segunda-feira, 27 de fevereiro de 2017

Vaya com Diós



Realmente, é vergonhoso. As televisões mostram os julgamentos frequentes, com as vozes que, ouvidas à distância, se embrulham numa surdina irritante. Às vezes, aproximo-me do “barulho” e as vozes tornam-se mais nítidas, a ensinar ao povoléu que formamos, que a nossa escola é de tricas, de lavagem de roupa suja, e que daqui não saímos, na disputa e no barulho que os meninos também aprendem e transportam nas mochilas para as suas próprias escolas, onde hoje se passam coisas graves, tal como nos convénios vários do nosso convívio e conveniências, com que as televisões se entretêm na prestação dos seus serviços públicos.
Já nenhum Hércules conseguirá limpar os nossos estábulos, tal o monturo pestilencial em que chafurdamos, os próprios rios já poluídos também, para uma lavagem semelhante à que aquele ainda pôde fazer nos estábulos do seu patrocinador Augias.
Escutemos a repulsa bonacheirona do Trio Los Panchos, de amores desencontrados, para amenizar a nossa javardice em sons de saudade, antes de pegar em António Barreto, que não se conforma: 
 Vaya con Dios
Cuando un dí­a la encontré
Por vez primera
Con pasión la saludé
De esta manera
Vaya con dios mi vida
Vaya con dios mi amor
Sé que usted no me miró
Pero no dudo
Que mis ansias comprendió
Con mi saludo
Vaya con dios mi vida
Vaya con dios mi amor
El tiempo transcurrió
Nos conocimos
Y nuestro corazón
Al fin se unió
Pero de aquel querer
Ya nada queda
Yo qué…
Sé que un dí­a usted querrá
Volver conmigo
Y por eso sin rencor así­ le digo
Vaya con dios mi vida
Vaya con dios mi amor
Compositores: Buddy Pepper / Inez James Walden / Larry Russell
Letras de Vaya con Dios © Beachaven Music Corporation



Todos iguais
António Barreto
DN, 26/2/17  -  SEM EMENDA
Já se percebeu: cada vez que um escândalo, processo, aldrabice ou caso de favoritismo está a ser investigado, logo outro surge, equivalente, com visados de outros grupos económicos, partidos ou governos... Às vezes há pontos de contacto. Noutras não. Agora, são os offshores que retiram casos das primeiras páginas. Mas, previsivelmente, vão bater às mesmas portas de sempre... Caixa, PT, BES...
Um processo aqui, um caso de corrupção ali, uns empréstimos sem retorno, uns favores a amigos, uns assaltos a empresas, algumas manipulações do mercado, umas transferências para offshores, muita mentira e uma prodigiosa incompetência fizeram da "jóia da coroa" o que ela parece hoje e que faz com que os políticos tenham receio do pântano. Fica-se cada vez mais com a impressão de que o caso da Caixa é o caso do regime: tudo anda ligado, da política à banca, da PT aos telemóveis, das águas aos petróleos, da electricidade à celulose, do BES ao Banif, do BPN ao BCP... Podem fazer-se todos os inquéritos imagináveis, ficará sempre algo de fora, aparecerá sempre, à última hora, novo facto inesperado que permita negociação futura e ocultação passada. Debaixo de cada pedra há lacrau ou veneno. E muitos parecem interessados em esconder e esquecer. Mas acrescentam sempre qualquer coisa.
A algazarra com a Caixa não deixa ninguém tranquilo. O esteio, o alicerce do sistema bancário português não é mais do que uma organização de mistérios e trapalhadas, sob influência directa dos governos, dos ministros e dos partidos. Serviu para obras públicas, parcerias duvidosas, empréstimos especulativos, favores aos amigos, negócios estranhos, demagogia política e empregos de conforto. Há alarido porque todos têm medo, de um partido, do outro e de outro ainda. Muitos receiam que se fale ou que se descubra. A barafunda actual é tanta, que se pode imaginar que nunca se saberá o que se deve saber, nunca se castigará quem o deve ser. Dirigentes do PS, do PSD e do CDS tiveram responsabilidades na necessidade de quatro ou cinco mil milhões, a recapitalização. Os governos de Sócrates, Passos Coelho e Costa têm todos responsabilidades no desastre e nas imparidades (eufemismo para designar, entre outras habilidades, trafulhices e favores).
"Eles são todos iguais!" é uma das mais detestáveis e inúteis frases que se ouve frequentemente por aí. Geralmente sobre a política.
"Eles" são diferentes. Defendem políticas diferentes. Frase e pensamento, ou falta dele, sem seriedade nem inteligência. Ideia sem verdade. Ideia errada e enganadora. Mas não se resiste. Não só se ouve cada vez mais, hoje, em tempos de crise, como já quase não há argumentos para contrariar.
Estão ao serviço de interesses e ideias diferentes. Pertencem a classes sociais e a grupos diferentes. Têm programas e doutrinas diferentes. Há os honestos e os bandidos. Os sérios e os aldrabões. Os rigorosos e os demagogos. Os honrados e os corruptos. Os íntegros e os oportunistas. Os democratas e os déspotas. Mas deve reconhecer-se que "eles" fazem um esforço por se parecer cada vez mais. O que tem péssimos resultados: não nos ajuda a perceber. Sabemos ainda que há bandidos à esquerda e à direita. Honestos também. O que também não ajuda a compreender.
É fina a fronteira entre um caso de política e um caso de polícia. É curta a distância que vai da incompetência à corrupção. Da demagogia à venalidade, o tempo e o espaço são reduzidos. Se a democracia portuguesa não consegue apurar responsabilidades, julgar culpados, castigar "nepotes" e afilhados e refazer um banco seguro e honesto, se a democracia portuguesa tal não conseguir, condena-se a si própria. O processo da Caixa corre o risco de vir a ser o processo do regime.


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