sábado, 2 de fevereiro de 2013

«Cá por aqui é honra!»


O texto que o Dr. Salles da Fonseca publicou no seu blog “A Bem da Nação”, que transcrevo, é bem indicativo do rigor e hombridade que sempre lhe reconhecemos, num discurso chão e preciso, próprio de quem deseja que a sua mensagem atinja o objectivo sério de penetrar as consciências do nosso país. Nele apus o comentário seguinte: ”O que espanta neste nosso país é que as palavras do rigor e do bom senso sejam continuamente ignoradas, substituídas pela gritaria histérica dos que tinham obrigação de raciocinar melhor. Mas a demagogia e os interesses próprios subvertem as mais elementares provas de erros profundos cometidos antes, de algumas correcções já feitas que possibilitam a esperança, e prefere-se patinhar na lama da injúria e da torpeza, ou na arrogância vaidosa do saber só destrutivo.“

Mas outros comentários de colaboradores seus foram ali postados, também ditados por idênticas seriedade e preocupação, ou seguindo até outros vectores de análise.

            Por esse motivo, é com gosto que coloco os diversos textos no meu blog, feliz porque não fazem parte da zoada de negativismo e de imoralismo que recusa o pagamento e a responsabilidade na dívida criada, zoada que nos faz desejar partir para outros espaços de beleza. As contingências da vida não o permitindo, há sempre refúgios, alguns, encantadores,  chegados por email.

 

Lisboa, Janeiro de 2013

Henrique Salles da Fonseca

INVERSÃO DE VALORES

O desmantelamento da produção nacional e o incentivo ao consumo só podia conduzir-nos à ruptura. Demorámos a alcançá-la mas conseguimos! Era só uma questão de tempo.

Mais: a exasperante demora foi encurtada – num prazo por enquanto não quantificado – pela aplicação de medidas de política no âmbito das obras públicas cuja utilidade vinha sendo muito contestada logo desde que anunciadas. E, como era de prever, a opção do seu cancelamento provocou custos que as finanças públicas bem gostariam de ter dispensado. Tomando também em consideração a atribuição de «utilidade pública» a uma enorme lista de instituições que muito poucos contribuintes saberão para que servem e a política de desorçamentação que esteve na moda, o resultado foi, como se adivinhava facilmente, a instalação do caos nas finanças públicas.

Paralelamente, um país que consumia o que não produzia só podia viver do crédito que alguém lhe ia concedendo até que o dia chegou em que deixou de haver quem lho concedesse – e a sua falta é doença letal para quem dele vive. E quem vive do crédito, não pode facilmente discutir em que condições «se digna pedir emprestado».

Caídos, assim, num «modelo de desenvolvimento» crédito-dependente e exaurida a capacidade de recurso aos mercados de capitais, havia que «albardar o burro à vontade do dono», ou seja, havia que criar as condições que permitissem a retoma da confiança por parte de quem possuísse os capitais de que necessitávamos para comprar no exterior o que deixáramos de produzir e para financiar internamente os défices públicos já crónicos.

E que condições eram essas? De duas ordens, a saber: redução da despesa pública de modo a que cada vez mais fosse cada vez menos necessário pedir emprestado para suprir os défices públicos; reequilíbrio da balança comercial de modo a estancar a hemorragia de divisas provocada pelas importações e, tendencialmente, reequilibrar as balanças de transacções correntes e de pagamentos.

Os cortes na despesa pública começaram fazendo cessar drasticamente a política do betão e do betume a que estavam ligadas algumas das maiores empresas portuguesas as quais entretanto se viabilizaram lá fora ou se inviabilizaram cá dentro.

DESPESA TOTAL PRIMÁRIA

ANOS (milhões de €) (% do PIB)

2005 67 956 44,1

2006 68 246 42,4

2007 70 029 41,4

2008 71 744 41,7

2009 79 035 46,9

2010 83 520 48,4

2011 77 511 45,4

2012 68 749 41,3

Fontes: INE – 2005-2011; Ministério das Finanças – 2012

Com uma enorme propensão marginal à importação, o método mais expedito para resolver o problema da balança comercial, era seguramente pela redução da procura interna. E como a grande componente da despesa pública é a das despesas com pessoal, nada mais evidente do que «matar dois coelhos com uma só cajadada» tributando os funcionários públicos e aposentados no equivalente aos subsídios de férias e de Natal.

Só que o grau de endividamento das famílias ultrapassava todos os limites da razoabilidade e eis que essa redução dos rendimentos disponíveis provocou a débâcle na construção civil e no cumprimento dos compromissos familiares perante o crédito à habitação. E se já era sobejamente sabido que a política de novas construções tinha que deixar de ser o que era, espanta que tanta gente ligada à construção civil e ao crédito à habitação não tenha percebido que o boom se esfumara e que o desastre se aproximava.

Se à redução do consumo interno somarmos os problemas que a banca teve no crédito externo, dá para compreender como o desequilíbrio externo resultara dos vícios inerentes ao «modelo de desenvolvimento» usado e abusado até ao final da Legislatura anterior. Eis como, à falta de crédito externo e de mercado interno, também o comércio importador teve que encontrar soluções, nomeadamente encerrando portas.


E, de repente, começam as estatísticas a mostrar que a balança comercial se está a equilibrar como já se não via há décadas...

BALANÇA CORRENTE E DE CAPITAL


Fonte: Ministério da Economia – Gabinete de Estratégia e Estudos

E se, entretanto, houve muita empresa a apostar na exportação, convenhamos que a rapidez do «milagre» da balança comercial se deveu muito à redução das importações.

Isto, o que foi feito até ao presente. E como vai ser o futuro?

Não dispondo de qualquer bola de cristal, convém reconhecer que as saídas não são muitas sob pena de darmos oportunidade à recessão provocada pelo ruir de um sistema sem que uma alternativa se lhe ofereça. Aliás, alternativa imperiosa pois, não a criando, chegar-se-á à inversão política de valores com o autor das causas que motivaram a crise a passar por cândido e o «médico» por malvado.

Assim, desmantelado o «modelo de desenvolvimento» comprovadamente vicioso e regressados ao mercado de capitais de longo prazo, urge retomar a produção de bens transaccionáveis e, dentre estes, começando pelos mais básicos, ou seja, por aqueles que satisfazem necessidades tão elementares como a alimentação.

E para que isso ocorra, não são necessários fundos públicos de investimento mas apenas a capacidade legislativa que há décadas falta criando condições que permitam a transparência dos mercados e a criação de operações sobre futuros que garantam a lógica no método de formação dos preços.

Sem necessidade de investimento público, a criação de condições legislativas que permitam o desenvolvimento sustentado do sector primário já deu provas ao longo da história para se saber que são rápidos e significativos os reflexos no crescimento da indústria e, posteriormente, dos serviços.

A ver vamos...

 
Os Comentários:

 
De Adriano Miranda Lima a 28 de Janeiro de 2013 às 01:39:

«O Dr. Salles da Fonseca faz aqui uma análise lúcida e honesta, como é seu hábito. Concordo com a linha genérica e alguns pontos concretos do seu raciocínio, enquanto outros me deixam algumas dúvidas.

Começo por dizer que é muito delicado elencar os culpados internos da nossa crise, parecendo-me mais justo aceitar que somos todos culpados. Se virmos o percurso da nossa existência colectiva desde 1974, não custa lembrar que desde então entrámos num permanente clima de exaltação, euforia e deslumbramento, e assim se justificando o esbanjamento do que tínhamos e não tínhamos. Duas intervenções do FMI poucos anos decorridos. Entrada na CEE e asas renovadas para a soltura da exaltação, da euforia e do deslumbramento. Betão e betume a bel-prazer das construtoras e banca, pavilhões gimnodesportivos em qualquer vilória, rotundas por todo o lado sob a batuta reivindicativa dos autarcas. E muita gente a ganhar fraudulenta e impunemente. A banca no seu paraíso, como nunca se vira. Consumo desenfreado e sem limites, e mesmo assim reivindicações e greves por dá cá aquela palha. Claro, tudo à custa do dinheiro dos outros e dos empréstimos. Mas poucos se ralavam porque o que importava era ter e consumir. Não houve vozes veementes contra o desmantelamento da nossa agricultura e das nossas pescas e contra o ostracismo a que foi votado o mar da nossa vocação e dos nossos sonhos. Portanto, tenho dificuldade em encontrar inocentes, senão uma caterva de gente que enriqueceu à margem da lei ou da ética e continua impune.

O silenciamento ou adiamento da arrumação da nossa própria casa só foram possíveis até estourar a crise internacional, até o fechar da torneira exterior. E aqui estamos nós a tentar arrumar a casa da forma dolorosa que muitos sentem na carne e na alma. E o problema é que não parece solução o que alguns entendem ser solução. Pior ainda, mesmo que a solução possível venha a apresentar-se, temo que mais tarde ou mais cedo voltemos a cair no mesmo ciclo de um viver viciado, mais virado para o imediatismo e a ilusão dos sentidos do que para os prazos dilatados em que vingam os projectos de vida bem alicerçados e partilhados conscienciosamente por toda a comunidade.

Conclusão, receio que a causa das nossas dificuldades tem algo de genético, para não dizer fatalista. A menos que nos sujeitemos ao mando de estrangeiros, porque está provada a nossa dificuldade em lidar com o mando dos nossos.»


De João Franco a 28 de Janeiro de 2013 às 12:24:

 
«Meu Caro Amigo Muito bem! Porém, parece-me que isto não tem concerto! É claro que o governo anterior é o culpado do ponto a que isto chegou; tanto mais que nessa altura já havia muitas vozes a avisar mas, se houvesse agora eleições e esse mesmo governo se candidatasse, ganhá-las-ia e com grande folga. O problema, em meu entender, é de Regime. Os portugueses, são incultos e ignorantes (o grande erro do Estado Novo) e o sistema político não permite que na política as boas cabeças se desenvolvam.

A Comunicação Social, adulada por todos, é um espelho da incompetência, ignorância e falta de seriedade que por aí grassa ( o caso do "consultor" da ONU mostra isso); a Constituição, interpretada pelo "loby" da Justiça, é mais um empecilho do que uma Lei Fundamental e o Empresariado português (salvo algumas honrosas excepções e uns novos), continuam a encostar-se ao Estado (vide os Bancos que ainda agora aumentaram o crédito às empresas públicas em prejuízo das privadas). Que fazer então? Não sei e, por isso, estou muito pessimista. Parece-me, no entanto que há dois pontos que, se não forem alterados, não permitirão mudar nada. A Constituição e o Sistema Eleitoral. Acha possível alguém conseguir fazer isso sem que haja uma catástrofe social? Eu não e daí o meu pessimismo.
Um grande abraço»

De Carlos Falcão

«Estimado Senhor,

Para além das justíssimas razões que invoca, permita-me que cite o famoso Ludwig von Mises , traduzindo e adaptando: "O crescimento económico baseado na expansão do crédito, substituindo por meios fiduciários os capitais inexistentes, conduz inevitavelmente a uma depressão, a qual não é mais do que um reajustamento das actividades produtivas à realidade do mercado. O resultado da expansão do crédito é, na melhor das hipóteses, um empobrecimento geral, na pior, o colapso de todo o sistema monetário."
A origem do mal está pois no "privilégio exorbitante" dos donos ocultos do sistema financeiro produzirem moeda a partir de nada, sob a forma de crédito e dívida e, através desse processo fraudulento de aumento da massa monetária, com a cumplicidade de políticos corruptos ou mentecaptos que eles próprios promovem, se apropriarem, comprando com dinheiro falso, a riqueza produzida pela economia real, aniquilando pela inflação toda a poupança, esgotando sem escrúpulos os recursos do planeta e transformando a nobreza do trabalho numa ignóbil escravatura.
Atenciosamente.»
Quatro textos de uma estranha época que vivemos, que nos faz recuar ao tempo das cavalgadas honrosas, em defesa das damas amadas. D. Quixote, um dos cavaleiros,  assim procurou a sua Dulcineia, mas outras mais donzelas desprotegidas o levaram a lutar,  até contra moinhos de vento. Tal é o caso, também, do jovem D. Gil – futuro S. Frei Gil de Santarém - da lenda queirosiana - ao procurar a sua amada Solena, raptada por bandoleiros. Ao chegar ao castelo de Lanhoso, para os lados de Vouzela, à pergunta sobre a identificação do dono do castelo, os defensores responderão, furiosos:  Cá por aqui é honra!”
Defendamos, como esses, a nossa dama, o nosso castelo, a nossa reputação, com igual grito de guerra: “Cá por aqui é honra!”
A Pátria merece-o.

Nenhum comentário: