Já António José Saraiva na sua “História
da Cultura em Portugal” (1º Volume, 1950) informava, em “Explicação
ao Leitor”:
«A cultura de um povo abrange certo
número de aspectos diferentes mas entretecidos e inseparáveis….. Nas sociedades
primitivas o veículo principal da cultura é o canto e a recitação. Mas ainda
neste caso mais simples, é preciso que haja pelo menos uma classe de indivíduos
especializados na arte da recitação, do canto e da invenção do verso, e um
público que a possa sustentar. Em sociedades mais evoluídas o grande
instrumento da cultura é o livro impresso ou manuscrito. E o livro supõe não só
um público que aprendeu a ler, mas também um processo eficaz e económico de
reprodução, de multiplicação de exemplares.”»
No Capítulo I – “Características
Gerais” – a respeito do 1º período da história da cultura portuguesa
(formação da monarquia (séc. XII) até “às origens da revolução
política-social” com o desfecho na crise de 1383 e eleição do Mestre de
Avis, considera:
«Caracteriza-o fundamentalmente a
ausência de um centro de gravidade nacional. Antes do séc. XV Portugal não
constitui um núcleo de cultura: apenas recebe o reflexo da cultura europeia e
em especial da cultura castelhana…»
«Um grande conhecedor da literatura
medieval, estrangeiro, mas nacionalizado português, formulou sentença: «E
realmente na Idade Média Portuguesa a penúria de obras literárias e científicas
produzidas por portugueses é estupenda. Nos documentos em prosa ostenta-se um
latim extremamente bárbaro, ou de 1192 em diante, um português alatinado, de
ortografia caótica, de sintaxe horrivelmente desconjuntada, e vocábulos de
feitio híbrido que querendo passar por latim são romanço. Só de 1255 para cá um
vernáculo muito hesitante e irregular. (C. Michaelis Vasconcelos, “Cancioneiro
da Ajuda”, p. 632).»
As condições sociais da cultura, num
país em formação, em lutas para conquista do território, e de sujeição a Roma
para conquistar o apoio de um Papado ávido de lucro, não eram de molde a
capitalizar grandes espíritos. Pertencia ao clero a detenção da cultura e mesmo
essa manquejando, a nobreza e o povo entregue às artes próprias, de conquista
ou labuta.
«Entretanto em Portugal, pelo que
sabemos através do recheio das livrarias monásticas, pelos escritos elaborados
nos conventos e pelas leituras conhecidas dos leigos, continuam a dominar,
salvas as excepções, os padres da Igreja e os compiladores do fim da
Antiguidade. Isto coincide com o predomínio dos conventos, em especial o de
Alcobaça, na elaboração cultural durante os séculos XIII e XIV, época em que no
resto da Europa ocidental a actividade se tornara secundária.
Por outro lado, só no séc. XIV começa
a redigir-se uma prosa literária portuguesa, ainda muito embaraçada, quando em
França, desde o começo do século anterior a prosa era cultivada com brilho. O
gosto pelo romance cavaleiresco da Távola Redonda persiste quando em França
cede o lugar a formas mais modernas, de carácter sentimental e burguês. A
Universidade de Lisboa aparece também com atraso de vários decénios sobre as
suas mais antigas congéneres europeias.
Este arcaísmo revela-se
inclusivamente na própria letra em que são copiados os códices: a letra visigótica,
substituída desde o século XI em toda a Península pela letra “francesa”
subsiste em Portugal e na Galiza até mais de meado do séc. XII. (Veja Augustin
Millares Carlo, “Paleografia Espanhola”, Iª ed,. Labor, p. 207-208).»
Tratam, pois, as transcrições acima,
de justificar mazelas culturais aflitivas de um povo que já na sua infância
pecava por um desleixo em relação à cultura, que nem as várias tentativas
monárquicas de eventualmente a promover, conseguiram livrar da crosta feroz da
incultura, os próprios monarcas, de resto, mais interessados em promover a
glória pessoal com a construção de monumentos aquando dos feitos marítimos ou
outros, do que em favorecerem o desenvolvimento cultural do povo, apesar das
reformas eventualmente consertadas ao longo da história por governantes mais
lúcidos.
E chegámos aos austeros dias de hoje,
os de ontem, perdulários, preenchidos no uso de dinheiros de empréstimo para
criar estruturas de vária ordem, tendentes a libertar o país do tal
encardimento que gostamos de atribuir ao espírito mesquinho de Salazar, e que
se prova mergulhar em condicionalismos muito mais recuados no tempo.
No artigo de 12/1, saído no Público
–“O que fazer agora?”, expõe Vasco Pulido Valente:
«O ano de 2014 com a presumível
despedida da troika e a morte de Eusébio levantou por aí uma angústia
patriótica sobre a verdadeira natureza dos portugueses. Até ao “25 de Novembro”
de 1974, a explicação para os nossos fracassos foi cristalina: os portugueses
eram óptimos, só o regime político era mau. Durante quase meio século, a
esquerda (“vintista”, “setembrista”) berrou que o poder estava nas mãos de um
grupo de privilegiados que pervertiam o povo e o exploravam. e a direita
respondia que o radicalismo criara uma “comuna” terrorista em Lisboa (1836-37) e,
se o deixassem, “anarquizaria” Portugal. E, naturalmente, a esquerda via a
“democratização” do país como o remédio infalível para os males da Pátria.
Enquanto a direita preferia a contenção e o aniquilamento definitivo da
esquerda.
Até 1851, houve três guerras civis
entre as facções. Mas nessa altura, o Acto Adicional à Carta adoçou o
radicalismo, sem prejudicar excessivamente a conservação. Se não rodaram no
governo com a pontualidade do mito, os novos partidos chegaram a um
entendimento, que deixava prudentemente de fora o povo e o exército. As velhas
querelas acabaram por se transformar numa paixão comum pelo que se chamava à
época “melhoramentos materiais”: estradas, pontes, portos e o inevitável
caminho-de-ferro. Isto tudo foi feito com dinheiro da Inglaterra e em parte da
França. E a Inglaterra continuou também a pagar um corpo de funcionários
públicos, que nunca desde aí parou de crescer. Mas nem os “melhoramentos
materiais” nos valeram de nada. Quem ler a literatura e o jornalismo do séc.
XIX encontrará a miséria dos portugueses a cada página.
Por volta de 1890, reapareceu a ideia
de que os políticos (fundamentalmente os membros do Parlamento) “comiam” (o
termo é coevo) em seu próprio proveito. O Partido Republicano juntou a
igualdade a estas queixas, como se a igualdade, varrendo os “ricos”, produzisse
por si mesma riqueza. Sabemos que não produziu. E, no desespero, a República
desenterrou a velha panaceia da “alfabetização”, hoje conhecida por “educação” –
o que não trouxe ao país qualquer espécie de alívio. Nisto veio Salazar com o
seu ódio à indisciplina e à balbúrdia. Liquidou os políticos, introduziu alguma
ordem entre os “ricos”, mas principalmente calou a boca ao país. Neste ano de
2014, a farmácia fechou: temos democracia, temos “melhoramentos materiais”,
temos mesmo um pouco de “educação”. Sobrou a pobreza, a dívida e o défice. O
que fazer agora?»
“Continuemos”, dirá Salles da
Fonseca, no trilho que seguiu de pugnar por velhos princípios de ética
nacionalista, com a mesma liberdade e firmeza com que o fizera antes, como tantos
outros, em eloquência ou mutismo.
O primeiro passo é sair do pesadelo
da troika. O segundo passo é entrar nos eixos - do trabalho, como o fazem os
que emprestaram o dinheiro, do estudo, do equilíbrio, da sensatez, da
solidariedade social, da produtividade, da junção de esforços para o bem comum e
não da reivindicação exclusiva do bem próprio, da substituição dos malabarismos impertinentes da crítica exclusiva
aos do Governo pelo reconhecimento dos males que causamos com os extremismos das
nossas manipulações sem autocrítica…
Apesar de tantas misérias, creio que
o povo português mostrou uma vez mais a sua fibra corajosa que se manifestou em
tantos passos da História portuguesa. Continuemos, pois.
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