segunda-feira, 12 de agosto de 2013

“A Dor humana busca os amplos horizontes”


Mais um texto que gostaria de fixar no meu blog. É de Adriano Miranda Lima e é sobre o mesmo problema do sofrimento, saído no blog “A Bem da Nação”:
 
AÍNDA A SOFRER...
É sempre um regalo para o espírito ler as reflexões do Dr. Salles da Fonseca, que desta feita nos remete para a questão do mal e do “sofrimento” que o fenómeno acarreta para a criatura humana. Gostei do que li mas não tardei a perceber que a conclusão final só faz sentido para quem acredita na transcendência, que o autor sintetiza parcialmente nesta constatação: “O sofrimento é o preço individual a pagar para que a Humanidade possa alcançar a verdade”. Como não sou crente, caso é para pegar nas próprias citações de Pascal e do arcebispo Veuillot transcritas. O primeiro afirmou, que “o homem é um nada relativamente ao tudo, um meio entre nada e tudo.
Infinitamente afastado de compreender os extremos, o fim das coisas e o seu princípio estão para ele invencivelmente escondidos num segredo impenetrável, igualmente incapaz de ver o nada de onde foi tirado e o infinito no qual está mergulhado”. Percebe-se, assim, naquelas palavras, que, incapaz de desvendar o “segredo impenetrável”, ao homem não resta outro remédio senão “sofrer” para lá chegar e acalentar “fé e esperança” de um dia conseguir esse desiderato. Mas se um dia alcançar esse privilégio, será que irá ficar mais capacitado para perceber e aceitar os caminhos curvilíneos de Deus? Desconfio que Pascal não acreditava minimamente nessa possibilidade.
Quanto ao arcebispo, é lícito perguntar que luz terá ele visto nas suas horas derradeiras. Ao mandar calar os padres, dá ideia de que percebeu alguma coisa que não quis exteriorizar completamente. Embora possa traduzir-se na sua expressão tão-só o reconhecimento pessoal (e experiencial) de uma dimensão incomensurável do sofrimento, pode, no entanto, perguntar-se se o arcebispo não terá duvidado da utilidade daquele como instrumento para compreender ou chegar a Deus.
E então socorro-me de Espinoza quando ele considera que o mal não o é necessariamente em relação à ordem e às leis da natureza universal, mas apenas em relação à nossa própria natureza. No pensamento de Espinoza, para Deus não faria sentido a distinção entre o bem e o mal, dado que essa distinção restringe-se às finalidades das criaturas finitas. Deus está a cima disso tudo, e é em vão que tentamos uma solução para os nossos males apelando à sua bondade.
Uma linda borboleta encanta o nosso olhar numa radiosa manhã primaveril e eis que um predador alado trespassa subitamente o ar e num ápice ceifa a sua existência. O acaso do aparecimento do predador nesse momento e locais precisos não pertencerá à mesma ordem de leis que determinam a doença oncológica? Em ambas as situações, nós, seres sensíveis, somos invadidos de comoção e o sofrimento pela dor alheia é exactamente o reflexo da nossa incompreensão. Somos levados a sentir que não há um desígnio superior a impor o mal, apenas acaso.
O sofrimento pelo mal do nosso semelhante destroça-nos, mas é incrível a nossa capacidade de arquivar as cicatrizes da alma assim como a nossa facilidade em descortinar escalas diferentes para a aceitação do mal.
Aquela jovem mãe de dois gémeos de 6 meses de gestação que morreu há poucos dias na maternidade Alfredo da Costa, impressionou-me imenso pelo caso em si e porque me trouxe a lembrança o parto da minha filha (felizmente, bem sucedido) com a mesma idade (36 anos). Ao ceifar a vida de uma mãe (juntamente com os seus dois gémeos) que apenas queria cumprir-se integralmente como ser, que lenitivo pode colher-se destas palavras: “Deus escreve direito por linhas tortas”?
Mas, enfim, ao pensar que noutros lugares deste mundo perecem mulheres anónimas todos os dias em idênticas circunstâncias, então reconhecemos que é variável a escala em que o mal se exerce, e é o curto o tempo em que o sofrimento moral assola a nossa alma. É enquanto não entra nas estatística
Obrigado, Dr. Salles da Fonseca, e perdoar-me-á que eu derive de si na questão que lhe é mais essencial. Adriano Miranda Lima
Sem dúvida, dois belos textos, o de Salles da Fonseca, e o de Adriano Miranda Lima sobre o problema do Mal e a questão da Fé, que o primeiro não põe em causa, apesar da revolta contra a injustiça daquele, centrando na esperança e na partilha da pena a consolação amiga, embora de escasso refúgio, e o segundo, seguindo doutrinas mais positivistas, encarando o Mal, tal como o Bem, como condição aliada ao sentido vital da existência.
Ninguém, todavia, mais positivo ou mais frágil, consegue provar em definitivo a sua verdade, creia ou não numa entidade teológica responsável pelo universo criado, que o “roseau pensant” imaginou desde as suas origens, registadas na pedra.
O certo é que o Bem que nos protege pode contribuir para um íntimo sentir de gratidão, tal como o Mal, passada a revolta, de aceitação solidária com tantos mais exemplos desse e o sentimento de humildade que todos devíamos ter presente no breve espaço do nosso trânsito terrestre.
Mas lembremos Cesário e o final do extraordinário poema- (sinfonia em quatro andamentos) -O sentimento dum Ocidental” com a sua acutilante sensibilidade ao mundo real e ao universo transcendental, peculiar ao Homem, mas de expressividade particular a Cesário Verde:
E, enorme, nesta massa irregular
De prédios sepulcrais, com dimensões de montes,
A Dor humana busca os amplos horizontes,
E tem marés de fel como um sinistro mar!
 

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