Mais um
texto que gostaria de fixar no meu blog. É de Adriano
Miranda Lima e é sobre o mesmo problema do sofrimento, saído no blog “A Bem da
Nação”:
AÍNDA A SOFRER...
É sempre um regalo para o
espírito ler as reflexões do Dr. Salles da Fonseca, que desta feita nos remete
para a questão do mal e do “sofrimento” que o fenómeno acarreta para a criatura
humana. Gostei do que li mas não tardei a perceber que a conclusão final só faz
sentido para quem acredita na transcendência, que o autor sintetiza
parcialmente nesta constatação: “O sofrimento é o preço individual a pagar para
que a Humanidade possa alcançar a verdade”. Como não sou crente, caso é para
pegar nas próprias citações de Pascal e do arcebispo Veuillot transcritas. O
primeiro afirmou, que “o homem é um nada relativamente ao tudo, um meio entre
nada e tudo.
Infinitamente afastado de
compreender os extremos, o fim das coisas e o seu princípio estão para ele
invencivelmente escondidos num segredo impenetrável, igualmente incapaz de ver
o nada de onde foi tirado e o infinito no qual está mergulhado”. Percebe-se,
assim, naquelas palavras, que, incapaz de desvendar o “segredo impenetrável”,
ao homem não resta outro remédio senão “sofrer” para lá chegar e acalentar “fé
e esperança” de um dia conseguir esse desiderato. Mas se um dia alcançar esse
privilégio, será que irá ficar mais capacitado para perceber e aceitar os
caminhos curvilíneos de Deus? Desconfio que Pascal não acreditava minimamente
nessa possibilidade.
Quanto ao arcebispo, é
lícito perguntar que luz terá ele visto nas suas horas derradeiras. Ao mandar
calar os padres, dá ideia de que percebeu alguma coisa que não quis
exteriorizar completamente. Embora possa traduzir-se na sua expressão tão-só o
reconhecimento pessoal (e experiencial) de uma dimensão incomensurável do
sofrimento, pode, no entanto, perguntar-se se o arcebispo não terá duvidado da
utilidade daquele como instrumento para compreender ou chegar a Deus.
E então socorro-me de
Espinoza quando ele considera que o mal não o é necessariamente em relação à
ordem e às leis da natureza universal, mas apenas em relação à nossa própria
natureza. No pensamento de Espinoza, para Deus não faria sentido a distinção
entre o bem e o mal, dado que essa distinção restringe-se às finalidades das
criaturas finitas. Deus está a cima disso tudo, e é em vão que tentamos uma
solução para os nossos males apelando à sua bondade.
Uma linda borboleta
encanta o nosso olhar numa radiosa manhã primaveril e eis que um predador alado
trespassa subitamente o ar e num ápice ceifa a sua existência. O acaso do
aparecimento do predador nesse momento e locais precisos não pertencerá à mesma
ordem de leis que determinam a doença oncológica? Em ambas as situações, nós,
seres sensíveis, somos invadidos de comoção e o sofrimento pela dor alheia é
exactamente o reflexo da nossa incompreensão. Somos levados a sentir que não há
um desígnio superior a impor o mal, apenas acaso.
O sofrimento pelo mal do
nosso semelhante destroça-nos, mas é incrível a nossa capacidade de arquivar as
cicatrizes da alma assim como a nossa facilidade em descortinar escalas
diferentes para a aceitação do mal.
Aquela jovem mãe de dois
gémeos de 6 meses de gestação que morreu há poucos dias na maternidade Alfredo
da Costa, impressionou-me imenso pelo caso em si e porque me trouxe a lembrança
o parto da minha filha (felizmente, bem sucedido) com a mesma idade (36 anos).
Ao ceifar a vida de uma mãe (juntamente com os seus dois gémeos) que apenas
queria cumprir-se integralmente como ser, que lenitivo pode colher-se destas
palavras: “Deus escreve direito por linhas tortas”?
Mas, enfim, ao pensar que
noutros lugares deste mundo perecem mulheres anónimas todos os dias em
idênticas circunstâncias, então reconhecemos que é variável a escala em que o
mal se exerce, e é o curto o tempo em que o sofrimento moral assola a nossa
alma. É enquanto não entra nas estatística
Obrigado, Dr. Salles da
Fonseca, e perdoar-me-á que eu derive de si na questão que lhe é mais
essencial. Adriano Miranda Lima
Sem dúvida, dois belos textos, o de Salles da Fonseca, e o de
Adriano Miranda Lima sobre o problema do Mal e a questão da Fé, que o primeiro não
põe em causa, apesar da revolta contra a injustiça daquele, centrando na
esperança e na partilha da pena a consolação amiga, embora de escasso refúgio,
e o segundo, seguindo doutrinas mais positivistas, encarando o Mal, tal como o
Bem, como condição aliada ao sentido vital da existência.
Ninguém, todavia, mais positivo ou mais frágil, consegue provar
em definitivo a sua verdade, creia ou não numa entidade teológica responsável
pelo universo criado, que o “roseau pensant” imaginou desde as suas origens,
registadas na pedra.
O certo é que o Bem que nos protege pode contribuir para um íntimo
sentir de gratidão, tal como o Mal, passada a revolta, de aceitação solidária
com tantos mais exemplos desse e o sentimento de humildade que todos devíamos
ter presente no breve espaço do nosso trânsito terrestre.
Mas lembremos Cesário e o final do extraordinário poema- (sinfonia
em quatro andamentos) - “O sentimento dum Ocidental” com a sua acutilante
sensibilidade ao mundo real e ao universo transcendental, peculiar ao Homem, mas
de expressividade particular a Cesário Verde:
E, enorme, nesta massa irregular
De prédios sepulcrais, com dimensões de montes,
A Dor humana busca os amplos horizontes,
E tem marés de fel como um sinistro mar!
De prédios sepulcrais, com dimensões de montes,
A Dor humana busca os amplos horizontes,
E tem marés de fel como um sinistro mar!
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