terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

«As pessoas andam todas escangalhadas»


Foi a minha amiga que se exprimiu assim, a propósito da sensibilidade que a minha filha revelou, no nosso café matinal, aos frequentes arranques não propriamente tússicos de Marcelo Rebelo de Sousa, mas de aclaramento da glote, o que levou a minha amiga, depois da frase transcrita em título, a acrescentar: “Só falta dizer que lhe deu a tosse”. A minha filha lembrou então a rábula do Solnado, “Ida ao médico”, dos seus tempos de infância, em que o dito médico, depois de mandar o doente tossir três vezes, concluía drasticamente: “O que o senhor tem é tosse!”.
Ainda nos rimos com essas recordações dos tempos amenos, mas na realidade, a conversa surgira após a referência ao sono que dera na minha filha quando estava a ouvir o “Eixo do Mal”, que há muito eu me recuso a ouvir, incomodada com a gargalhada fácil no programa, apesar da participação  de envergadura cultural de Clara Ferreira Alves, e até mesmo a “Quadratura do Círculo”, em que os intervenientes se esforçam por interpretar com maior ou menor subjectividade, sob aparências de rigor intelectual, os desvarios da governação, cada um segundo a sua filiação partidária ou a sua cultura copiosa, caso de José Pacheco Pereira, definitivamente avesso ao partido do governo, aparentemente o seu, mas que ultimamente enveredou por aqueles donde partiu, em tempos de juventude - maoísmo, comunismo, leninismo, ou mesmo soarismo, segundo dados que colho na Internet - tal a cólera que ele expande contra aqueles que se vão esforçando por reerguer a bandeira, que para ele talvez não passe de sintoma inferior de um baixo romantismo a extinguir.
Daí a minha referência a Marcelo Rebelo de Sousa, merecedor da minha admiração pela pronta reflexão certeira e reveladora de um certo optimismo consolador, daí a referência pela minha filha à sua mazela de obstrução da voz, sobretudo incómoda para ele, e a frase conclusiva da minha amiga: «As pessoas andam todas escangalhadas».
Complementei, em concordância, com a notícia recente sobre três mortes por hora de cancro, em Portugal, acrescentadas das outras milhares anuais provocadas por outras doenças ou acidentes, o que a levou a considerar exaltadamente que, com tanta morte e sem nascimentos que prestem, qualquer dia somos riscados do mapa.
A minha filha, olhando para os pesados dossiers com que anda sempre sobrecarregada, ponderou que, enquanto houvesse dossiers com trabalhos dos alunos e com estudos vivificantes, que com tanto entusiasmo acompanha em Lisboa, juntamente com colegas de grupo, se sentia bem viva e disposta a continuar a fazer parte.
A minha amiga apontou factos diversos do nosso estar no mundo diário, acabadinhos de ouvir nos noticiários matutinos:
- O Seguro está a ser abandonado. Filmaram uma assembleia dos socialistas, de muitas cadeiras vazias. Há por lá um problema. Mas este Costa! Está tudo desconjuntado. Aquela figura do Costa! Ninguém esperava uma destas!
Concordámos, a minha filha e eu, que realmente a atitude do Costa fora do menos ético, fazer-se candidato ao cargo de presidente do partido, e desistir, a pretexto de que prefere o seu trabalho de presidente da Câmara de Lisboa, depois de se fazer “ao bife” do partido?! E o Seguro com cada vez mais opositores no partido, continuando a debitar os mesmos argumentos  sem consistência, reveladores de um humanitarismo de sofisma, ao ocultar responsabilidades de anteriores governações socialistas, e não só…
- O Passos Coelho faz um erro por dia! – empolou a minha amiga. Agora foi a eleição do Franquelim Alves para secretário de estado do empreendedorismo, um fulano acusado de ter tido conhecimento dos desvios escandalosos no BPN, quando ali fora gestor e ocultou os factos. O Franquelinzinho tem que vir explicar.
 Mas eu ouvira o ministro da Economia assumir a sua responsabilidade na eleição e até falar de baixa política da oposição, afirmando que confiava na competência do dito.
- Então acredita? - troçou.
E acrescentou sobre a brutal afirmação do presidente do BPI – Fernando Ulrich – falando de nós, povo da canga:  Aguentam, que os sem abrigo também”:
- A gente pensa: Ou o homem está doido, ou está a fingir! É que ele veio repetir a frase! Deviam pô-lo uma noite de camisa e calções junto dos sem abrigo.
A minha filha, que um dia por semana vai com o marido distribuir alimentos e roupas por aqueles, também se indignou com a bacorada:
- Uma noite?! Uma semana! Que miserável! A sequência lógica do disparate!
- E porque não, pô-lo apenas a distribuir a sua fortuna por esses?, sou eu que proponho, crente na sua virtude de adepto da igualdade e da fraternidade, e justificando, assim, com bondade, a sua saída, de futuro frade mendicante, de pé descalço, e sem gravata, coitado.
- A gente pensa que está num país de doidos! – concluiu a minha amiga sem se comover. Mas logo corrigiu, mais optimista: - Num país de burros!
A minha amiga está completamente estraçalhada, pois nem acredita já em virtude de nenhuma espécie.

 

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