terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Ano Novo, vida velha

Se Esopo nos serviu,
Como se viu,
Para anunciar o Natal,
La Fontaine também nos servirá,
Julgo eu,
Bem ou mal,
Para findarmos o velho ano
E festejarmos o ano novo
Com o habitual tralalá,
Embora ele se não apresente
Em perspectiva clemente.
Mas isso são factos consumados
A que já estamos habituados,
Valha-nos Nossa Senhora
Que, por ser tão sapiente,
É a nossa Mãe protectora,
Sem melhorar que preste,
Embora,
O nosso ambiente inclemente.
A fábula que se segue,
De La Fontaine,
De grande tamanho,
Por desgraça minha
E de quem a ler,
Que poderá sempre
Deixar de o fazer,
É sobre a bolota e a abóbora
E o ponto de vista crítico de um aldeão
Sobre os defeituosos desígnios do Senhor,
E que mudou de opinião
Assim que a experiência lhe mostrou
A sem-razão da sua observação.
Mas La Fontaine di-lo-á
Melhor do que eu
Como se verá,
Na sua fábula bem conhecida:
“A bolota e a abóbora:”
“Deus faz bem tudo o que faz,
É a minha conclusão.
Sem a prova procurar
No universo inteiro,
Às abóboras me vou restringir
Como prova suficiente
Da minha justificação:
Um aldeão, considerando
Quanto este fruto é grosso
Sendo o seu caule
Mais fino do que um osso:
“- Em que pensava - disse ele -
O autor de tudo isto?
Ele colocou esta abóbora bem mal!
Na realidade, mais valera
Pendurá-la, como eu o teria feito,
A um dos carvalhos deste carvalhal;
Teria outro jeito
A proporção
Entre um fruto tão tamanhão
E a árvore de forte porte.
É pena, Garô, que tu não tenhas pertencido
Ao conselho d’ Aquele pelo teu cura pregado:
Tudo seria muito melhor
De facto;
Porque será que a bolota, não maior
Que o meu dedo mindinho
Não cresce neste lugar mais enfezadinho?
Deus, bem que se enganou.”
Quanto mais contempla os frutos assim trocados
Mais parece a Garô
Que Deus fez um quiproquó.”
Esta reflexão o nosso homem embaraçou,
Que continuou:
“Não se consegue dormir, realmente,
Com tanto espírito da nossa mente.”
Mas logo, à sombra de um carvalho se deitou
E adormeceu
Triunfalmente.
Uma bolota caiu,
O seu nariz sofreu,
Ele acordou. E levando ao rosto a mão
A bolota encontrou
Presa aos pêlos do queixo.
O nariz achacado
Fê-lo mudar de linguagem:
“- Oh! Oh! – disse ele – estou a sangrar!
E como seria se uma massa mais pesada
Tivesse caído da árvore?
Deus não o permitiu; sem dúvida teve razão.
A causa, reconheço-a agora,
Por esta minha ensanguentada imagem.”
E louvando Deus por tudo o que Ele fez,
Garô voltou para a habitação.”

É por isso que eu também penso
Que devemos considerar,
Antes de contestar
Os desígnios superiores
Quando ditados pelos nossos maiores,
Mesmo que nos pareçam inferiores,
Pois existe sempre a possibilidade
De que uma abóbora nos caia no nariz
Com grande crueldade,
Em vez da bolota caída habitualmente
Sobre a nossa cerviz
Impotente.
Por isso, a bolota devemos aceitar
Não venha a abóbora esborrachar
Definitivamente
Isto que já foi país
No tempo dos nossos pais,
E se prepara para deixar
De o ser, cada vez mais.
Pois dia virá
Que a abóbora se imporá,
Volumosa, pesada, gloriosa
Lançada por mão voluntariosa
E caprichosa
Que sempre se olhará
Como um novo Deus que achará
Que tudo o que faz bem feito está.
E que não se importará
De as nossas cabeças esmagar
Com abóboras fenomenais,
Em vez das bolotas habituais,
É certo que cada vez mais
Brutais
Em atropelo e tamanho.
Bolotas do tamanho de abóboras
São as perspectivas
Do Ano Novo,
Delas cheio que nem ovo.

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