Este ano
a minha filha Paula frequentou um curso em Lisboa subordinado ao tema "Literatura-Mundo” como “Fundamentos
e Práticas de Leitura". Gostou das aulas, apreciou as competências das professoras
orientadoras, sentiu como um banho inovador complementando rotinas de ensino, ao
aplicar nas suas aulas os princípios adquiridos, buscando bastos elementos
enriquecedores que melhor esclarecessem o sentido e dilatassem os campos de
entendimento dos seus alunos. A música, a pintura, a escultura, a literatura
serviram de apoio aos seus propósitos, e o relatório final é revelador desse
empenhamento.
Foi
sobre o tema do Amor intenso, contrariado pelos agentes do fatum e deixando um
rasto de sofrimento e vítimas à sua passagem, como é seu apanágio, já o dissera
Camões – “Se dizem, fero Amor, que a sede tua / Nem com lágrimas tristes se mitiga, / É porque queres, áspero e tirano,/ Tuas aras banhar em sangue humano.” – que versou o seu trabalho,
aplicado ao estudo do “Frei Luís de Sousa” e antecipando outros a fazer
neste ano – “Os Maias” – servindo, simultaneamente de revisão de outros
textos já estudados antes, e complementando com outros de escritores actuais.
Um trabalho bem organizado, que guardo no meu
blog com tanto gosto, como exemplo de empenhamento.
«Relatório»
“Tout y parlerait
À l'âme en secret
Sa douce langue natale.
À l'âme en secret
Sa douce langue natale.
(Baudelaire, “l’Invitation au Voyage”)
«INTRODUÇÃO
«A ideia nasce luminosa e prazenteira, na figura de
mulheres e mães que vivem literariamente, mas acaba por se apagar, dissolvida
nos caminhos da frágil interpretação e expressão da tragédia vivida pelas
personagens de Frei Luís de Sousa, de Almeida Garrett.
A mudança de rumo impõe-se. As dificuldades
mostradas pelos alunos na apresentação oral e escrita dos aspetos trágicos da
obra em causa, a sua incapacidade de distanciamento das histórias de ficção e
de criação de uma linguagem pessoal que as reflita mais adequada e madura, as
escassas leituras e pouco estudo agravando o quadro, apontam essa necessidade
de um novo caminho.
Viajar, como diz Torga, é isso mesmo: “num sentido
profundo é morrer. É deixar de ser o manjerico à janela do seu quarto e
desfazer-se em espanto…”
Pretendi, assim, com este trabalho, encontrar uma
constelação de textos que lhes fosse acessível e iluminasse a estrada que têm
de percorrer, que os envolvesse e lhes desse alguma perspetiva de outros
sentidos (contornando a pouca literatura que afinal ficam a conhecer com estes
nossos programas atuais) e, finalmente, os sensibilizasse para uma leitura /
interpretação menos ingénua da palavra escrita.
Partiu-se, então, para o tema do amor impossível,
das relações amorosas contrariadas, com o que comportam de sofrimento nos que
os experimentam na e pela literatura, exemplificado, no contexto da acção do
drama “Frei Luís de Sousa”, sobretudo com o papel de Madalena, como mulher amante
do segundo marido, como mulher amedrontada pela incerteza da morte do primeiro,
pelo receio de doença da filha e, consequência do segundo parâmetro, receio
pela ilegitimidade desta, certeza que recairá apenas sobre Manuel de Sousa
Coutinho.
DESENVOLVIMENTO
Com a aplicação de teste sumativo em janeiro, e a
constatação da fraca capacidade dos alunos em entender realmente o universo da
antiga tragédia (mesmo após a leitura e análise da Memória ao Conservatório
Real e dos dois primeiros atos do Frei Luís de Sousa, antecedida de uma
reflexão sobre a história de Édipo, que servira de exemplo para as
características (formais e semânticas) presentes neste género literário,
resolvi inverter a orientação do trabalho nas aulas.
Tratando-se de alunos da área das artes; considerei
a possibilidade de misturar outras linguagens e assistimos, então, aos últimos
30 minutos do filme de João Botelho “Quem és tu?”. Com o apoio dos textos do
manual foi analisado o último ato da obra, a catástrofe (evolução e destino das
personagens, conceito de amor e imposição das regras de moral sociais, os tipos
de morte e o valor do sacrifício de Maria, vítima incontornável. A propósito
desta última ideia, (não compreendida imediatamente pelos alunos) relacionada
com a presença da cruz, elemento que avulta no cenário do filme, procedeu-se à
audição do 1º andamento do Stabat Mater de Rheinberger, com a análise do poema
correspondente (em tradução portuguesa) e de um quadro representando o Cristo
crucificado e Maria, a mater dolorosa, aos pés da cruz. Aproveitei para os
inquirir sobre a Pietà de Miguel Ângelo, que observámos também, articulando com
os seus conhecimentos de História da Cultura e das Artes e estabelecendo as
diferenças entre a atitude e expressão da mãe nas duas imagens (perceberam, aí
sim, o verdadeiro valor simbólico de Maria – vítima? cordeiro?), no Frei Luís
de Sousa, estabelecendo as associações e linhas de sentido em falta. …. Ainda a
propósito do amor e morte recitei rapidamente o poema de Camões estudado no ano
anterior “Alma minha gentil” do qual foi recordado o sentido global.
Ninguém, nesta turma sui generis, soube ou se
lembrou de uma história de amor trágico bem portuguesa, que permanece na nossa
memória coletiva. Distribuí o poema de Miguel Torga, “Antes do fim do mundo,
despertar, sem D. Pedro sentir (…)”, em que a voz de Inês parece confundir-se,
nas suas recomendações, com a do sujeito poético. Serviu este apenas, numa
primeira fase, para pouco mais do que a identificação da história de amor
pretendida.
Passámos, em seguida, à leitura de três textos
relacionados com o mito de Inês de Castro, “Trovas à morte de Inês de Castro”
de Garcia de Resende, a fala de Inês ao Rei, na tragédia “Castro” de António
Ferreira e a mesma fala n’ “Os Lusíadas”. Embalaram-se ao som da primeira,
rejeitaram a segunda pela sua linguagem difícil e recordaram com agrado e
propriedade a terceira, refletindo sobre o peso da argumentação utilizada, mais
uma vez considerando a oposição entre a lei do Estado e a lei do Amor, e o
papel destrutivo desta última entidade face às condicionantes da razão ou dos
interesses humanos.
Retomando o poema de Torga, puderam encontrar desta
vez um sentido mais positivo para esta força da morte que, em vez de tudo
relegar ao esquecimento, eleva as figuras à condição de mitos, canta-as na
poesia e na literatura em geral. Voltámos à Proposição d’ “Os Lusíadas” e ao
final do Canto V, concluindo que é este o papel da Literatura – dar voz – sendo
o nosso de leitores, ouvi-la.
Dando por terminada a primeira parte deste trabalho,
em jeito de intervalo, na nossa conversa sobre como a perda e a ausência
dominam e podem revelar-se tão frutíferas, aproveitei para passar rapidamente
duas cantigas de amigo (“Como vivo coitada, madre, por meu amigo” e “Mal me
tragedes, ai filha”), explicando o contexto da sua produção – ausência do
amigo, no primeiro caso, necessidades amorosas de uma mãe ainda viçosa e
oposição da filha convencional. Também eu já sentia saudade de ler com os
alunos estas produções retiradas do programa. Foi interessante a sua reação, estupefacta
e moralista, perante o segundo poema.
Para a terceira aula, constituí um conjunto de
textos românticos- “Outras histórias, outros amores, outras memórias” formado
pelo poema “Cascais”, de Garrett, excertos da “Carta de Carlos a Joaninha”, e
uma “Carta Teresa a Simão”, do “Amor de Perdição”. Aproveitámos ainda a leitura
desta última obra, feita por uma aluna, no âmbito do contrato de leitura, que,
a traços largos, a apresentou aos colegas.
O poema foi analisado com mais pormenor e as cartas
apenas lidas, no sentido de salientar as diferentes manifestações do sofrimento
que nelas perpassa.
Todo este trabalho desagua no estudo da obra “Os
Maias” através da delimitação dos planos da ação, da análise do adultério (na
crónica de costumes e na intriga secundária) e dos aspetos trágicos da história
de Carlos, Maria Eduarda e de seus pais.
Os temas de trabalhos escritos propostos pelos
alunos prenderam-se novamente com aspetos trágicos, no “Frei Luís de Sousa”, a
partir de uma fala de cada um dos elementos da família, Madalena, Manuel e
Maria: em jeito de dissertação foi pedido um comentário global às manifestações
de impossibilidade de concretização do amor, criando um clima de tragédia na
obra. Escreveram ainda um texto argumentativo sobre a forma como podemos tecer
a nossa realização no amor, tendo como sugestão uma frase de Miguel Torga: “O
destino destina, mas o resto é comigo”.
CONCLUSÃO
Chegámos ao fim da nossa passagem por esta Oficina. “Literatura
Mundo” é um nome amplo que sugere abertura e luz para novos caminhos, daí o
nosso desejo de que a sua marca fique impressa em nós para o futuro, como “um
terraço sobre outra coisa ainda”.
Contribuiu, seguramente, para melhorar as nossas
práticas, indicando pistas e levantando possibilidades. Constituiu-se como um
banho de cultura de que nos vamos afastando na nossa corrida quotidiana e
ajustamento às necessidades dos contextos em que operamos, mostrando-nos que é
possível fazer mais e melhor, mesmo nesses contextos.
Deu, sobretudo, um grande prazer, obrigando-nos a
estabelecer relações e a sair do espaço de conforto em que por vezes nos
deixamos cair.
Com avanços e recuos (tal como em tudo, afinal),
possamos continuar, vencendo medos e lendo sempre, a procurar novos sentidos
para as estrelas de novas constelações.
“Que Amor não quer cordeiros nem bezerros…”,
quer-nos, afinal, inteiros.»
Um comentário:
Νot a problem, Frank glad you are enjoying all of them!
Review my web blog Green Smoke Electronic Cigarette Review
Postar um comentário