Ouço à distância. Burburinho
de vozes monocórdicas, ora esganiçadas ora em surdina, julgando pessoas,
falando de casos, acusando, atacando, defendendo-se. Quem tem acompanhado melhor
os casos, é o meu marido, no espaço das suas leituras. Às vezes trocamos
ideias, mas nada que me esclareça bem aquilo de que mal quero saber, na
vergonha por uma nação que deu nisto, de um constante atropelo e trafulhice,
com acusações e defesas recíprocas. Como nas exaltações do futebol. “Coisas
que terei pudor de contar seja a quem for”. Tristes coisas à nossa medida,
fantoches de um palco podre de tristes engenhos de que a nobreza para sempre se
esvaiu. Depois escuto Passos Coelho, que me faz confiar numa qualquer salvação
futura, que o pensamento na oposição de então logo impedirá, de sindicatos
armadilhados e submissos às ordens do chefe. Como é isto possível?
Fico mais esclarecida com as
corajosas pesquisas e deduções de João Miguel Tavares. E não espero que
a tal amizade entre PR e 1º M., bem intencionada da parte do primeiro,
apaziguador, pouco provável da parte do segundo, manhoso e ávido, algum dia dê
frutos. A bela amizade, possível entre Rick e Louis, que a nobreza de carácter
inesperada, vencendo egoísmos e traições, vivifica, dificilmente se manterá por
cá, baseada que é em convencionalismos e hipocrisias de sobrevivência própria, ao
nosso jeito. O costume.
Confirma-se:
Marcelo também está metido nisto
João
Miguel Tavares
16/2/17
O
comunicado mostra um Presidente assustado, disposto a extravasar os seus
poderes constitucionais.
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Marcelo
Rebelo de Sousa tinha duas opções. Ou falava e contava tudo. Ou calava-se e
não contava nada. Infelizmente, escolheu uma terceira opção: disse coisas
que não se percebiam num dos mais bizarros comunicados produzidos pela
Presidência da República – e depois alguém foi para os jornais contar por ele a
história dos SMS de Centeno e Domingues. É difícil decidir qual das coisas
foi mais disparatada, se a conferência de imprensa gaguejante do ministro
das Finanças, se o comunicado despeitado do Presidente da República.
Mas isto é certo: ambos saem politicamente fragilizados do lamaçal da Caixa.
Centeno porque não consegue deixar de ser Centeno, e ou muito me engano ou
ainda vai engolir o já famoso “erro de percepção mútua”. Marcelo porque teve
de enfrentar as primeiras críticas violentas vindas do PS, e com inteira razão.
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Deixemos
desta vez o martirizado Centeno de lado e concentremo-nos em Marcelo Rebelo de
Sousa e no que aconteceu na fatídica segunda-feira, segundo o seu próprio
comunicado e os relatos publicados na comunicação social. O ministro das
Finanças teve um encontro à hora do almoço com o Presidente da República por
causa da troca de SMS com António Domingues. Nessa altura, Marcelo já
conhecia o seu conteúdo, que lhe terá sido transmitido no dia anterior pelo
conselheiro de Estado, e amigo de Domingues, António Lobo Xavier. Vários
jornais já confirmaram que nesses SMS não só fica cristalino que Centeno
sabia de tudo sobre o pedido de isenção de apresentação das declarações de
património, como o sabiam António Costa e o próprio Marcelo Rebelo de Sousa.
Ou seja, durante semanas e semanas esta bonita tripla de sonsos enfiou
Domingues no espeto, depois de Marques Mendes acender o lume, e foram dando à
roda, enquanto fingiam que não era nada com eles.
Após
meses a proteger o governo, parece que a mostarda só chegou ao nariz de Marcelo
quando se apercebeu que os SMS de Centeno também batiam à sua porta. Não
querendo ficar mal na fotografia, pressionou António Costa, que por sua vez
pressionou Mário Centeno, que por sua vez foi fazer figuras tristes para a
frente das câmaras de televisão, numa conferência de imprensa que mais parecia
um anúncio publicitário à prática de automutilação. Ainda assim, não
chegou. Marcelo não ficou satisfeito com o “erro de percepção mútua” e a
altas horas decidiu publicar no site da Presidência o tal
comunicado cabalístico em cinco pontos, que só dava para perceber quando
acompanhado pelos jornais da manhã. Onde se lê (ponto 4) que “a
interpretação autêntica das posições do Presidente da República só ao próprio
compete” deve ler-se “aquilo que tu disseste que eu disse nos SMS não é
nada comigo”; onde se lê (ponto 5) que o presidente “aceitou” a posição
do primeiro-ministro quanto a “manter a sua confiança no Senhor Professor
Doutor Mário Centeno”, deve ler-se “vocês deixem-me fora disto, ou faço-vos a
folha”.
Só que Marcelo está bem dentro disto. O
comunicado de segunda feira mostra um Presidente assustado, que está até
disposto a extravasar os seus poderes constitucionais - desde quando lhe
compete manter a confiança no ministro das Finanças? - para deixar avisos
claros a Centeno e, sobretudo, a António Costa. O coro de gente próxima do PS
que reagiu violentamente ao seu comunicado não deixa dúvidas quanto ao estado
de espírito do primeiro-ministro: não gostou nem um bocadinho. É possível que este seja o início do fim
de uma bela amizade.
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