Um
artigo forte, o de Jaime Nogueira Pinto, que segue, saído no blog “A Bem da Nação”,
um artigo de saber e desassombro – como revelara no livro em dois volumes, que
dele possuo (outros mais escreveu) – “Portugal Os anos do fim” (1976, E&F). É sobre
as utopias igualitárias e libertárias apoiadas em falsos pretextos de
expurgação do vício, segundo interpretação fundamentalista de antiga doutrina
ou segundo ideologias de aperfeiçoamento social, que em nome da fraternidade e
da igualdade esquece a fraternidade e a igualdade para descambar em perversão
do mais absoluto rigor implacável. No caso citado de Kim Jong-un, o requinte de
crueldade e de insanidade, por questões económicas de alianças dos seus familiares
com a China, selvajaria que o mundo olha impotente, enquanto a fera aguarda, na
sombra do seu armazenamento nuclear, o júbilo da destruição do mundo:
OS CÃES DA UTOPIA
Uma das características das
utopias – de todas as utopias, mas ainda mais das utopias igualitárias e
libertárias – é conduzirem ao contrário dos seus objectivos, quando acontece a
desgraça de serem postas em prática.
A organização racional e
totalitária de sociedades perfeitas – desprezando e pretendendo transformar a
natureza humana - acaba sempre num frenesim de opressão e massacre. Como
aquelas seitas proféticas do século XVI (lembro os anabaptistas de Münster,
evocados magistralmente por Marguerite Yourcenar em A Obra ao Negro) que
aspirando à pureza bíblica e evangélica terminaram na máxima promiscuidade e
violência. Ou, a obsessão da instauração da 'Virtude' pelos jacobinos na
revolução fundadora da idade democrática, que trouxe o Terror e o primeiro
genocídio da História europeia – o da Vendeia.
A tradição comunista está
bem ilustrada por um século de crimes, massacres e genocídios. Que, pelo menos
em número de vítimas, ultrapassam largamente os hitlerianos e todas as
ditaduras fascistas e militares do século XX. O líder da Coreia do Norte, Kim
Jong-un, o terceiro da tenebrosa dinastia do 'socialismo real' que resta,
decidiu livrar-se do seu tio, Jang Song-thaek, e de cinco dos seus cúmplices,
através de um processo de execução que lembra alguns horrores circenses da
Antiguidade.
Os condenados foram
despidos, metidos numa jaula e entregues à fúria faminta de 120 cães que, para
a finalidade, não comiam há três dias. O festim durou cerca de uma hora e a ele
assistiu o jovem líder, acompanhado por 300 altos dirigentes do Partido.
A história veio contada no
jornal Wen Pei Po, de Hong Kong, órgão oficioso do Partido Comunista chinês. Na
sequência, o Global Times, ligado também ao Diário do Povo, outro jornal
comunista chinês, criticava duramente o dirigente norte-coreano, aconselhando o
Governo de Pequim a afastar-se de Pyongyang.
Jang, um elemento
considerado realista, tinha boas relações com Pequim e foi acusado por Kim de
conspiração e crimes económicos – vendas a preços baixos de metais, carvão e
também de terras – a interesses chineses.
O caso, além de revelar
selvajaria do homem e do regime, vem reforçar a tese de uma parte da liderança
chinesa de que a RPC não pode nem deve continuar a apoiar o regime norte-coreano.
Um responsável militar chinês, o general Wang Hongguang, foi mesmo ao ponto de
prevenir os responsáveis de Pequim dos riscos de uma viragem na política da
Coreia do Norte, dada a natureza perversa e paranóica do líder. Outros
observadores asiáticos e ocidentais, além das características terroristas da
execução e do seu objectivo intimidatório a nível da classe dirigente, lembram
que Jang era um elemento reformista do regime, uma espécie de Deng Xiaoping.
Ao contrário dos
predecessores – Kim Il-sung e Kim Jong-il – que em casos semelhantes de
familiares dissidentes, se limitaram a afastá-los ou exilá-los, Kim Jong-un foi
a este limite para demonstrar aos compatriotas e ao exterior que está disposto
a tudo para conservar o poder. E a Coreia do Norte tem armas nucleares.
14 de Janeiro, 2014
Jaime Nogueira
Pinto
São também de Jaime
Nogueira Pinto, do seu Prefácio a “Portugal – Os anos do fim”,
livro dedicado aos “Mortos que não soubemos merecer” as arrogantes
palavras da sua definição, naquele Portugal de 1976, em que as liberdades
democráticas se mostravam ainda mal definidas:
«Este livro não é um
livro “político”, no sentido que não vai agradar à classe política portuguesa,
no poder ou na desgraça. Dos saudosistas dos “good old days” do antigamente,
aos fanáticos do “povo unido”, da massa falida de jovens progressistas e
tecnocratas que transitaram dos grandes marcellistas para os quadros da
partidocracia actual, ou seguiram, habilidosamente, na burocracia oficial, dos
bons conservadores que sempre se acolhem ao poder, seja ele qual for, aos
pequenos energúmenos que de há dois anos para cá gritam e riscam paredes, dos
escribas oficiosos do melhor dos mundos reacionário aos plumitivos do
concentracionarismo colectivista, dalguns generais de cabide que pela sua
incompetência e comodismo tudo deixaram preparar, aos jovens capitães que se
ilustraram no RALIS, na P.M., no COPCOM, nas alegrias do PREC, não creio que
entre relíquias de ontem e vedetas de hoje , haja qualquer receptividade ou
interesse pelo que aqui fica escrito.
Mas como não tenho por
verdadeira a observação dum velho barão do liberalismo constitucional, que
ensinava que o país são os políticos, e julgo que Portugal ainda vale a pena,
tão-pouco me molesta, antes me anima, tal reacção.»
Portugal ainda vale a
pena. O mundo também. Os fundamentalismos são traição. E os jogos económicos
espectacularmente absurdos.
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