sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Um erro de La Fontaine

Entre os temas que La Fontaine manifesta
No seu fabulário tão vário
Encontra-se o do contraste
Entre a aparência e a realidade,
Na questão dos vultos de casta
Da nossa praça
E da praça alheia.
Uma desgraça!
Bem feia!
Vejamos esta,
Digamos fábula:

«A raposa e o busto»

«Na sua maior parte os grandes
São máscaras de teatro;
Com muita suficiência
Se impõe, ao vulgo idólatra,
A sua aparência.
O Burro, que não aprendeu o abc
Só sabe julgar por aquilo que vê:
A Raposa com isso não se contenta
E, pelo contrário, tudo lê
De forma atenta.
Vira os bustos, lentamente,
Cuidadosamente,
De todos os lados; e quando entende
Que o seu jeito não é mais que aparência,
Ela atira-lhes uma palavra
Que, com certa imprudência,
E mesmo alguma inclemência,
Um busto de herói lhe fez dizer
Muito a propósito e com muito saber
Num certo dia de bastante calor
Única justificação para tanta impertinência.
Era um busto oco, maior que o natural,
Autêntica máscara de actor principal.
A Raposa, louvando o esforço da escultura
De uma importante figura
Social,
Disse, com malandrice:
“Bela cabeça, mas quanto a miolos, nem sinal.”

Quantos grandes senhores são bustos tais!
Uma coisa por demais!”

Ora, segundo me parece
La Fontaine nem sempre acerta
No que escreve.
Eu acho que os grandes
Muito importantes
Têm até mais miolos
Do que aparência de importância.
Não, não são tolos.
Tolos somos nós
Que mesmo conhecendo o abc
Caímos, como se vê,
- Se tem visto sempre -
Em todas as suas manigâncias
Resultantes das suas relevâncias,
As mais das vezes provenientes
Das espertezas
Das suas cabeças
Que pedem meças
Às próprias belezas
Das suas figuras,
Que com o tempo, contudo,
Se apuram, se apuram,
Autênticas esculturas.
E se umas se acabam,
Como é natural na vida,
Logo outras retomam
A via devida,
Esculturas sim, na beleza dos gestos,
Na elegância dos fatos,
E só aparentemente
Ocas interiormente.
Espertas e belas
São elas,
E nós, os toscos.

Nenhum comentário: