segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

As cruzes do nosso saber

A e i o u, ai eu ui ia, fui, tia, voar …
E às vogais juntando-se consoantes, formando sílabas, formando palavras com sentido, de uma dificuldade gradualmente acrescida, a inteligência da palavra ou da frase fazendo-se por soletração…
E as crianças faziam cópias, cópias de dificuldade crescente, e ditados, e correcções de erros, repetidamente, trabalhando a memória, trabalhando as mãos, aprendendo a escrever, a ler, a contar, a reproduzir, a manipular os instrumentos da sua escrita … Era assim com a Cartilha Maternal e seus substitutos, assim foi no meu tempo, creio que com mais imagens de apoio, mas respeitando a lógica da aprendizagem do simples para o complexo, por junção de letras em sílabas e palavras.
O método global associou a palavra à imagem e à frase, partindo do complexo para a letra. A criança associa a palavra à imagem e lá vai progredindo, aprendendo as letras dedutivamente. Sempre ouvi dizer que aquilo é que era bom, eu nunca entendi porquê. Partir da frase ou da palavra para o alfabeto, ainda que acompanhadas das imagens, achava um desperdício de tempo, um desrespeito pela lógica, um brinquedo de mau gosto, fantasioso e falso, já que inúmeras palavras não têm o correspondente objecto figurativo, a começar na asneira e a acabar na esperança.
Tais macacadas não resultaram, creio, mas hoje vejo pelos livros do primeiro e do segundo anos que o lúdico se impõe na aprendizagem, que às imagens se associa a leitura melódica, pois que a maioria dos textos é em verso, suponho que para a professora ler e bem assim as propostas de exercícios – rodear as letras, colorir objectos que contenham tais letras, completar palavras com essas letras, procurar palavras pela associação de sílabas, as sílabas de cada palavra pintadas com o mesma figura geométrica, fazer palavras cruzadas a partir dos desenhos… Divertido, sim, sobretudo para quem domine já a leitura. Mas a criança com maior dificuldade de compreensão, sozinha, não vence facilmente tais dificuldades. Porque lhe faltou o progressivo domínio linguístico quer ao nível oral, quer ao nível escrito, pela leitura e cópia exaustivas.
O livro “Pirilampo” do 2º ano, segue idêntica linha de rumo, muito divertido, à base da compreensão dos textos, das imagens, dos jogos, das sopas de letras para encontrar palavras, da organização de não frases em frases… Mas muitos dos textos são em verso, brinquedo que deixa os meninos perplexos, com os desvios retóricos ou lamechas, e não desenvolve grandemente o raciocínio lógico, que se deveria ter como objectivo primacial, na idade da razão que começa pelos sete ou oito anos. O desejo de divertir leva à criação de neologismos idiotas, inspirados em Mia Couto: é o caso de “espantente” seguido da explicação entre parênteses (“espantado e contente ao mesmo tempo”). Com tanta proposta de exercício, para cada texto, não sobra muito tempo para o repisar de leitura e escrita, com cópias, ditados e correcções indispensáveis à manipulação oral e escrita.
O mesmo se dirá da matemática, com apelo ao raciocínio, através de jogos interessantes, mas preterindo o domínio das tabuadas, sem o qual, não há problema ou jogo de decomposição de números que seja compreensível.
Os alunos acompanhados pela família ou o explicador terão mais probabilidade de êxito. Mas penso nas crianças cujas famílias os não acompanham quer por indisponibilidade de tempo ou de conhecimento.
É bom jogar, mas o tempo para interiorizar, adquirir estruturas, é imprescindível.
Infelizmente, até na instrução pretendemos pôr o carro à frente dos bois. Sem aprendermos a bem ler, escrever e contar, dificilmente o aluno interpretará, sozinho, as questões de diversão que requerem inteligência para a sua interpretação.
E as deficiências progredirão ao longo do ensino, nos domínios da construção frásica e da ortografia.
Da matemática.
Mas podemos sempre substituir o pensamento elaborado pelas cruzes das respostas múltiplas. Ou do verdadeiro ou falso.
A solução está nas cruzes.

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