Gostaria de fazer minhas as palavras de
José Pacheco Pereira, no seu blog Abrupto. É o texto de um filósofo para
quem os meandros da cena social, psicológica e histórica não têm segredo, nem a
excelsa forma de os traduzir. Assim, a “histeria colectiva”, a “dor
encenada”, a “ilusão dos nossos excessos”, etc., são designações
impecáveis e inapagáveis, marcas da nossa necessidade de reconhecimento
exterior, resultante de um complexo de inferioridade inultrapassável em relação
a esse exterior.
Mas
a comoção foi sentida, no exagero da nossa paragem no tempo e no espaço, que
não deu lugar a outras informações noticiarísticas, a não ser as centradas nas
notícias estrangeiras em redor do nosso Eusébio.
Eu
também fui das que o chorou e que não se importa de que o coloquem no “Panteão”,
que distingue heróis segundo a sua dimensão cultural e humana. E se Eusébio foi
herói nos seus tempos áureos de jogador, foi-o também nas mágoas de uma
simplicidade e inocência que para sempre o marcaram, salvo a tempo do
esquecimento pelo empenhamento dos seus amigos.
As
personagens que figuram no Panteão Nacional puderam impor-se por uma característica
de maior ou menor relevância para nós, na subjectividade dos critérios. Lá fora
não são conhecidas. Amália e Eusébio, se o são cá dentro, ganharam, sobretudo,
dimensão universal – uma pela sua voz, que para sempre soará perfeita, outro
pelo seu corpo flexível de “Pantera Negra”, que a fotografia imortalizou, nos
seus jogos de destreza e arte.
Quanto
ao “retrato preocupante” do país, outros motivos há que podem causar
preocupação. Afinal, somos um povo humilde, como Eusébio foi, e simpático, e
daí não vem grande mal. Só para nós. Mas a arrogância da superioridade, embora
eficaz para os povos que a praticam, magoa tanto! Nunca mudaremos. É do nosso
sol de preguiça.
Um
mito, Eusébio, - mais um - “nada que é tudo”, porque nos justifica, como
pátria de heróis passados. Amemos Eusébio.
O
artigo de José Pacheco Pereira:
«Este
número da Sábado é dedicado a Eusébio e muitas outras iniciativas por
estes dias homenageiam a figura do jogador. Direi apenas que o louvor e a
memória são mais que justificáveis por um homem que foi um grande jogador de
futebol, que soube, pela combinação da sua capacidade como jogador e pelo seu
“trato”, tornar-se um herói popular dos anos sessenta para a frente. Todas as
dificuldades lhe foram postas à frente, do racismo à pequenez nacional que o
transformou numa espécie de fetiche de um clube que o passeava como a águia
Vitória. Mas o homem era bom, tinha uma memória muito viva do que era a miséria
de onde tinha vindo, gostava de companhia e como aqueles velhos boxeurs dos
filmes americanos, dava-se bem no ambiente dos ringues, onde antes fora o
primeiro combatente e agora estava lá sentado num banco a ver.
Havia
uma tristeza em tudo aquilo, mas admito que seja nos nossos olhos e não nos
dele. Estamos para Eusébio como os argentinos estavam para Maradona, e não é
por acaso que escolhi Maradona e não outro jogador argentino menos controverso
e mais “limpo”. É que em ambos, há essa fragilidade humana que os torna ainda
mais “nossos” por boas e más razões. Que tenha boa memória e terra leve.
EUSÉBIO E A ILUSÃO DOS NOSSOS
EXCESSOS (2)
Mas
uma coisa é homenagear Eusébio, outra essa histeria colectiva patrocinada pelos
órgãos de comunicação social, que durante vários dias reduz o mundo todo a uma
espécie de comoção nacional generalizada, dramatizada até aos limites,
envolvendo tudo e todos num happening de dor encenada, porque a real passa-se
sempre fora dos ecrãs. Há algo de pouco sadio em todos estes excessos, algo do
mal português que facilmente se identifica como a consciência envergonhada da
fraqueza transformada em vanglória. Há uma mistura de nacionalismo, de vontade que
os outros nos respeitem, apesar de não nos respeitarem, uma vontade de ser
alguma coisa no mundo, que efectivamente não somos, e que nunca seremos se nos
ficarmos apenas pelas “glórias” do futebol, seja Eusébio, seja Cristiano
Ronaldo.
Houve
quem propusesse que Eusébio fosse enterrado no Panteão, ao lado das glórias da
pátria. Da maneira que as coisas estão, é-me bastante indiferente. Mas com este
tipo de critérios, nascido da histeria destes dias e da nossa confusão
colectiva, a prazo iremos ter o Panteão só com jogadores de futebol, e isso sim
é um retrato do país muito preocupante, mas se calhar realista.
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