domingo, 12 de janeiro de 2014

Et pourquoi pas?


Gostaria de fazer minhas as palavras de José Pacheco Pereira, no seu blog Abrupto. É o texto de um filósofo para quem os meandros da cena social, psicológica e histórica não têm segredo, nem a excelsa forma de os traduzir. Assim, a “histeria colectiva”, a “dor encenada”, a “ilusão dos nossos excessos”, etc., são designações impecáveis e inapagáveis, marcas da nossa necessidade de reconhecimento exterior, resultante de um complexo de inferioridade inultrapassável em relação a esse exterior.

Mas a comoção foi sentida, no exagero da nossa paragem no tempo e no espaço, que não deu lugar a outras informações noticiarísticas, a não ser as centradas nas notícias estrangeiras em redor do nosso Eusébio.

Eu também fui das que o chorou e que não se importa de que o coloquem no “Panteão”, que distingue heróis segundo a sua dimensão cultural e humana. E se Eusébio foi herói nos seus tempos áureos de jogador, foi-o também nas mágoas de uma simplicidade e inocência que para sempre o marcaram, salvo a tempo do esquecimento pelo empenhamento dos seus amigos.

As personagens que figuram no Panteão Nacional puderam impor-se por uma característica de maior ou menor relevância para nós, na subjectividade dos critérios. Lá fora não são conhecidas. Amália e Eusébio, se o são cá dentro, ganharam, sobretudo, dimensão universal – uma pela sua voz, que para sempre soará perfeita, outro pelo seu corpo flexível de “Pantera Negra”, que a fotografia imortalizou, nos seus jogos  de destreza e arte.

Quanto ao “retrato preocupante” do país, outros motivos há que podem causar preocupação. Afinal, somos um povo humilde, como Eusébio foi, e simpático, e daí não vem grande mal. Só para nós. Mas a arrogância da superioridade, embora eficaz para os povos que a praticam, magoa tanto! Nunca mudaremos. É do nosso sol de preguiça.

Um mito, Eusébio, - mais um - “nada que é tudo”, porque nos justifica, como pátria de heróis passados. Amemos Eusébio.

 

O artigo de José Pacheco Pereira:

 

«Este número da Sábado é dedicado a Eusébio e muitas outras iniciativas por estes dias homenageiam a figura do jogador. Direi apenas que o louvor e a memória são mais que justificáveis por um homem que foi um grande jogador de futebol, que soube, pela combinação da sua capacidade como jogador e pelo seu “trato”, tornar-se um herói popular dos anos sessenta para a frente. Todas as dificuldades lhe foram postas à frente, do racismo à pequenez nacional que o transformou numa espécie de fetiche de um clube que o passeava como a águia Vitória. Mas o homem era bom, tinha uma memória muito viva do que era a miséria de onde tinha vindo, gostava de companhia e como aqueles velhos boxeurs dos filmes americanos, dava-se bem no ambiente dos ringues, onde antes fora o primeiro combatente e agora estava lá sentado num banco a ver.

 

Havia uma tristeza em tudo aquilo, mas admito que seja nos nossos olhos e não nos dele. Estamos para Eusébio como os argentinos estavam para Maradona, e não é por acaso que escolhi Maradona e não outro jogador argentino menos controverso e mais “limpo”. É que em ambos, há essa fragilidade humana que os torna ainda mais “nossos” por boas e más razões. Que tenha boa memória e terra leve.

 

EUSÉBIO E A ILUSÃO DOS NOSSOS EXCESSOS (2)

 

Mas uma coisa é homenagear Eusébio, outra essa histeria colectiva patrocinada pelos órgãos de comunicação social, que durante vários dias reduz o mundo todo a uma espécie de comoção nacional generalizada, dramatizada até aos limites, envolvendo tudo e todos num happening de dor encenada, porque a real passa-se sempre fora dos ecrãs. Há algo de pouco sadio em todos estes excessos, algo do mal português que facilmente se identifica como a consciência envergonhada da fraqueza transformada em vanglória. Há uma mistura de nacionalismo, de vontade que os outros nos respeitem, apesar de não nos respeitarem, uma vontade de ser alguma coisa no mundo, que efectivamente não somos, e que nunca seremos se nos ficarmos apenas pelas “glórias” do futebol, seja Eusébio, seja Cristiano Ronaldo. 

 

Houve quem propusesse que Eusébio fosse enterrado no Panteão, ao lado das glórias da pátria. Da maneira que as coisas estão, é-me bastante indiferente. Mas com este tipo de critérios, nascido da histeria destes dias e da nossa confusão colectiva, a prazo iremos ter o Panteão só com jogadores de futebol, e isso sim é um retrato do país muito preocupante, mas se calhar realista.

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