terça-feira, 20 de agosto de 2013

A opção


Um texto cheio de graça, que me chegou por email, de Helena Sacadura Cabral.

E assim nos desenha, no pedantismo de uma linguagem, ora de afectos, dentro do conceito de humanismo igualitário de aproximação das classes – e é de crer seja pertença de uma esquerda sensível à dor e distribuidora de proximidades – laborais e outras – e comiserações dignas das nossas inclinações de religiosidade em Cristo – para com as populações humildes a quem se quer distribuir o reino terrestre, que o celeste lhes está garantido – e em contrapartida com as exaltações para com as elites das suas sanções – ora de uma linguagem de cultura e de primor, tanto da direita como da esquerda intelectuais, dadas às leituras dos livros técnicos e dos jornais estrangeiros, denunciantes de uma investigação prévia que nos serve de bandeja, para fazermos figura sem esforço de maior, nos nossos escritos e discursos.

          Mas de facto o novo-riquismo linguístico não é exclusivo nosso, como bem acentua Helena Sacadura Cabral, que situa os inícios do “fartote pegado” do linguajar sedutor, ou do “politicamente correcto”, por alturas das mudanças humanitárias na USA relativamente à designação para os seus pretos – os “afro-americanos” do seu disfarce anti-racista - por altura, pois, dos anos 60 dos Kennedys e dos Luther Kings, semeadores, como Cristo, das certezas fraternas – o seu continente excluído, todavia, da seara – e dos sonhos condenatórios das “Cabanas do Pai Tomás”.

Não é, pois, só pecha nossa este novo-riquismo da intelectualidade e da fraternidade linguísticas. Aliás, se alguma coisa criámos, nós, “Portugueses, poucos quanto fortes”, não foi, certamente, o altruísmo das modernas demagogias, apesar de sermos inclinados à lamechice e até de termos “dilatado a lei da vida eterna” segundo a visão optimista camoniana. Os ideólogos da fraternidade fundamentam-se em estudos e filosofias mais ou menos racionais e nós não possuímos tantos pensadores assim, mais em união com as exterioridades do passa-culpas estridente e libertador das nossas próprias responsabilidades nos casos dos dislates nacionais.

Mas o novo-riquismo é característico de todos os provincianismos como já o demonstraram as famosas “Preciosas Ridículas” de Molière, Magdelon e Cathos, chegadas da terra com muitos requintes de linguagem e desdéns  nos afectos, prova das suas competências e vaidades, equiparáveis às dos nobres requestadores, indecentemente vingativos.

Sejamos, pois, bons provincianos, na imitação dos bons sentimentos e das boas ideias traduzidos nos amaneiramentos linguísticos da nossa postura moral e social. Viva o nosso provincianismo no postiço do linguajar ou outro qualquer.

Trata-se do velho antagonismo entre o ser e o parecer e das nossas opções.

O texto de Helena Sacadura Cabral, explícito em relação ao  nosso ser, é bem revelador da nossa opção:

 

«Hoje não se fala português...linguareja-se!»

 

«NOVA LÍNGUA PORTUGUESA...IMPERDÍVEL,

Por Helena Sacadura Cabral.utilizada frequentemente em "ciências de educação" ...

Desde que os americanos se lembraram de começar a chamar aos pretos 'afro-americanos',com vista a acabar com as raças por via gramatical, isto tem sido um fartote pegado! As criadas dos anos 70 passaram a 'empregadas domésticas' e preparam-se agora para receber a menção de 'auxiliares de apoio doméstico' .

De igual modo, extinguiram-se nas escolas os 'contínuos' que passaram todos a 'auxiliares da acção educativa' e agora são 'assistentes operacionais'.

Os vendedores de medicamentos, com alguma prosápia, tratam-se por 'delegados de informação médica'.

E pelo mesmo processo transmudaram-se os caixeiros-viajantes em 'técnicos de vendas'.

O aborto eufemizou-se em 'interrupção voluntária da gravidez';

Os gangs étnicos são 'grupos de jovens'

Os operários fizeram-se de repente 'colaboradores';

As fábricas, essas, vistas de dentro são 'unidades produtivas' e vistas da estranja são 'centros de decisão nacionais'.

O analfabetismo desapareceu da crosta portuguesa, cedendo o passo à 'iliteracia' galopante. Desapareceram dos comboios as 1.ª e 2.ª classes, para não ferir a susceptibilidade social das massas hierarquizadas, mas por imperscrutáveis necessidades de tesouraria continuam a cobrar-se preços distintos nas classes 'Conforto' e 'Turística'.

A Ágata, rainha do pimba, cantava chorosa: «Sou mãe solteira...» ; agora, se quiser acompanhar os novos tempos, deve alterar a letra da pungente melodia: «Tenho uma família monoparental...» - eis o novo verso da cançoneta, se quiser fazer jus à modernidade impante.

Aquietadas pela televisão, já se não vêem por aí aos pinotes crianças irrequietas e «terroristas»; diz-se modernamente que têm um 'comportamento disfuncional hiperactivo' Do mesmo modo, e para felicidade dos 'encarregados de educação' , os brilhantes programas escolares extinguiram os alunos cábulas; tais estudantes serão, quando muito, 'crianças de desenvolvimento instável'.

Ainda há cegos, infelizmente. Mas como a palavra fosse considerada desagradável e até aviltante, quem não vê é considerado 'invisual'. (O termo é gramaticalmente impróprio, como impróprio seria chamar inauditivos aos surdos - mas o 'politicamente correcto' marimba-se para as regras gramaticais...)

As p.... passaram a ser 'senhoras de alterne'.

Para compor o ramalhete e se darem ares, as gentes cultas da praça desbocam-se em 'implementações', 'posturas pró-activas', 'políticas fracturantes' e outros barbarismos da linguagem. E assim linguajamos o Português, vagueando perdidos entre a «correcção política» e o novo-riquismo linguístico.

Estamos "tramados" com este 'novo português'; não admira que o pessoal tenha cada vez mais esgotamentos e stress. Já não se diz o que se pensa, tem de se pensar o que se diz de forma 'politicamente correcta'.»

 

 

Nenhum comentário: