Também
enviei a minha assinatura para o «Manifesto de Cidadãos contra o Acordo
Ortográfico», salvo erro pela 2ª ou 3ª vez, e quero crer nas pessoas
que dele se encarregam, tão ressentidas como eu, e mais ainda, porque mais
sabedoras. Mas sinto que não se passa disto, de promover querelas que não
chegam a vias de facto, ou escrever artigos de sabedoria ou humor, na imprensa,
como este de Nuno Pacheco, para suscitar indignações ou provocar comentários,
tal como se fez antes de o Acordo ser ratificado. A verdade é que ele
passou, houve pressa em marcar posição, e agora os que governam fazem finca-pé,
que têm para mais um ministro que se está nas tintas e um presidente que fala,
fala, e está ali para isso apenas, pois até em Moçambique falou e não fez nada
para cumprir o que então disse.
Apontam-se burrice, ignorância, leviandade, mas a Academia das Ciências não encaixa
isso, aferrada ao seu estatuto científico, de 27 anos, arrastados em muitas
mais misérias do que esta, que é, quanto a mim, a maior de todas as nossas misérias
nacionais, ou antes, seu reflexo.
Mas
a Amália nos dá esperança, na sua figura e voz de beleza sem par, que os seus
compositores souberam favorecer. Como ela, iremos a Viana, trocar rosas e rejuvenescer,
e tal não é fantasia, que a língua não é um trapo, que pode apodrecer. Ouçamos
Amália, que era inteligente, essa:
Havemos de ir a Viana
Compositor: Pedro Homem de Melo / Alain
Oulman
Entre sombras
misteriosas,
Em rompendo ao longe estrelas.
Trocaremos nossas rosas
Para depois esquecê-las.
Se o meu sangue não me engana,
Como engana a fantasia.
Havemos de ir a Viana,
Ó meu amor de algum dia.
Ó meu amor de algum dia,
Havemos de ir a Viana.
Se o meu sangue não me engana,
Havemos de ir a Viana.
Partamos de flor ao peito,
Que o amor é como o vento.
Quem pára perde-lhe o jeito,
E morre a todo o momento.
Se o meu sangue não me engana,
Como engana a fantasia.
Havemos de ir a Viana,
Ó meu amor de algum dia.
Ó meu amor de algum dia,
Havemos de ir a Viana.
Se o meu sangue não me engana,
Havemos de ir a Viana.
Ciganos, verdes ciganos,
Deixai-me com esta crença.
Os pecados têm vinte anos,
Os remorsos têm oitenta.
Em rompendo ao longe estrelas.
Trocaremos nossas rosas
Para depois esquecê-las.
Se o meu sangue não me engana,
Como engana a fantasia.
Havemos de ir a Viana,
Ó meu amor de algum dia.
Ó meu amor de algum dia,
Havemos de ir a Viana.
Se o meu sangue não me engana,
Havemos de ir a Viana.
Partamos de flor ao peito,
Que o amor é como o vento.
Quem pára perde-lhe o jeito,
E morre a todo o momento.
Se o meu sangue não me engana,
Como engana a fantasia.
Havemos de ir a Viana,
Ó meu amor de algum dia.
Ó meu amor de algum dia,
Havemos de ir a Viana.
Se o meu sangue não me engana,
Havemos de ir a Viana.
Ciganos, verdes ciganos,
Deixai-me com esta crença.
Os pecados têm vinte anos,
Os remorsos têm oitenta.
Se o meu sangue não
me engana,
Como engana a fantasia.
Havemos de ir a Viana,
Ó meu amor de algum dia.
Ó meu amor de algum dia,
Havemos de ir a Viana.
Se o meu sangue não me engana,
Havemos de ir a Viana.
Como engana a fantasia.
Havemos de ir a Viana,
Ó meu amor de algum dia.
Ó meu amor de algum dia,
Havemos de ir a Viana.
Se o meu sangue não me engana,
Havemos de ir a Viana.
Pirâmides, futebóis e ortografia
Nuno Pacheco
Em 1990, quando perguntaram ao poeta Mário Cesariny o que pensava das
mudanças ortográficas que se anunciavam, respondeu com notável ironia:
“Considero que o Acordo Ortográfico é um grande problema para brancos, negros e
ameríndios. Proponho por isso que toda a gente aprenda latim, o fale em suas
casas – e em público fale como quiser” (PÚBLICO, 24/12/1990). Depois dele, muitas vozes se levantaram: contra, a
favor, assim-assim, talvez, tem-te-não-caias, haja lei e pronto. Deu no que se
viu, e o tema ainda hoje nos ocupa e inquieta de igual modo. Seja como for,
esta semana começou com um Manifesto de Cidadãos Contra o Acordo Ortográfico (divulgado
na íntegra no PÚBLICO online, com um lote heterogéneo e bem significativo
de assinaturas) e vai fechar com a divulgação da anunciada proposta da Academia
das Ciências de Lisboa sobre o tema, proposta que vai esta quinta-feira a
votos entre os membros efectivos da ACL. No Parlamento,
onde o AO90 provoca súbitos ataques de surdez quando dele se fala, foi aprovada
na Comissão de Cultura (por proposta do deputado José Carlos Barros, do PSD) a
criação de um grupo de trabalho para avaliar o impacto da aplicação do AO90 em
Portugal (o PS absteve-se) e a audição, por proposta do BE, do presidente da
Academia das Ciências. Aqui, o voto foi por unanimidade.
Neste pequeno intervalo entre a rejeição total
do dito e o seu eventual “aperfeiçoamento” (se é que tal será possível, ou
desejável, e em que moldes), façamos como nas sessões de cinema antigas:
peguemos em duas pequenas histórias a propósito, enquanto o “filme” principal
não recomeça.
A primeira tem a ver com um país: Egipto. Perdeu, como
se sabe, o P na liquidação de consoantes de 1990. Se no Brasil se escrevia assim porque não havia de
ser igual em Portugal? Bem: no Brasil, como em Portugal, todas as
palavras derivadas de Egipto mantêm o P; depois, há outro pequeno senão: é que
Egipto, amputado para Egito, não é o único país cuja grafia difere Brasil. Há entre
Portugal e o outros 24 (eram 25, com o Egipto). Basta conferir
na lista dos 193 países-membros da ONU (primeiro vem, aqui, a grafia brasileira
e depois a portuguesa): Armênia, Arménia; Belarus, Bielorrússia; Benin,
Benim; Burkina Fasso, Burkina Faso; Catar, Qatar; Cingapura, Singapura; Coréia
do Norte, Coreia do Norte; Coréia do Sul, Coreia do Sul; Eritréia, Eritreia;
Eslovênia, Eslovénia; Estônia, Estónia; Iêmen, Iémen; Irã, Irão; Letônia,
Letónia; Macedônia, Macedónia; Malauí, Malawi; Mônaco, Mónaco; Polônia, Polónia;
Quênia, Quénia; Romênia, Roménia; Timor Leste, Timor-Leste; Turcomenistão,
Turquemenistão; Vietnã, Vietname; Zimbabué, Zimbabwe. Mesmo que o acento agudo tenha desaparecido das
Coreias ou da Eritreia (tal como foi abolido no Brasil, por via do AO, em idéia
ou assembléia), ainda sobravam 21 grafias diferentes para 21 países! E isto sem falar noutras diferenças análogas,
não em países mas em cidades, que ninguém mudou nem faria qualquer sentido
mudar: Amsterdã, Amsterdão;
Copenhague, Copenhaga; Madri, Madrid; Moscou, Moscovo; Teerã, Teerão; etc. Ou
polonês por polaco, por exemplo.
Razões para mudar apenas Egipto? Talvez por haver,
entre os negociadores do acordo, um admirador da obra de Egito Gonçalves; ou
por estar ali à mão um catálogo de viagens com pirâmides. Um dia saberemos.
A
segunda história é, porventura, já muito conhecida mas é irresistível. Porque
nesta discussão de afinar grafias há quem reivindique a necessidade de
uniformizar até as áreas técnicas. Sim? Tentem o futebol. No Brasil,
desporto é esporte; equipa é equipe ou time; chuto é chute; golo é gol;
guarda-redes é goleiro; defesa central é zagueiro; médio é volante; avançado é
atacante; avançado-centro é centroavante; jornada é rodada; pontapé de baliza é
tiro de meta; pontapé de canto é tiro de esquina; meias-finais são semifinais;
poste é pau; melhores marcadores são artilheiros; relvado é gramado. Como é
possível, então, jogar futebol assim? A resposta foi dada há décadas: joga-se e
pronto.
O
que tem o dito "desporto-rei" a ver com o AO90? Isto: são ambos
feitos com os pés. Um com arte, outro sem ela.
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