quinta-feira, 9 de fevereiro de 2017

Vai uma aposta?




Consegui “apanhar” na íntegra, na Internet,  o artigo de João Miguel Tavares, que o Público ultimamente não deixa nem transpor nem ler, facto que me põe macambúzia, pois gosto muito deste articulista, bem como de outros de que o Público é alfobre, mas de vez em quando acontece esta interdição da leitura, o que penaliza todos os que poderiam prolongar o seu bem-estar, como faz o meu marido que lê o Expresso, o Público e o Notícias nas suas tabletes ou no seu computador.
O artigo de João Miguel Tavares faz um retrato perfeitamente ajustado do nosso Presidente, do nosso Prime Minister e de Marques Mendes, este convenientemente artilhado de babugem laudatória aos mesmos e simultaneamente de rancorosa crítica a Passos Coelho, disfarçada de isenção, em paralelismo com José Pacheco Pereira, pese embora a diferença de estilos, retirados os acepipes verbais da intelectualidade e a falta de isenção deste último, contudo, na iracúndia descritiva acerca de um parceiro de partido que se afirmou capaz de os ignorar.
Não vou alargar-me. Trata-se de um retrato perfeitamente ajustado dos nossos governantes que seguem, impassíveis - o PM, como sempre, na astúcia do seu sorriso de lábios grossos, de saborear acepipes; o PR indiferente às críticas, na opacidade vã das suas frases ou dos seus jogos apalhaçados que tão bem marcam a nossa pequena representatividade, não direi no mundo, que não se importa connosco, mas na nação, que com esse exemplo indiscreto, aumenta a sua boçalidade atrevida.
 Embora o antetítulo em epígrafe dos textos de João Miguel Tavares  informe que “O respeitinho não é bonito”, parece-me a mim bem o contrário. São atitudes dessas, a acrescentar à indisciplina generalizada nas escolas, onde o tempo de aulas se esvai em admoestações ou mesmo violências, mais do que em estudo real, que fazem resvalar o país para uma extraordinária selva de instintos descontrolados. Mas o PR não se importa, espectador de si, dos seus discursos artilhados de banalidades que não deixa interromper, nas suas entrevistas de  monólogos inteiriçados.
Sintoma também de um país onde se decidiu “simplificar” a ortografia à machadada, desbastando-a de elementos necessários à própria pronúncia, sem outro critério que não fosse o de se manter no confronto mundial da importância linguística, embora a reboque dos povos por onde difundimos essa língua e que, naturalmente, a deixarão cair, na evolução sem preconceito das suas próprias culturas. Mas quando há dias ouvi a um dos ditos senhores (dos que resolveram discutir o AO90 para uns ajustamentos e alterações, que a indignação dos que não aceitam o tal Acordo, movidos por razões claramente científicas, a cada passo exige), lhe ouvi que realmente não se lhe dava de acentuar a palavra aguda pára” (verbo) e assim a distinguir de “para” (preposição), sem, aliás, as nomenclaturas gramaticais que aponho, para melhor esclarecimento, provavelmente desconhecidas do tal, como aliás igualmente mostrou desconhecer a divisão das palavras quanto à acentuação,  fiquei ciente de que, como afirmou Nuno Pacheco em “Pirâmides, futebóis e Ortografia” (Público, 26/1/17), “o que tem de comum o dito «desporto-rei- com o AO90 ? Isto: são ambos feitos com os pés.”.
É com os pés que mais nos movemos, não há que estranhar. De resto, assim faz o Ministro Augusto Santos Silva, confirmando, com uma inteligência digna de “pés”, a fugir de responsabilidades, (ao contrário do Dâmasozinho Salcede, que tanto vincava as suas para com a família da Rosicler), que o Acordo foi assinado por cá. Está feito. É para se cumprir. Cumpra-se. Quais mudanças?

A nova PPP: Parceria Presidente Primeiro-ministro
A grande questão sobre a sua primeira pequena entrevista é esta: por que aceita Marcelo desempenhar o papel de ventríloquo de António Costa?
João Miguel Tavares
Público, 24 de Janeiro de 2017

O problema da entrevista de Marcelo Rebelo de Sousa à SIC é muito simples: se ele tivesse trocado de cabeça com o primeiro-ministro, ninguém teria dado pela diferença. António Costa poderia ter dito, sem retirar uma vírgula, tudo aquilo que o Presidente da República disse sobre o crescimento, sobre os bancos, sobre a dívida, sobre o défice, sobre a inflação, sobre a TSU, sobre a estabilidade, sobre a situação económica e sobre a situação política. Não houve uma única palavra proferida por Marcelo que se estranhasse na boca de António Costa, e até o único vestígio de crítica ao governo – a insuficiência do crescimento – já foi admitido pelo primeiro-ministro. Donde, a grande questão sobre a sua primeira pequena entrevista é esta: por que aceita Marcelo desempenhar o papel de ventríloquo de António Costa?
Será porque gosta muito de Costa? Porque odeia Passos? Porque acha que é o melhor para o país? Porque não quer chatices? Não tenho uma boa resposta – sei apenas que esta osmose é absurda e perigosa. Uma coisa é o Presidente da República desejar “estabilidade”. Até hoje, todos os presidentes da República desejaram “estabilidade”. Outra coisa, inteiramente diferente, é o palácio de Belém assinar uma inédita PPP (Parceria Presidente Primeiro-ministro) com o palácio de São Bento, nos seguintes termos: o segundo vende ao primeiro toda a argumentação acerca do espectacular estado do país; o primeiro compra essa versão e vende-a a todos os portugueses como se fosse sua e, portanto, “neutra”. Mais. Esta PPP até já vem com o seu credit default swap incluído, na figura do comentador e conselheiro de Estado Marques Mendes, que tem vindo cada vez mais a desempenhar o papel de avalista mediático do Presidente – e conspirador ocasional.
Para o caso de alguém ainda não ter reparado, Marques Mendes está para Marcelo como Marcelo está para António Costa: são caixas de ressonância uns dos outros. Com uma diferença. Enquanto Marcelo e Costa namoram às claras, Marcelo e Mendes andam a namorar às escuras. Eu comecei a desconfiar disso com as “descobertas” de Marques Mendes no caso da Caixa Geral de Depósitos e fiquei absolutamente convicto com as violentas acusações de “cata-vento” a Passos Coelho no caso da TSU. A palavra traía a sua origem. Marques Mendes é o novo bff (best friend forever) de Marcelo. As suas agendas estão demasiado coladas para ser um mero acaso. Este domingo, Mendes cedeu o seu tempo de comentário para a entrevista a Marcelo Rebelo de Sousa, e veio mais tarde, à frente da lareira de casa, expor a interpretação oficial das palavras do presidente, que depois passaram em loop nos noticiários da SIC.
Chamem-me esquisito: Marcelo como padrinho de Costa; Mendes como delfim de Marcelo, já em aquecimento para as presidenciais de 2026; cartas escondidas na manga; relações alimentadas de forma mais ou menos obscura e teatralizada; nenhum deles a assumir com um mínimo de lucidez as tremendas dificuldades do país e a complexidade da actual situação governativa; chamem-me esquisito, de facto, mas não estou a gostar nem um bocadinho de uma magistratura da confluência que em nome da “estabilidade” afecta os contrapesos do regime, com primeiro-ministro, Presidente e principal comentador da nação unidos por um fio invisível enquanto Portugal vai resvalando para o buraco. Esta Parceira Presidente Primeiro-ministro é como as outras PPP: desnecessária, imprudente e caríssima para o país.



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