sábado, 7 de maio de 2011

A falsa moral da fábula, no caso de banha da cobra

É extremamente conhecida
A fábula seguinte
Que narra Esopo
Do pastor farsante.
Quase parece
Que o que ele disse
Sobre a moral sentença,
O nosso culto merece
Por ser de justiça
Sentença não mansa.
Parece efectivamente verdadeira
- E mesmo generalizada -
Tal moral certeira.
Mas não é seguida
Por cabeça menos lida,
Inconsciente, indiferente,
Que não lê
Garrett, Eça ou Gil Vicente,
Nem vai ler,
Mesmo numa tradução
Feita com exactidão,
Este «Pastor farsante»:

«Um pastor que para longe da aldeia
O seu gado costumava levar
A pascer,
Jamais se cansava,
De, à boca cheia,
A seguinte farsa compor
Sem qualquer pudor:
Punha-se a gritar,
A chamar as gentes da aldeia
Confessando
Que os lobos ferozes atacavam
Os seus carneiros, e os dizimavam.
Das primeiras vezes
As gentes da aldeia acorreram
Assustadas, mas sempre regressaram
Enganadas.
E um dia, que os lobos realmente
Apareceram
E os carneiros dizimaram,
Por mais que ele gritasse
Pedindo à aldeia que o auxiliasse,
A aldeia em peso
Não foi acudir
Porque julgou que mais uma vez
O pastor estava a mentir
Com a habitual desfaçatez.
E assim o seu rebanho querido
Aquele perdeu,
Por ter mentido.
A fábula demonstra
Que, no mundo inteiro,
Todo aquele que mente
Com máximo desplante,
Jamais é acreditado,
Pela gente inteligente,
Mesmo que ocasionalmente
Ele seja verdadeiro.»

Ora o que eu dizia,
Anteriormente,
É que hoje em dia
Não é como antigamente.
De facto, o pastor que nos guia
Fartou-se e farta-se de mentir
E a mentir continuará,
Com grande requinte e engenho.
E não julguemos que se fartará
De as suas razões embrulhar,
Cada vez mais a troçar
Das nossas gentes por cá,
Que ao invés de lhe não acudirem
E não o escolherem,
Voltam a votar nele
Mansinhas, desgraçadinhas,
Para melhor se perderem
Nas farsas do manobrador
Aliciador, sedutor
Ganhador,
Impavidamente gritador
Sem pudor.
E tudo porque mais atrasadinhas
Do que as gentes inteligentes
Do tempo do fabulista grego
Por não aprenderem com a experiência,
Só porque lhes falta a ciência.

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