Foi a minha amiga que se exprimiu assim, a propósito da
sensibilidade que a minha filha revelou, no nosso café matinal, aos frequentes arranques
não propriamente tússicos de Marcelo Rebelo de Sousa, mas de aclaramento da
glote, o que levou a minha amiga, depois da frase transcrita em título, a
acrescentar: “Só falta dizer que lhe deu a tosse”. A minha filha lembrou
então a rábula do Solnado, “Ida ao médico”, dos seus tempos de infância,
em que o dito médico, depois de mandar o doente tossir três vezes, concluía
drasticamente: “O que o senhor tem é tosse!”.
Ainda nos rimos com essas recordações dos tempos amenos,
mas na realidade, a conversa surgira após a referência ao sono que dera na
minha filha quando estava a ouvir o “Eixo do Mal”, que há muito eu me
recuso a ouvir, incomodada com a gargalhada fácil no programa, apesar da
participação de envergadura cultural de
Clara Ferreira Alves, e até mesmo a “Quadratura do Círculo”, em que os
intervenientes se esforçam por interpretar com maior ou menor subjectividade,
sob aparências de rigor intelectual, os desvarios da governação, cada um
segundo a sua filiação partidária ou a sua cultura copiosa, caso de José
Pacheco Pereira, definitivamente avesso ao partido do governo, aparentemente o
seu, mas que ultimamente enveredou por aqueles donde partiu, em tempos de
juventude - maoísmo, comunismo, leninismo, ou mesmo soarismo, segundo dados que
colho na Internet - tal a cólera que ele expande contra aqueles que se vão
esforçando por reerguer a bandeira, que para ele talvez não passe de sintoma inferior
de um baixo romantismo a extinguir.
Daí a minha referência a Marcelo Rebelo de Sousa, merecedor
da minha admiração pela pronta reflexão certeira e reveladora de um certo
optimismo consolador, daí a referência pela minha filha à sua mazela de
obstrução da voz, sobretudo incómoda para ele, e a frase conclusiva da minha
amiga: «As pessoas andam todas escangalhadas».
Complementei, em concordância, com a notícia recente sobre
três mortes por hora de cancro, em Portugal, acrescentadas das outras milhares
anuais provocadas por outras doenças ou acidentes, o que a levou a considerar
exaltadamente que, com tanta morte e sem nascimentos que prestem, qualquer dia
somos riscados do mapa.
A minha filha, olhando para os pesados dossiers com que
anda sempre sobrecarregada, ponderou que, enquanto houvesse dossiers com
trabalhos dos alunos e com estudos vivificantes, que com tanto entusiasmo
acompanha em Lisboa, juntamente com colegas de grupo, se sentia bem viva e
disposta a continuar a fazer parte.
A minha amiga apontou factos diversos do nosso estar no mundo
diário, acabadinhos de ouvir nos noticiários matutinos:
- O Seguro está a ser abandonado. Filmaram uma
assembleia dos socialistas, de muitas cadeiras vazias. Há por lá um problema.
Mas este Costa! Está tudo desconjuntado. Aquela figura do Costa! Ninguém
esperava uma destas!
Concordámos, a minha filha e eu, que realmente a atitude do
Costa fora do menos ético, fazer-se candidato ao cargo de presidente do
partido, e desistir, a pretexto de que prefere o seu trabalho de presidente da
Câmara de Lisboa, depois de se fazer “ao bife” do partido?! E o Seguro com cada
vez mais opositores no partido, continuando a debitar os mesmos argumentos sem consistência, reveladores de um
humanitarismo de sofisma, ao ocultar responsabilidades de anteriores
governações socialistas, e não só…
- O Passos Coelho faz um erro por dia! – empolou a
minha amiga. Agora foi a eleição do Franquelim Alves para secretário de
estado do empreendedorismo, um fulano acusado de ter tido conhecimento dos
desvios escandalosos no BPN, quando ali fora gestor e ocultou os factos. O Franquelinzinho
tem que vir explicar.
Mas eu ouvira o
ministro da Economia assumir a sua responsabilidade na eleição e até falar de
baixa política da oposição, afirmando que confiava na competência do dito.
- Então acredita? - troçou.
E acrescentou sobre a brutal afirmação do presidente do BPI
– Fernando Ulrich – falando de nós, povo da canga: “Aguentam, que os sem abrigo também”:
- A gente pensa: Ou o homem está doido, ou está a
fingir! É que ele veio repetir a frase! Deviam pô-lo uma noite de camisa e
calções junto dos sem abrigo.
A minha filha, que um dia por semana vai com o marido distribuir
alimentos e roupas por aqueles, também se indignou com a bacorada:
- Uma noite?! Uma semana! Que miserável! A sequência
lógica do disparate!
- E porque não, pô-lo apenas a distribuir a sua fortuna
por esses?, sou eu que proponho, crente na sua virtude de adepto da
igualdade e da fraternidade, e justificando, assim, com bondade, a sua saída,
de futuro frade mendicante, de pé descalço, e sem gravata, coitado.
- A gente pensa que está num país de doidos! –
concluiu a minha amiga sem se comover. Mas logo corrigiu, mais optimista: -
Num país de burros!
A minha amiga está completamente estraçalhada, pois nem
acredita já em virtude de nenhuma espécie.
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