Um texto
cheio de graça, que me chegou por email,
de Helena Sacadura Cabral.
E assim
nos desenha, no pedantismo de uma linguagem, ora de afectos, dentro do conceito
de humanismo igualitário de aproximação das classes – e é de crer seja pertença
de uma esquerda sensível à dor e distribuidora de proximidades – laborais e
outras – e comiserações dignas das nossas inclinações de religiosidade em
Cristo – para com as populações humildes a quem se quer distribuir o reino
terrestre, que o celeste lhes está garantido – e em contrapartida com as
exaltações para com as elites das suas sanções – ora de uma linguagem de
cultura e de primor, tanto da direita como da esquerda intelectuais, dadas às
leituras dos livros técnicos e dos jornais estrangeiros, denunciantes de uma
investigação prévia que nos serve de bandeja, para fazermos figura sem esforço
de maior, nos nossos escritos e discursos.
Mas de facto o novo-riquismo
linguístico não é exclusivo nosso, como bem acentua Helena Sacadura Cabral, que
situa os inícios do “fartote pegado” do linguajar sedutor, ou do “politicamente
correcto”, por alturas das mudanças humanitárias na USA relativamente à
designação para os seus pretos – os “afro-americanos” do seu disfarce
anti-racista - por altura, pois, dos anos 60 dos Kennedys e dos Luther Kings,
semeadores, como Cristo, das certezas fraternas – o seu continente excluído,
todavia, da seara – e dos sonhos condenatórios das “Cabanas do Pai Tomás”.
Não
é, pois, só pecha nossa este novo-riquismo da intelectualidade e da
fraternidade linguísticas. Aliás, se alguma coisa criámos, nós, “Portugueses,
poucos quanto fortes”, não foi, certamente, o altruísmo das modernas demagogias,
apesar de sermos inclinados à lamechice e até de termos “dilatado a lei da
vida eterna” segundo a visão optimista camoniana. Os ideólogos da fraternidade
fundamentam-se em estudos e filosofias mais ou menos racionais e nós não
possuímos tantos pensadores assim, mais em união com as exterioridades do
passa-culpas estridente e libertador das nossas próprias responsabilidades nos
casos dos dislates nacionais.
Mas
o novo-riquismo é característico de todos os provincianismos como já o
demonstraram as famosas “Preciosas Ridículas” de Molière, Magdelon e Cathos,
chegadas da terra com muitos requintes de linguagem e desdéns nos afectos, prova das suas competências e
vaidades, equiparáveis às dos nobres requestadores, indecentemente vingativos.
Sejamos,
pois, bons provincianos, na imitação dos bons sentimentos e das boas ideias
traduzidos nos amaneiramentos linguísticos da nossa postura moral e social. Viva o nosso provincianismo no postiço do linguajar ou outro qualquer.
Trata-se do velho antagonismo entre o ser e o parecer e das nossas opções.
Trata-se do velho antagonismo entre o ser e o parecer e das nossas opções.
O
texto de Helena Sacadura Cabral, explícito em relação ao nosso ser, é bem revelador da nossa opção:
«Hoje não se fala
português...linguareja-se!»
«NOVA LÍNGUA PORTUGUESA...IMPERDÍVEL,
Por Helena Sacadura Cabral.utilizada
frequentemente em "ciências de educação" ...
Desde que os americanos se lembraram de
começar a chamar aos pretos 'afro-americanos',com vista a acabar com as raças
por via gramatical, isto tem sido um fartote pegado! As criadas dos anos 70
passaram a 'empregadas domésticas' e preparam-se agora para receber a menção de
'auxiliares de apoio doméstico' .
De igual modo, extinguiram-se nas escolas
os 'contínuos' que passaram todos a 'auxiliares da acção educativa' e agora são
'assistentes operacionais'.
Os vendedores de medicamentos, com alguma
prosápia, tratam-se por 'delegados de informação médica'.
E pelo mesmo processo transmudaram-se os
caixeiros-viajantes em 'técnicos de vendas'.
O aborto eufemizou-se em 'interrupção
voluntária da gravidez';
Os gangs étnicos são 'grupos de jovens'
Os operários fizeram-se de repente
'colaboradores';
As fábricas, essas, vistas de dentro são
'unidades produtivas' e vistas da estranja são 'centros de decisão nacionais'.
O analfabetismo desapareceu da crosta
portuguesa, cedendo o passo à 'iliteracia' galopante. Desapareceram dos comboios
as 1.ª e 2.ª classes, para não ferir a susceptibilidade social das massas
hierarquizadas, mas por imperscrutáveis necessidades de tesouraria continuam a
cobrar-se preços distintos nas classes 'Conforto' e 'Turística'.
A Ágata, rainha do pimba, cantava chorosa:
«Sou mãe solteira...» ; agora, se quiser acompanhar os novos tempos, deve
alterar a letra da pungente melodia: «Tenho uma família monoparental...» - eis
o novo verso da cançoneta, se quiser fazer jus à modernidade impante.
Aquietadas pela televisão, já se não vêem
por aí aos pinotes crianças irrequietas e «terroristas»; diz-se modernamente
que têm um 'comportamento disfuncional hiperactivo' Do mesmo modo, e para
felicidade dos 'encarregados de educação' , os brilhantes programas escolares
extinguiram os alunos cábulas; tais estudantes serão, quando muito, 'crianças
de desenvolvimento instável'.
Ainda há cegos, infelizmente. Mas como a
palavra fosse considerada desagradável e até aviltante, quem não vê é
considerado 'invisual'. (O termo é gramaticalmente impróprio, como impróprio
seria chamar inauditivos aos surdos - mas o 'politicamente correcto' marimba-se
para as regras gramaticais...)
As p.... passaram a ser 'senhoras de
alterne'.
Para compor o ramalhete e se darem ares,
as gentes cultas da praça desbocam-se em 'implementações', 'posturas
pró-activas', 'políticas fracturantes' e outros barbarismos da linguagem. E
assim linguajamos o Português, vagueando perdidos entre a «correcção política»
e o novo-riquismo linguístico.
Estamos "tramados" com este
'novo português'; não admira que o pessoal tenha cada vez mais esgotamentos e
stress. Já não se diz o que se pensa, tem de se pensar o que se diz de forma
'politicamente correcta'.»
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