de direita”, enfim, uma conjugação astral digna de Euromilhões –, e Portugal está a confundir acerto no timing com acerto nas políticas. Contudo, estar convicto disto adianta muito pouco. Aquilo que eu vejo, tal como aquilo que Passos Coelho vê, não é o que a maior parte dos portugueses está a ver.
António Costa fez xeque-mate à direita, por muitos e bons anos. E quando assim é, os colunistas como eu podem continuar a escrever colunas, mas os políticos com ambição de poder têm de dar lugar a outros. Aquilo que lá vem, como há semanas alertei, pode bem ser a revelhação do PSD, em vez da sua renovação. É, aliás, o mais provável, porque assim que a vaca começa a engordar deixa de haver liberais em Portugal. Imaginar o PSD liderado por um António Costa cor-de-laranja é bastante triste. Mas os votos não enganam: é isso mesmo que o país quer.  


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