E desta forma provocatória, de quem defende um
ponto de vista isento da demonização com que nós, os bem formados, achamos por
bem definir um ser quase direi do outro mundo, tão pleno de arrogâncias
manifestou à partida, com aplicação prática logo na iniciação do seu “reinado”
de prepotente, disposto, ao que diz, a proteger acima de tudo o seu povo e a
sua nação, escreve Alberto Gonçalves a sua primeira tirada sarcástica com as
palmatoadas que entende por bem dar-nos, a nós, os defensores dos bons sentimentos,
que as raivas caseiramente simplistas do prepotente Donald Trump enviam às
malvas, sob a defesa do articulista sem papas na língua para nos ironizar tão
profundamente. Cá por mim tenho mesmo medo de que as atitudes destravadas de
Trump, que não se ensaia nada para tratar com desprezo todos os que ele
considera seus inferiores, e são muitos, sortudo que ele é com a sua riqueza, possam
provocar reacções danosas para o mundo, como uma 3ª guerra terráquea, pois há
por aí povos que não terão escrúpulo em largar o seu arsenal nuclear contra a
gente, já que o têm, como fogo de artifício para nos embasbacarmos, mas até
porque há gente a mais na Terra, e de vez em quando é necessário fazer limpeza,
por via das catástrofes do superpovoamento, apesar das políticas antinatalistas,
insuficientes, agora que a camada do ozono está tão esgarçada, que a própria
Terra parece também descomandada e o sol com ela.
Mas tudo acaba sempre por se recompor, só as
leis é que não, se vier essa da eutanásia, agora é que os velhotes começam a ir
todos para os anjinhos, e os médicos e as clínicas vão ganhar bons dinheiros
por conta das famílias que querem despachar os pais idosos, que só estão a
empatar. Eu só acho que se fosse médica, me recusaria a assistir à “morte
assistida”, receando ficar com o peso na consciência de ter matado em consciência,
embora essa coisa da morte careça cada vez mais de importância, mas ela já vem
dos tempo bíblicos e dos homéricos também, nem devíamos estranhar.
Realmente, o Trump não assusta ninguém, lá na
sua terra, e julgo mesmo que ele é dos da velha guarda, contra a eutanásia, por
isso os protestos da rua não passam disso mesmo, de protestos de rua, até ver,
e os que lá estavam lá permanecem. Quanto ao nosso engenheiro Guterres, ele não
se parece nada com o Trump, é muito mais sereno e até um pouco melífluo, mas as
minhas impressões não contam. Alberto Gonçalves conta dele um episódio embaraçoso,
mas hoje também ouvi um inglês a falar de nós com simpatia, embora lamentando delicadamente
a nossa vocação para desfiarmos saberes futebolísticos achando que há mais
saberes a ter em conta e eu senti-me igualmente humilhada. Outra coisa
que me desgostou foi a referência, por uma senhora estrangeira que também nos
ama, às muitas autoestradas que por cá
se fizeram, com os dinheiros de fora, muitas das quais são pouco frequentadas, o
que parece desperdício, mas sempre apreciámos luxos, segundo a máxima do
pobrete mas alegrete. Saboreemos Alberto Gonçalves:
Bem-vindos, refugiados
da América
Observador, 4/2/2017
Temos
gastronomia, hospitalidade, rotundas e paisagem. E temos, sobretudo, a garantia
de que em Portugal nunca caberá um populista do calibre do sr. Trump: os
populistas caseiros já ocuparam tudo.
A
acreditar na quantidade de americanos que prometeu deixar o país se o
extraordinário sr. Trump chegasse à Casa Branca, seria de esperar que os EUA
fossem hoje um imenso deserto. Não é o caso. Claro que demasiadas pessoas
correram para os aeroportos nas últimas semanas. Mas foi apenas para
protestar as restrições à imigração, prova da maldade intrínseca do novo
presidente e, em boa parte, herança do anterior. Num ápice, a rapaziada
regressou à vidinha habitual: berrar na rua, destruir propriedade alheia,
berrar na rua, impedir homossexuais inoportunos de falar em Berkeley, berrar na
rua. Mesmo a actriz Meryl Streep, que segundo a própria integra uma das classes
mais discriminadas do país (os presunçosos?), continua, ao que tudo indica, a
habitar a sua mansão de Los Angeles, curiosamente rodeada por muros de betão.
De
facto, o número de cidadãos de partida para o exílio é tão baixo que o
Washington Post se viu e desejou para descobrir um único exemplo. Após buscas
aturadas, e confessamente difíceis, lá encontraram o casal Yeager, ela
reformada e ele um escritor que ganha dinheiro a criticar o “consumismo”.
Os Yeagers colocaram a casa à venda para fugir à “devastação eleitoral” (cito)
e passar os próximos 4 ou 8 anos no estrangeiro. Onde? As hipóteses são
múltiplas: Panamá, Costa Rica, Nova Zelândia, Malásia, Vietname, Tailândia,
Croácia, Polónia, Espanha ou, talvez, Portugal. Repararam na honra?
Entretanto,
o Huffington Post meteu-se no assunto. Entre parêntesis, noto que o Huffington
Post é um site “informativo”, do género de informação que, quando o dono da
Starbucks anuncia a contratação de 10 mil refugiados e as acções da empresa se
despenham a pique, faz uma notícia intitulada: “Apoiantes de Trump: tentativa
de boicote à Starbucks falha com estrondo”. Fora de parêntesis, este baluarte
do grande jornalismo aproveitou a história dos Yeagers, retirou-lhe tipicamente
a graça e apresentou-a como modelo a seguir. A fim de ajudar ao êxodo dos EUA,
sugeriu (os desorientados agradecem sugestões) onze destinos ideais. Nesses
paradisíacos destinos, há ditaduras ou democracias questionáveis, regimes
alérgicos aos famosos direitos humanos, albergues exóticos, cenários de
homicídios, entrepostos do terrorismo islâmico, a “neoliberal” Irlanda, outra
vez a remota Nova Zelândia. E outra vez Portugal.
Convém
esclarecer os candidatos que, ao primeiro impacto, não distinguirão Portugal da
América. Também os nossos “media” estão repletos de criaturas
empenhadíssimas em convencer os simples, a bem ou a mal, de que o sr. Trump é a
reincarnação de Hitler ou o Belzebu alaranjado (a teoria divide-se). As
semelhanças, porém, terminam aqui. Ou na virtual “megafábrica” da Tesla que
se converteu num “stand” de automóveis a sério. Sob essa superfície, somos uma
sucessão de encantos.
Temos
futebol, ou melhor, conversas acerca de árbitros, dirigentes e autocarros.
Temos televisões a avisar que não nos devemos aproximar do mar revolto excepto
para filmar o mar revolto e enviar-lhes o vídeo. Temos um ex-primeiro-ministro,
vários ex-banqueiros e muitas futuras ex-personalidades envolvidas num
folclórico rol de trapaças, nas quais metade da imprensa nem toca. Temos
deputados que acreditam em Marx e em elfos que querem “debater” e legalizar a
eutanásia – de terceiros. Temos uma dívida pública que cresce com
galhardia e não incomoda vivalma. Temos um governo legitimado pelo apoio de
partidos leninistas que juram não apoiar o governo. Temos um presidente
optimista e afectuoso até para com o “rating” de “lixo”. Temos hora marcada com
uma bancarrota que a ninguém aflige. Temos calor (?), gastronomia,
hospitalidade, rotundas e paisagem. E temos, sobretudo, a garantia de que em
Portugal nunca caberá um populista do calibre do sr. Trump (que o parlamento
formalmente condena): os populistas caseiros já ocuparam tudo. Os refugiados
dos EUA podem vir à vontade. Ambos.
Notas de rodapé:
Em duas ocasiões recentes, o eng. Guterres referiu-se
às origens judaicas do Monte do Templo, em Jerusalém. Indignada, a Autoridade
Palestiniana invocou uma resolução da UNESCO e exigiu um pedido de desculpas.
Quem tem razão? Ambos. O actual Muro das Lamentações é evidentemente o que
sobra do Segundo Templo, ou ao que consta uma parede contígua. Por outro lado,
há meses que o braço da ONU para a Educação, a Ciência e a Cultura (a
designação é irónica) passou a referir-se ao Monte do Templo exclusivamente
pelos seus nomes árabes, de modo a enterrar a desagradável conexão hebraica e a
legitimar as pretensões da Fatah e similares.
Perante
isto, resta ao eng. Guterres uma de duas saídas. Ou manda os palestinianos à
fava, por respeito à História e – eis um termo em desuso – à verdade. Ou ata
uma corda ao pescoço e parte de joelhos ao encontro do sr. Abbas, por respeito
à utilíssima instituição a que preside e a que o pérfido sr. Trump, para
consternação universal, ameaça cortar subsídios. Até ver, o eng. Guterres
apenas lamentou (longe do Muro) as políticas do último, e não abriu a boca
sobre o primeiro. É assim que se vai longe.
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