Quero dizer, os dados. Mais
especificamente, os da regionalização que, segundo António Barreto, estão
lançados. Pode ser que resulte. Mas também pode ser que não. Num país com gente
não condicionada por carências educativas graves e habituada a respeitar
valores, que porá o interesse nacional acima do partidarismo bairrista
subjectivo e paroleiro, uma descentralização poderá ser estimulante e benéfica,
de dimensão criativa e enriquecedora, mesmo que a emulação seja um dos factores
dessa realização, pois que sempre as rivalidades foram contributo de progresso, mau grado as guerras de que são igualmente fautoras.
A mim, assusta-me pensar que os
programas escolares, ao invés de seguirem normas comuns, serão feitos segundo o
predomínio partidário da região, ou segundo temáticas ou critérios de
diferentes pedagogias ou interesses programáticos. E também as lutas possíveis que
António Barreto aventa, e respectivas luvas, pela posse de cargos ou distribuição
por novos enxames de afilhados, em mergulho ávido no saco azul das Fátimas
Felgueiras do oportunismo… Se as chefias regionais forem inteligentes e
cordatas, talvez a regionalização dê frutos. Caso contrário, a regionalização
parece-me sinónima de descentralização, de mais desrespeito, maior indiferença
pelo país que, pertencendo a todos e por todos devendo ser respeitado, vai ser
palco de mais gritaria, como aquela a que assistimos já há muito nos programas
televisivos, autêntico massacre de vozes digladiando-se a respeito dos
pormenores futebolísticos em vários canais ao mesmo tempo, sem uma luz que brilhe
diferente e mais respeitadora dos valores da razão e da experiência que acima
de tudo se deveriam impor, como pediam Descartes ou Bacon, que a instituição da
Inquisição e as extravagâncias das vaidades ignaras do nosso absolutismo
impediram que se explorassem, acompanhando outros povos europeus, mais
desenvoltos, racionais e eficientes.
António Barreto apoia a
regionalização e ele deve saber o que diz. Não parece muito eficaz nos dados, e
revela alguns receios, mas no meio caótico a que estamos habituados, onde a
falcatrua nos ilumina os dias, será mais falcatrua, menos falcatrua. E continuando
na mesma esfera do ensino, talvez a regionalização seja um factor positivo,
favorecedor das colocações professores mais perto das suas residências…
A grande
reforma
António
Barreto
DN, 12/2/17
- Sem Emenda
Os
dados estão lançados. O governo vai propor, dentro de dias, um grande programa
de descentralização da administração pública. Será talvez a mais
importante, quem sabe se a única reforma significativa a iniciar por este
governo. Ainda bem! Portugal necessita de descentralização, de
subsidiariedade e de eficácia. Pode também acontecer que outros grandes
males, como os projectos megalómanos e a grande corrupção, sejam assim
contrariados. Pequenos projectos mal pensados e pequena corrupção não podem ser
mais nefastos.
Bem
sabemos que é ano de eleições autárquicas e que o governo não resiste a ir
buscar louros para se apresentar de folha limpa ao eleitorado. Nenhum
governo resiste. Mas esta solução é melhor do que uma virtuosa inércia
pré-eleitoral. Como se trata de eleições autárquicas, quem vai ficar a
ganhar é a autarquia. Especialmente os partidos que têm força autárquica. As
eleições e a democracia servem também para isso, fazer comércio com os
eleitores: dou-te obra, subsídio, escolas, piscinas e cheques e tu dás-me os
votos!
O
ministro Eduardo Cabrita, talvez o mais brilhante e autoritário tecnocrata
deste governo, tem já o seu projecto negociado em múltiplas instâncias e várias
instituições, mas também em encontros discretos entre partidos e nas reuniões paralelas
dos grupos de trabalho do governo com o Bloco e o PCP. É provável que tenhamos
lei dentro de poucas semanas. Há décadas que este ministro é um defensor
obstinado da regionalização. Noutra oportunidade, perdeu. Agora, aprendeu a
lição: irá devagar, furtivamente, a par e passo, fugindo às maiorias
qualificadas e aos referendos. E chamando-lhe, para já, descentralização.
Esta
é a grande reforma possível. Não há dinheiro, não há grande
consenso, nem sequer maioria estável. Por isso, é a reforma que se pode fazer.
Ainda bem. Esperemos que se consiga autoridade suficiente. E consenso alargado,
pelo menos para umas disposições. Não é obrigatório o acordo total, completo e
com toda a gente. Mas é indispensável que, para tão importante reforma, haja
legitimidade reforçada e autoridade política. A descentralização é
importante. E Portugal precisa dela!
Por
isso, com consenso pouco alargado e uma maioria muito disputada, não teremos,
infelizmente, uma reforma audaz. Professores já protestaram. Médicos também. Numerosos
funcionários e serviços centrais recusam passar para a periferia, o local e o
regional. Muito vai continuar na administração central. Passam umas
competências, umas faculdades, algum dinheiro, mas não muitos serviços centrais
nem estes funcionários especiais (o maior número) que são os médicos, os
enfermeiros e os professores. A verdade é que os sindicatos não querem e não
deixam. Um sindicato que se preze quer ter diante de si um só patrão, o
ministro. Assim continuará a ser. A respectiva tutela fica com o governo
central. É descentralização de gato escondido.
É
um princípio de regionalização. A eleição dos presidentes é exemplo calhado. Os
presidentes das áreas metropolitanas serão desde já eleitos directamente pelo
povo, ao mesmo tempo do que as autarquias. É claramente um princípio de
soberania e de uma sólida legitimidade. A partir daí, não será possível voltar
atrás. É um princípio irrevogável de regionalização, vai ser e será fonte de
problemas e quezílias. Ainda por cima, esta eleição vai criar conflitos muito
sérios com os futuros presidentes das CCDR, isto é, das comissões de
Coordenação e Desenvolvimento Regional. Também eles serão eleitos, mas agora de
modo indirecto: ficarão na dependência eleitoral dos autarcas. Não é preciso
fazer um desenho: os potenciais conflitos, as perturbações, a sobreposição de
competências e a dualidade de legitimidades serão efectivas. Será um pequeno
passo em frente. Esperemos que não dois atrás.
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