Nem pensar.
Pelo menos, se bem me lembro, nos meus tempos do liceu, as turmas
conservavam-se coesas, A B, C, com os mesmos alunos do ano anterior,
naturalmente com mexidas específicas, resultantes de reprovações de alguns
alunos e chegada de outros. Também muitas vezes os professores se mantinham, em
anos sequenciais, o que não seria de grande vantagem se o professor se mostrava
menos escrupuloso na sua competência e empenhamento.
A minha
estreia na docência revelou-me que aos professores eventuais estavam reservados
os primeiros anos – o Ciclo Preparatório – excepto, talvez, as excepções da
regra. O facto é que, durante a minha vida em África, fui dando explicações,
muitas delas de literaturas portuguesa e francesa, para colmatar dificuldades
de governação doméstica e talvez também para preencher a minha ânsia de saber,
limitado que fosse, mas que sempre me aprouve obter. E assim conquistei anos
mais adiantados por competência própria, talvez reconhecida por quem detinha o
poder de mandar na escola.
Os anos cá
foram igualmente empenhados, e creio que reconhecidos e por isso não notei que
tivesse sido marginalizada na questão de horários e anos a leccionar. Davam-me
os que pedia, não precisei de reivindicar. Aliás, a escola onde leccionei
primava pelo bom desempenho do Conselho Directivo, pese embora as manigâncias
de alguns professores novatos, com artifício suficiente para nele penetrarem,
assim que acabadas as actuações estagiárias, que eu própria com tanto afinco
acompanhara, mais perita em exprimir noções ligadas à realização docente, a
adivinhar intenções de performance posterior à obtenção do diploma. De resto, a
descoberta de colegas que no ano anterior giravam num plano de discípulos empenhados
e no ano seguinte se moviam desembaraçadamente e risonhamente junto à mesa que,
na sala dos professores, era pertença das curtições sociais do conselho
directivo, não me tirou o sono, apesar da estranheza relativa à rápida ascensão
de tão novéis docentes, conquanto já habituada a fenómenos similares na nova
ordem social e política que o 25 de Abril trouxe imediatamente à ribalta deste
palco progressivamente girando em torno do tortuoso, da ilegalidade, do
arrivismo, da sonegação, da rivalidade malsã, da lisonja interesseira.
A minha própria
reforma, há vinte anos, separou-me, todavia, da vivência segundo os trâmites
por que tem descambado a Escola e que esmaga os professores hoje em sucessivas e
estranhas cargas de trabalho e desconforto, na monstruosidade da transformação
da escola em agrupamentos de escolas criadores de ruído e cada vez maior
desconcentração e trabalho brutal e inútil.
E é neste
espaço constrangedor que, numa escola deste país, a presidente do conselho
directivo se dirigiu a uma das professoras cujos alunos obtiveram excelentes
resultados nos exames de português do sexto ano, perguntando-lhe se queria
continuar com a mesma turma no sétimo, ao que a professora imediatamente anuíra,
com interesse em levar os seus alunos pelo menos até ao 9º ano, dentro dos
parâmetros das suas exigências que envolvem rigor, abertura e sensibilidade ao
mundo do conhecimento.
O seu espanto
indignado verificou posteriormente o engano e o dolo da instância superior, ao
ver atribuída a sua turma dos bons alunos à professora do costume, uma que
girava em torno do conselho directivo, eficiente e insinuante, que todos os
anos absorvia as turmas dos bons alunos, sem nunca ter leccionado sequer o
ensino secundário. Segundo a enganada professora, aqueles alunos iriam chegar
ao secundário perfeitamente amorfos, iguais a todos os outros, porque
entretanto perderiam toda a dimensão de abertura que ela com tanta animação conseguia
transmitir nas suas aulas, e a que, aliás, a idade, a competência, o empenhamento
constante e as boas classificações universitárias lhe davam direito, se
vivêssemos num país de direito.
O sr. Ministro
da Educação deveria conhecer este caso e outros como este, mas tem outros
problemas em mente, e não é a falta de respeito pelo trabalho dos professores
que o vai perturbar, esquecido do significado da palavra respeito, num país
onde isso se não cultiva, juntamente com os legumes que secaram.
Não, não
está tudo como dantes neste quartel pátrio, seja ele situado em Abrantes, Faro
ou Carregal do Sal. Os defeitos de um país provinciano, mesquinho acéfalo e
pretensioso, que Eça tão vincadamente pontua na sua obra e sublima n’ “Os Maias”,
já não se confinam só às classes do poder, desceram também ao povoado. Não há repartiçãozinha
onde se não calquem aos pés, impunemente e aceite por todos, passivamente, os
princípios básicos que deveriam distinguir eticamente os homens.
Tudo como dantes, talvez, mas bem piorado. E generalizado.
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