segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

Também os há de magia



Esta é uma história de expedientes,
Ou seja, de truques de duas mentes
Que La Fontaine retirou de Esopo
E de outros investigadores de topo
Dos tempos de antigamente,
Em que os animais falavam
E se comportavam
Tão bem ou tão mal como a gente,
O que prova que eram tão evoluídos
Como nós, que até somos instruídos.

Chama-se “O Gato e a Raposa” e eu não sei
Se de facto mais vale um só truque dos bem engendrados
Do que muitos truques menos bem alinhavados
Com que pessoas de mentes inteligentes
Se vão safando nas suas vidas diligentes.

«O Gato e a Raposa, santos de fantasia,
Iam em peregrinação.
Eram dois Tartufos de falsa devoção,
Dois arquipatelins, pois, de lisonja e hipocrisia,
Como o Maître Pathelin da farsa medieval
Manhoso como poucos, mas que até acabou mal,
Dois “Patas-Peludas” que comparticipavam
Nas despesas da viagem,
Um, aves da capoeira abocanhando,
Outro, muito queijo surripiando,
E assim reciprocamente se indemnizando
Em camaradagem.
O caminho era longo e maçador,
Para o abreviarem, disputavam.
A discussão é de grande importância
Para evitar que o sono nos vença.
Os nossos Peregrinos se esganiçavam
Com toda a força.
Tendo assim discutido, falaram do próximo,
Que é sempre um maravilhoso instrumento
De entretenimento.
A Raposa, sem mais recato,
Disse ao Gato:
“Tu, que pretendes ser hábil,
Serás tão capaz como eu?
Na minha sacola cem ardis eu tenho
Cada qual melhor.”
“Não, disse o outro, tenho apenas um,
Mas garanto-te que vale por mil.”
Uma matilha apaziguou a discórdia.
O Gato disse à Raposa:
“Procura no teu saco, amiga,
Na tua cabeça habilidosa,
Estratégia valiosa.
Eu tenho a minha.”
A estas palavras, sobe a uma árvore,
Trepa rapidamente.
A outra deu cem voltas inutilmente,
Entrou em cem covis,
Cem vezes fez falhar
Os compadres de Brifaut, chefe da matilha.
Por toda a parte asilo procurou
Sem sucesso.
O fumo providenciou,
Os cães basset farejaram.
Ao sair duma cova,
Dois cães de patas ágeis
De um salto a estrangularam.

Os muitos expedientes podem
Um negócio liquidar.
Perde-se tempo em pesquisar,
Em tentar, em projectar.
Basta um só expediente
Mas que seja eficiente.»

Não, não é tão óbvia a razão
Que promove um só expediente
Em vez da sua multiplicação
Para nossa mistificação,
Como acontece igualmente
Com os truques de magia
Que nos deixam, todavia,
Sem respiração,
Tão grande é a ilusão.
Mas os mais extraordinários
Não são os mistificatórios.
São os que se praticam na arte, no desporto,
Os que resultam do esforço, da dedicação,
Bem à vista de toda a gente.
Merecem a nossa homenagem.
Eram os truques que Eusébio fazia
No tempo em que vivia,
Pantera Negra de salto felino,
De corrida ágil, de domínio da bola,
De ampla passada,
De dedicação, de amor à sua camisola
De grande Senhor…
Sem truques na manga, mas sim nos pés,
Figura de herói cortês
Na sua eterna glória de “Era uma vez”…


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