Quando, por alturas de 77,
discutia com colega recentemente amiga, dona de uma intelectualidade apoiada
nesses modelos comunistas, adepta naturalmente das descolonizações que fizeram
a tantos retornar a um lugar donde os seus antepassados haviam partido, difundindo
com maior ou menor êxito por lá as luzes de uma cultura necessariamente
superior à dos povos que encontraram - essa pessoa amiga perguntou-me se eu era
daqueles que entendia que os comunistas comiam criancinhas ao pequeno almoço, e
eu respondi imediatamente que sim, que achava que comiam. Eram esses comunistas
da altura, de formação recente, fundada mais nos “ouï-dire” do
estardalhaço ameaçador em moda, do que em verdadeiro conhecimento das fontes ideológicas
- quando muito apoiada nos escritos literários dos escritores que as difundiam,
(cá em Portugal através dum neo-realismo monocordicamente confrangedor na sua
pequenez ideológica de enfoque maniqueísta, entre opressores e oprimidos, entre
ricos e pobres, entre poderosos e humilhados) - e cujos adeptos enfileiravam, na sua maioria,
no grupo dos adaptáveis ao novo modelo, como se viu então, por conveniência ou
cobardia, excluído o grupo intelectual das leituras marxistas da moda.
António Barreto, ao pegar no tema, já em
parte afastado dos vitupérios ou ameaças
nacionais que uma ditadura de esquerda então produzia, resume, na
liberdade que a democracia proporcionou, a história da Rússia comunista, feita
de crimes que não parecem atormentar minimamente as consciências dos que se
aferram a defendê-la, indiferentes aos Gulags e matanças e conquistas de povos
livres que proporcionou, criando adeptos e originando medos. E no entanto, toda
essa ditadura do terror, um homem russo a fez dissipar - Gorbatchov -
que a mim surge como um gigante de extraordinária dimensão, pela sua força de
alma, coragem e bondade, a quem a humanidade deve tanto sem se dar conta. O
centenário da Revolução Russa trará muitas loas, certamente, mas por cá, os do
“apoio beato” da expressão de António Barreto, irão omiti-lo, pois que Gorbatchov lhes
trocou as voltas, mergulhados que são naqueles mundos de uma falsa justiça aparentemente
em favor dos oprimidos, com o ódio como contrapartida (contra os bem sucedidos),
no utópico igualitarismo social que pretendem, mas de que eles próprios se
afastam na construção do seu próprio bem-estar que o decurso da vida lhes
proporciona, segundo a ordem natural de uma evolução normal.
Um bravo a António Barreto,
pela sua coragem denunciante do “embuste”.
O
Grande Embuste
António
Barreto
DN, 17 de fevereiro de 2017 Sem
Emenda
Dentro
de dias, começa um curioso ano de comemoração: os cem anos da Revolução Russa.
Será um desfilar de colóquios, filmes, livros e programas de televisão.
Teremos de tudo e não faltará o elogio beato.
De
Fevereiro (que, na Rússia de 1917, era em Março) a Outubro (já em Novembro),
será quase um ano em que teremos a oportunidade de recordar e estudar aquele
que foi o "maior embuste da
história do século XX", na expressão de Mário Soares.
Após aquele ano de "revolução", houve outros cinco, ditos de
"guerra civil", revolução para todos os efeitos. Depois, mais
vinte de depuração, deportação, limpeza étnica, colectivização e trabalhos
forçados aos milhões. Sem esquecer milhares de julgamentos e execuções
de políticos, generais, médicos, sindicalistas e escritores! Lenine morre em
1924 e Estaline em 1953. Até à derrota final, em 1989, entre lutas intestinas e
saneamentos, sucedem-lhes vários como Kruchtchev, Brejnev, Andropov, Chernenko
e Gorbachev.
O
centenário vai servir para muitas tentativas de branqueamento. Com
certeza. Mas também para novos balanços, seja porque a distância ajuda, seja
porque os estados-maiores comunistas já não têm muito poder nem controlam o
pensamento, seja porque, finalmente, de Moscovo a Praga, os arquivos se vão
abrindo e revelando todos os dias factos novos, por vezes surpreendentes.
Que nos deixou o comunismo como legado de liberdade?
Praticamente nada! Como luta de resistência dos comunistas,
para bem dos seus direitos, muito! É mesmo do domínio do heroísmo. Mas, para
bem da liberdade dos outros, de todos, praticamente nada. Pelo
contrário: deixa um dos piores legados modernos de supressão das
liberdades, de repressão exercida sobre os cidadãos, de negação radical do
Estado democrático, de violação permanente dos direitos humanos e dos mais
desumanos métodos de manutenção da ordem, com tortura, assassinato, deportação,
rapto e prisão em números que se elevam a muitos milhões. Em todos os países em
que um partido comunista dominou o poder, o resultado foi sempre o mesmo: nem
liberdade nem Estado de direito.
Que nos deixou o comunismo como legado de
independência e autonomia dos povos, outra das suas bandeiras? Por um lado, apoio aos movimentos
subversivos e revolucionários do mundo inteiro, desde que em luta contra as
metrópoles coloniais, contra as democracias e contra os países do mundo
ocidental. Por outro lado, a mais feroz submissão dos Estados, países,
nacionalidades, minorias e regiões vizinhas, com o resultado visível da
constituição de um dos maiores impérios da história, feito e regulado à força,
por intermédio dos métodos mais bárbaros, incluindo deportações massivas, fomes
programadas, genocídio e pura opressão. A implosão da União, após a queda do
comunismo, é o mais rigoroso certificado de existência do imperialismo
soviético. E da sua bondade.
Que nos deixou o comunismo como legado social e
económico, tecnológico e científico? Uma enorme ficção
daquele que poderia ser, com os seus colossais recursos, um dos mais ricos
países na Terra e que acabou por só ser poderoso militarmente, mas incapaz de
progredir economicamente e de permitir a prosperidade dos seus cidadãos,
impotente para o desenvolvimento tecnológico e científico, áreas em que esteve
sempre atrás dos países ocidentais e com atrasos crescentes até ao
desmoronamento final.
É um dos mais seguros sinais do atraso de Portugal: a
persistência do Partido Comunista, das suas ideias e do seu programa. Os
principais partidos comunistas do mundo democrático desapareceram por entre
fumarolas! Parece que apenas dois Estados têm qualquer coisa de parecido com o
comunismo soviético: Cuba e Coreia do Norte! Que bela companhia para os
comunistas portugueses!
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