quarta-feira, 18 de maio de 2011

De pouco valeria

- Não tem nada para me dizer hoje?
- Deus me livre!
A minha amiga acha que eu deturpo ou descontextualizo muitas vezes o seu pensamento, e foi por isso que se mostrou renitente.

Ou então é porque receia os castigos divinos causados pelas incúrias nacionais no capítulo da rodovia, bastas vezes esventrada, de pedregulho solto. Receia, sobretudo, quedas, até porque tem a mania do tacão alto que lhe protege a elegância natural, ressalvada a indignidade das topadas nas pedras.
Mas não resistiu. Lançou imediatamente a bomba de outro milagre do Papa: A rainha da Inglaterra, pela primeira vez na Irlanda, em visita oficial ao país não só vizinho, mas fazendo parte do dela. Só por milagre isso podia ter acontecido.
Eu considerei que a minha amiga, como achava que o Papa precisava de mais milagres para melhor expressão da sua santidade, tratava de lhe atribuir mais esse do ineditismo da presença da rainha inglesa na Irlanda, para o cômputo, mas eu, que também sou dada a credulidades, achei igualmente coisa de mistério assinalável a coincidência de dois clubes nossos a jogarem na final da Taça UEFA, logo no mesmo sítio da rainha, por muito que a visita desta só prejudicasse o nosso milagre de protagonismo na taça, além da perda de espectadores motivada por ser só um país – ainda para mais na bancarrota – a jogar. Conquanto as entrevistas da Tânia - deslocada à Irlanda para o efeito exaltador da pátria - aos adeptos dos dois clubes, chegados de várias partes do mundo, nos revele que o reconhecimento da nossa presença exaltada se vai sentir lá fora, por muito que tal ruído possa ter um sentido negativo para o orgulho discreto de alguns de nós.
E a conversa desviou-se para a questão da bancarrota. Disse a minha amiga “ipsis verbis”, não desejo mais merecer as suas críticas por qualquer erro meu a respeito do que ela diga:
- E nós cá vamos, cantando e rindo, o PM a dar boas notícias aos portugueses. Ele nem sequer se convence de que não há dinheiro. Para ele, até hoje, ainda não acabou o dinheiro.
Defendi o ponto de vista sobre a capacidade daquele de dinamização do seu eleitorado, pelo truque da difusão da confiança popular na honestidade das suas promessas optimistas, mas a minha amiga não me deixou desenvolver:
- Desde o 25 de Abril, gasta-se dinheiro na promoção deles. É fazer jantares de encontros, e caminhadas, e presentes a aliciar eleitores, e os jovens que também lá vão, há trinta e tal anos que se faz isto. E o país na bancarrota. Parece que é surpresa o termos chegado à bancarrota. Já se ouve dizer: “Tinha que acontecer. Nós não produzimos, só importamos.” Agora é que já sabem tudo. Até que ano vai estar em bancarrota. Cada ano pioramos. E os especialistas sabem. Só se ouvem especialistas que sabem. Mas ninguém advertiu antes. Também de pouco valeria…
E logo a pátria se nos apresentou como cadáver de rês esventrada por abutres ou outros quaisquer animais da selva, esfomeados de roda dele, devorando.


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