Um texto do Dr. João César das Neves sobre uma
história aparentemente recente, uma história de triunfos com que coloriu um
passado inscrito sete anos atrás, uma história de derrapagem, abrangendo todos
os quadrantes das actuações posteriores, com reflexos na moral e nos costumes. No
fundo, uma história de fadas transposta ao passado próximo, uma história de
bruxas malfazejas num presente cada vez mais arredado dos valores éticos como
dos valores económicos, caído no fosso das nossas sujeiras corruptas, sem
retorno.
Diríamos que este presente de
tão feia catadura tem vindo a ser carinhosamente preparado, não há sete mas há
quase quarenta anos, que a aparência de realização – e houve outros momentos de bons
êxitos, durante o percurso – se deveu aos auxílios económicos exteriores que,
se ajudaram na composição de novas paisagens físicas e no desenvolvimento do
campo cultural e social – também contribuíram para o esfacelar de convenções e
para enterrar o país na teia de uma dívida monstruosa, com muitos a contribuir
para a tornar insolúvel.
Assim, os sete anos de Jacob servindo Raquel,
prolongados, após a perfídia de Labão, (de lhe dar Lia para esposa, numa troca
feita às escuras), em outros sete e até mais, “se não fora para tão longo
amor tão curta a vida”, bem podemos prolongá-los indefinidamente, tal como fez
António Variações, boa imagem da nação a desmoronar-se, mas nunca desistindo, imagem de excepcional recorte, a do cantor e poeta, ambos indestrutíveis:
………..………………………………..«Esta insatisfação
Não consigo compreender
Sempre esta sensação
Que estou a perder
Tenho pressa de sair
Quero sentir ao chegar
Vontade de partir
P’ra outro lugar
Vou
continuar a procurar o meu mundo, o meu lugar
Porque
até aqui eu sóEstou bem
Aonde não estou
Porque eu só estou bem
Aonde eu não vou
Porque eu só estou bem
Aonde não estou
Porque eu só estou bem
Aonde não vou
Porque eu só estou bem
Aonde não estou»
SETE ANOS
Quem se lembra do Verão de 2006? Portugal foi
quarto no campeonato do mundo de futebol; a economia crescia 1,4%, o desemprego
era 7,4%. Nasciam mais pessoas do que morriam e os casamentos eram o dobro dos
divórcios. Só há sete anos. Como tudo mudou tanto!
Dois factos dominaram este período. O mais visível é económico-financeiro: o país, então já atascado em dívida, caiu de bêbado em 2011 e debate-se na terrível ressaca. A coberto desta, veio a segunda evolução, mais decisiva: um devastador assalto à cultura e sociedade portuguesas em nome da liberdade sexual, com extremistas capturando e distorcendo elementos centrais da alma lusitana. A bebedeira financeira cura-se em menos de sete anos, mas a investida lasciva será pavorosa por décadas.
Foi no Verão de 2006 que começou a demolição
das leis básicas da identidade nacional que trouxeram Portugal de uma posição
mundial equilibrada ao extremo desmiolado na regulamentação familiar. A
primeira foi a Lei 32/2006 de 26 de Julho da reprodução artificial.
Seguiu-se a liberalização e subsidiação do
aborto (Lei 16/2007 de 17/4 e Portaria 741-A/2007 de 21/6), banalização do
divórcio (Lei 61/2008 de 31/10), educação sexual laxista (Lei 60/2009 de 6/8),
casamento entre pessoas do mesmo sexo (Lei 9/2010 de 31/5), mudança do sexo
(Lei n.º 7/2011 de 15/3), entre outras.
Enquanto noutros países estes assuntos criavam
profundos e longos debates, por cá deu-se o triunfo súbito do fundamentalismo
extremista. Embrulhados em manigâncias capitalistas, os Governos precisavam de
fingir progressismo na ideologia familiar. A sociedade assustada adoptou a
posição cómoda e irresponsável de tolerar a libertinagem. As forças de defesa
da família, em particular a Igreja Católica, suportaram derrota atrás de
derrota fragorosa.
Deste modo irresponsável, o país alinhou em
poucos anos as suas leis básicas por caprichos de fanáticos, ultrapassando a
toda a velocidade os países civilizados, alguns dos quais já em sentido
inverso. Portugal tornou-se um paraíso mundial de comportamentos desviantes e
perversos. Não admira o colapso do casamento, ausência de fertilidade,
envelhecimento galopante, multiplicação de patologias sociais. Em 2011 os
casamentos foram só mais 34% que os divórcios e houve menos 6000 nascimentos
que óbitos. A geração anterior desequilibrou as finanças em quinze anos; esta desequilibrou-se
a si mesma em sete.
A História mostra duas coisas. A primeira é
que movimentos súbitos, com tal rapidez e profundidade, nunca param antes do
abismo.
Com extremistas no controlo da dinâmica, a
coisa irá até ao absurdo. Sorveremos a infâmia até à última gota. Todos os dias
aumentam aqueles que, tendo começado por defender as novidades, agora se
arrependem vendo os resultados. Mas a escalada não abranda, atingindo já os
temas de requinte, como a co-adopção por casais do mesmo sexo, que em fases
anteriores muitos dos próprios activistas prometiam nunca acontecer.
A espiral devoradora exige-o, como exigirá as
vergonhas seguintes.
Provando que uma loucura nunca fica a meio, a
História ensina ainda que casos destes servem de vacina para a humanidade.
Quando a Rússia em 1917 aceitou que extremistas dominassem a sua economia,
destruiu para sempre o atractivo intelectual do marxismo. Sem essa experiência,
hoje o sistema comunista ainda seria perigoso, o PCP não estaria residual nem
esconderia a ditadura do proletariado. O desprestígio das ideologias racistas
deve-se também ao facto de a Alemanha ter dado em 1933 o poder a esses
radicais, revelando ao mundo o seu horror. As sociedades que se deixam
controlar por teses aberrantes destroem-se a si mesmas por várias gerações, mas
prestam um serviço à humanidade.
Nos sete anos desde o Verão de 2006 Portugal
enveredou por caminhos anarquistas nos campos financeiro e familiar. São já bem
claros os efeitos dessas opções, mas ainda não se vê o fim do caminho que, pelo
menos no segundo, deve demorar mais de sete anos. Resta-nos o consolo de o
futuro vir a aprender com os nossos horrores.
22 de Julho de 2013
Continuemos, pois,
seguindo o conselho do Dr. Salles, e sempre por amor da Nação. Com mais
optimismo e mais fé em nós, sabendo, como muitos outros, que é necessário saldar a dívida.
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