Poder é poder
Falámos em Strauss-kahn, encerrado na mesma prisão em que se encontra o português Renato Seabra, que em má hora se deixou envolver na rede perversa de um outro português, cronista da moda e da virtude no seu país, no seu convicto e profuso ataque às deficiências sociais, e que seria reconhecido – e o seu assassino assim o reconheceu e por isso o assassinou – como o mais depravado de todos os seres humanos, tartufo miserável que só uma sociedade podre aceitaria abrigar. E, sobretudo, acarinhar.
Lamentámos, uma vez mais, o pobre rapaz português de carreira e vida destruídas, que a ambição terá manipulado para, afinal, o desgraçar.
E achámos chocante a forma como igualmente foi tratado o Presidente do FMI, embora o poder monetário deste consiga imprimir uma reviravolta menos dolorosa, embora grotesca, na sua vida, do que a ausência desse poder imprimirá na vida de uma imoralidade sem sentido em que se transformará a de Renato Seabra. Por força do poder de quem pode saltar por sobre todos os obstáculos, físicos e sobretudo morais.
A minha irmã, que já esteve nos Estados Unidos, tem dos Americanos uma opinião muito severa, considerando-os brutos e ignorantes, impondo normas de grande rigor, falsamente puritanos, porque poderosos, no seu estatuto de donos do mundo. Veio à baila também o pobre do Clinton confessando em tempos, humildemente, o seu erro de adultério, talvez para continuar no poder da sua nação poderosa, perdoado pela esposa e pela sociedade, que se lembraram a tempo da parábola das pedras bíblicas para o indultarem.
Exemplificámos ainda com a Guerra do Golfo e a morte horrorosa de Saddam Hussein, com a perseguição e morte de Bin-Laden, oculto o corpo, ao que se diz, no mar salgado, com os discursos conselheirais de Obama aos ditadores norte-africanos, impondo, ameaçando, matando, conduzindo os destinos do mundo, no dorso levando o carcás bem carregado de crimes – os de Hiroshima e Nagasaqui, por exemplo, de que a retaliação de Bin-Laden nas Torres nova-iorquinas seria amostra reduzida no confronto retaliativo.
Não se pode, é certo, pedir consciência aos povos ricos ou que o julgam ser, por terem o comando do mundo. Como também não se pode pedi-la a qualquer ser que se considere rico e mesmo poderoso sem contar com o reverso. Porque as medalhas têm sempre reverso. Para toda a gente, é certo, mas alguns já estão habituados ao reverso, não estranham tanto.
Russos, Japoneses, Chineses, tudo gente poderosa, que, não contentes com o que têm, se lançaram alguma vez na conquista do que os outros têm. Foi assim desde que o mundo é mundo, e até Alexandre se estendeu por ele, muito antes dos Romanos lhe irem no encalço. E Napoleão. E Hitler. E tudo se acabou, se acabará, porque outros virão que se lhes sobreporão.
Mas voltámos ao Strauss-Khan, e àquele desgraçado rapaz, enfiado em masmorra de facínoras, sem, afinal, ser um deles.
Porque os Americanos não perdoam o erro, e a sociedade, que anda cada vez mais à cata de escândalos, transformou-se em goela putrefacta, vomitando as imundícies dos crimes e dos respectivos castigos vilipendiosos, mais quando são os países poderosos a determinar tais castigos, pese embora o contributo que eles deram a esses crimes, na sua permissividade, na sua literatura, nos seus filmes, na sua Justiça facilitadora, no seu laxismo, de uma liberdade sem regras, na animalidade dos instintos que tudo isso favoreceu. No jogo lucrativo que estabelecem com aqueles povos ou homens que depois condenam.
E veio à baila o tema dos escândalos políticos e sociais veiculados pela literatura, já do século XIX, na pena de dois extraordinários escritores coevos – o irlandês Óscar Wilde, o português Eça de Queirós.
Entre as esfuziantes comédias de Óscar Wilde, de um sabor e graça moldados por um discurso de calembur, de trocadilho, pondo tantas vezes a ridículo a sociedade sofisticada e fútil da época vitoriana, conta-se “Um Marido Ideal”, cujo tema de chantagem e provável destruição política – feita por uma bela aventureira, lady Cheveley - tem perfeita actualidade.
É lord Goring, alter ego de Wilde, como João da Ega o será de Eça, que na sua maneira provocadora, de uma graça irreverente e iconoclasta, como a de João da Ega, resolverá a situação do seu amigo chantageado – lord Robert Chiltern – marido ideal para a esposa – lady Chiltern, de uma dignidade um tanto rígida – tal como Ega será o solucionador impagável, com a chantagem cheia de verve malandra que ele próprio irá exercer sobre os dois fabricantes da destruição social do seu grande amigo Carlos da Maia – Palma Cavalão e Dâmaso Salcede, do romance "Os Maias".
Uma literatura imortal sobrepondo-se à indignidade humana a cada momento dando-se espectáculo. Felizes os que a ela têm acesso, como forma de fugir às convulsões de um mundo cada vez mais desfigurado. Mau grado o progresso. Ou por causa dele.
Falámos em Strauss-kahn, encerrado na mesma prisão em que se encontra o português Renato Seabra, que em má hora se deixou envolver na rede perversa de um outro português, cronista da moda e da virtude no seu país, no seu convicto e profuso ataque às deficiências sociais, e que seria reconhecido – e o seu assassino assim o reconheceu e por isso o assassinou – como o mais depravado de todos os seres humanos, tartufo miserável que só uma sociedade podre aceitaria abrigar. E, sobretudo, acarinhar.
Lamentámos, uma vez mais, o pobre rapaz português de carreira e vida destruídas, que a ambição terá manipulado para, afinal, o desgraçar.
E achámos chocante a forma como igualmente foi tratado o Presidente do FMI, embora o poder monetário deste consiga imprimir uma reviravolta menos dolorosa, embora grotesca, na sua vida, do que a ausência desse poder imprimirá na vida de uma imoralidade sem sentido em que se transformará a de Renato Seabra. Por força do poder de quem pode saltar por sobre todos os obstáculos, físicos e sobretudo morais.
A minha irmã, que já esteve nos Estados Unidos, tem dos Americanos uma opinião muito severa, considerando-os brutos e ignorantes, impondo normas de grande rigor, falsamente puritanos, porque poderosos, no seu estatuto de donos do mundo. Veio à baila também o pobre do Clinton confessando em tempos, humildemente, o seu erro de adultério, talvez para continuar no poder da sua nação poderosa, perdoado pela esposa e pela sociedade, que se lembraram a tempo da parábola das pedras bíblicas para o indultarem.
Exemplificámos ainda com a Guerra do Golfo e a morte horrorosa de Saddam Hussein, com a perseguição e morte de Bin-Laden, oculto o corpo, ao que se diz, no mar salgado, com os discursos conselheirais de Obama aos ditadores norte-africanos, impondo, ameaçando, matando, conduzindo os destinos do mundo, no dorso levando o carcás bem carregado de crimes – os de Hiroshima e Nagasaqui, por exemplo, de que a retaliação de Bin-Laden nas Torres nova-iorquinas seria amostra reduzida no confronto retaliativo.
Não se pode, é certo, pedir consciência aos povos ricos ou que o julgam ser, por terem o comando do mundo. Como também não se pode pedi-la a qualquer ser que se considere rico e mesmo poderoso sem contar com o reverso. Porque as medalhas têm sempre reverso. Para toda a gente, é certo, mas alguns já estão habituados ao reverso, não estranham tanto.
Russos, Japoneses, Chineses, tudo gente poderosa, que, não contentes com o que têm, se lançaram alguma vez na conquista do que os outros têm. Foi assim desde que o mundo é mundo, e até Alexandre se estendeu por ele, muito antes dos Romanos lhe irem no encalço. E Napoleão. E Hitler. E tudo se acabou, se acabará, porque outros virão que se lhes sobreporão.
Mas voltámos ao Strauss-Khan, e àquele desgraçado rapaz, enfiado em masmorra de facínoras, sem, afinal, ser um deles.
Porque os Americanos não perdoam o erro, e a sociedade, que anda cada vez mais à cata de escândalos, transformou-se em goela putrefacta, vomitando as imundícies dos crimes e dos respectivos castigos vilipendiosos, mais quando são os países poderosos a determinar tais castigos, pese embora o contributo que eles deram a esses crimes, na sua permissividade, na sua literatura, nos seus filmes, na sua Justiça facilitadora, no seu laxismo, de uma liberdade sem regras, na animalidade dos instintos que tudo isso favoreceu. No jogo lucrativo que estabelecem com aqueles povos ou homens que depois condenam.
E veio à baila o tema dos escândalos políticos e sociais veiculados pela literatura, já do século XIX, na pena de dois extraordinários escritores coevos – o irlandês Óscar Wilde, o português Eça de Queirós.
Entre as esfuziantes comédias de Óscar Wilde, de um sabor e graça moldados por um discurso de calembur, de trocadilho, pondo tantas vezes a ridículo a sociedade sofisticada e fútil da época vitoriana, conta-se “Um Marido Ideal”, cujo tema de chantagem e provável destruição política – feita por uma bela aventureira, lady Cheveley - tem perfeita actualidade.
É lord Goring, alter ego de Wilde, como João da Ega o será de Eça, que na sua maneira provocadora, de uma graça irreverente e iconoclasta, como a de João da Ega, resolverá a situação do seu amigo chantageado – lord Robert Chiltern – marido ideal para a esposa – lady Chiltern, de uma dignidade um tanto rígida – tal como Ega será o solucionador impagável, com a chantagem cheia de verve malandra que ele próprio irá exercer sobre os dois fabricantes da destruição social do seu grande amigo Carlos da Maia – Palma Cavalão e Dâmaso Salcede, do romance "Os Maias".
Uma literatura imortal sobrepondo-se à indignidade humana a cada momento dando-se espectáculo. Felizes os que a ela têm acesso, como forma de fugir às convulsões de um mundo cada vez mais desfigurado. Mau grado o progresso. Ou por causa dele.
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