Mas Vasco Pulido Valente é de tal
forma arguto e certeiro nas suas explanações argumentativas, que me leva muitas
vezes a aderir aos seus pensamentos, apesar do sofrimento próprio que isso
implica neste mar de sofrimento que ultimamente nos harmoniza – único padrão de
harmonia, de resto - questão de fado - sob este sol ou sob esta chuva do único céu
a que temos direito, perdidos “os outros céus diferentes” da nossa
glória passada, que Sá de Miranda refere em carta ao “rei de muitos reis”, D.
João III, o Pio.
Gosto de Nuno Crato e de Pires de
Lima, que me parecem sérios, inteligentes e corajosos. Acredito que eles estão
metidos nas talas de uma governação complicada, o que torna as suas
manifestações públicas contraditórias e motivo de chufas de todos os que
seríamos incapazes de assim proceder, honestos e talentosos que somos cá fora, incapazes
de proceder como eles lá dentro, porque faríamos necessariamente melhor.
Mas o artigo de Vasco Pulido Valente,
do “Público” de 17/1, “Como os ministros pensam” assenta que nem luva sobre
o nosso pensamento assustado - que se me perdoe o concretismo prosaico da
personificação literária - daí que o fixe no blog do meu refúgio, embora
discorde da afirmação do articulista contida no início do segundo parágrafo de
que “o dr. Nuno Crato apareceu numa conferência de imprensa conjunta
com o dr. Pires de Lima”, como se o seu “aparecimento” fosse acto
voluntário e não imposto pelos actuais juízes das acções governativas -
sindicatos, partidos da oposição, no ilimitado verboso das suas reivindicações de
uma altissonância impune:
«A Fundação para a Ciência e a Tecnologia
atribuiu 298 bolsas de doutoramento, ou seja, a quase 40%, dos candidatos que
se apresentaram. Para estudos pós-doutorais, a que concorreram 2035 pessoas, a
dita Fundação deu generosamente 233 bolsas, ou seja, 11, 45% do total. Muitas
coisas se poderiam dizer sobre isto. Mas como se escreveu neste jornal, os cortes
foram um “massacre” que afectará muito tempo a Universidade portuguesa e que
mata de repente uma tendência que já começava a ganhar uma certa força. O
responsável pela coisa é o Dr. Nuno Crato, ainda ministro de um Governo que por
aí vai sobrevivendo, sem direcção, sem programa e sem coerência. Não acreditam?
Esperem pelo próximo episódio desta telenovela.
No dia seguinte, ou pouco mais tarde,
o dr. Nuno Crato apareceu numa conferência de imprensa conjunta com o dr. Pires
de Lima. Nessa conferência os dois resolveram falar sobre “empreendorismo e
inovação”. Tanto um como outro falaram com entusiasmo da colaboração entre a
ciência e a economia: prometeram 50 milhões de euros, uma série de programas de
utilidade duvidosa e um esforço para mandar infinitos doutorados para empresas
de grande futuro. Mas como bons burocratas que são, e nunca deixarão de ser,
anunciaram também a sua coroa de glória: a criação de uma “agência interministerial”
para se ocupar do assunto; o que significa evidentemente mais funcionários,
mais conselheiros, mais secretárias, mais despesa e por aí fora.
Claro que, se o “presidente” ou o “director”
desta original loucura tiver um resto de juízo, manda ao sr. Pires de Lima
e ao sr. Nuno Crato uma cartinha, aconselhando este excelentíssimo par a
devolver as bolsas a quem as tirou e pedindo respeitosamente a sua demissão.
Mas, como uma criatura destas não é fácil de encontrar em Portugal, só
nos resta, para nos divertir, fazer listas comentadas das contradições destes
cavalheiros e de Passos Coelho e Portas, que os deveriam vigiar. Verdade que o
tempo não está para risotas sobretudo num caso destes. De qualquer maneira
talvez não deixasse de confortar os portugueses compreender a inteligência e a
subtileza de quem os pastoreia. Quando o disparate ferve, convém estar
preparado para qualquer emergência. Nada impede que amanhã eles nos declarem
uma colónia de Andorra em nome da independência nacional.»
A nossa triste verdade é que o disparate
ferve por toda a parte, em toda a nossa tessitura social. Sempre ferveu, é de
longa data, que o digam Gil Vicente, Camões, Eça… E os historiadores das
governações…. E as salas de psiquiatria, onde muitos professores repousam das violências
de uma sociedade de adolescentes que lhes passa pelas mãos e culminará nos
crimes de uma praxe imbecil e torpe, que já Verney criticava, há mais de dois
séculos, e que não é democrático eliminar…
Não, não é fácil de encontrar, o tal
que Diógenes procurava, de candeia acesa em pleno dia…
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