quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Acontece

A grande novidade hoje foi a morte de Carlos Pinto Coelho.
Ambas lamentámos, como já lamentáramos o desaparecimento do “Acontece”. Às vezes trocávamos impressões sobre uma figura que marcou positivamente os anos em que durou esse seu programa, de entrevistas, leituras, revelações, feito com garra, numa actuação vibrante e apaixonada, a que não faltava, por vezes, a contundência do discurso crítico.
Eu costumava comparar o jeito de Carlos Pinto Coelho ao de Bernard Pivot, jornalista e apresentador de programas culturais franceses, que conheci através do seu “Bouillon de Culture” e dos seus ditados em língua francesa, faseados segundo as várias idades e dirigido não só aos nacionais mas a todos os povos francófonos e amantes da língua francesa, lamentando que aqui se não instaurasse idêntico processo de difundir o amor e o brio pela nossa língua e cultura, embora tal proposta não tivesse hoje mais sentido, é certo.
Mas Carlos Pinto Coelho, que tinha a voz, o empenhamento e mesmo, creio, os conhecimentos necessários para arcar com uma responsabilidade dessas, se a isso se propusesse, nem sequer foi respeitado como protagonista de um programa indispensável para nos acordar do marasmo dos nossos programas de modinhas e de problemas cívicos e governativos da nossa facúndia palreira.
Carlos Pinto Coelho morreu. Na flor da vida. Uma injustiça dos céus, a somar a outras injustiças que por cá sofreu, como sofrem, muitas vezes, os que se distinguem por qualquer atributo de valor, como a história tantas vezes documenta.
Afirmou um dia, Carlos Pinto Coelho, que o seu livro preferido era “Aparição”, de Vergílio Ferreira. Pelos valores humanos que foca, da angustiante busca do eu, e a assumpção da plena responsabilidade dos actos individuais, isentos de um Deus como princípio determinante.
Penso que Carlos Pinto Coelho teve sorte, no seu final breve, em plena euforia de um próximo trabalho. Sem se dar conta. Sem questionação. Sem luta.
Deixando saudade. E pena.
E a engraçada caricatura que dele fez Herman José.
Aconteceu.

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