Vasco
Pulido Valente é pessoa de grande competência na visão dos problemas da
história hodierna, universal e pátria. E de muito humor sarcástico, que a
respeito da casta nacional lhe merecem os heróis pátrios, à excepção do Soares
da sua predilecção.
Tenho diante
de mim três jornais «Público», que mão fraterna me providencia habitualmente.
Do primeiro, de 3 de Julho - «O Novo Ciclo» – extraio que, após
as suas férias a ler e a dormir – não refere mais nenhum alimento físico ou
espiritual – conclui sardonicamente sobre o “quo vadis” nacional, que «no
fundo não aconteceu nada. Uma vulgaríssima zaragata no Governo, conversas sem
sentido com o Presidente da República, a obrigatória tentativa de conciliação
das partes e no fim as mesmas caras a dizer o que sempre disseram e que toda a
gente já sabe de cor e um estreante (parece que prometedor)» Em suma, o
prolongamento refinado da mesmice queirosiana ao assumir a oratória
politiqueira, mas também a constatação de que «a nossa tendência para a
asneira não irá miraculosamente desaparecer; e que o povo com certeza que descerá
à “rua”, sem saber o que quer nem perceber o que pede. Não importa. O nosso
velho conservadorismo, que até persiste em se agarrar a Pedro Passos Coelho,
não gosta de excessos. E o que sucede em Portugal, por definição é português.»
Do segundo,
de 4 de Agosto, «O chefe da Oposição», extraio a lauda inicial
sobre Soares e as suas “declarações proféticas” que desta vez, como são
rebatidas, parecem aureoladas de ironia, mas simpática, subentendendo gratidão
pelos pretensos benefícios trazidos em tempos por Soares à liberdade e à
democracia, mas desprezadora dos malefícios causados a toda uma pátria de gente
dispersa e trabalhadora, reduzida a uma pátria palreira e pedinte, descontados
os mafiosos da pecúnia de velha estirpe, que se organizam na combinação e no
silêncio, ou no silêncio da combinação.
É sobre o “presente
envenenado” a Paulo Portas, que posteriormente será passado a Seguro e ao
PS, para retornar ao PSD, com ou sem CDS, num rotativismo de reconhecida idoneidade,
até à consumação da desgraça pátria. É sobre as “três ilusões” de Soares
sobre que assentam as actuais políticas, que Pulido Valente contesta – a da
austeridade compatível e favorável ao crescimento, incriminatória de Coelho e de
Gaspar e que Soares entende poder desmanchar-se com “uma dúzia de cabeças
socialistas, com a sua notória racionalidade e lucidez” para o país começar
a “arrebitar”. A segunda ilusão de Soares e acólitos é sobre uma Europa abrindo
solidariamente os cordões à bolsa para nos “desenrascar”. Consta a última
ilusão, “a mais grave, de Seguro e da esquerda” na crença sobre o ganho
a obter, negociando com os credores.
E conclui
com a alegoria do “défice como chefe da oposição”: «Um velho
ministro da Monarquia escreveu uma vez que não valia a pena discutir
ininterruptamente no Parlamento e nos jornais, porque o chefe da oposição
era o défice e o défice não se deixava convencer. A azáfama dos
partidos por causa de uns votos para as câmaras roça o obsceno. Na penúria e
com a perspectiva de mais miséria, o único objectivo sério que lhes sobra é a
sua própria sobrevivência. Só que o défice não lhes fará o favor. Nem à direita
nem à esquerda.»
Uma página
desassombrada que todos reconhecem na clareza de uma verdade sem mácula,
fingindo, todavia, ignorá-la, apresentando falsas soluções alternativas ou
apenas rosnando e abocanhando, mesmo que seja de lentilhas o prato oferecido no
ganho.
E a coroar
todas estas análises, embora precedendo o texto anterior, uma página de
história que mereceria ser reproduzida na íntegra, mas de que transcreverei
apenas os parágrafos finais. É o texto “Estamos sozinhos” de sexta feira,
2 de Agosto:
Inicia-se
com a referência à opinião generalizada sobre a obrigação da Europa de nos
estender a mão:
«Mas ninguém
se pergunta se a Europa pode de facto ser “solidária” (para usar a expressão
comum). O que não deixa de ser curioso, porque, entregue a si própria, ela
nunca o foi. O famoso século de paz, que precedeu a I Guerra, não se distinguiu
pela sua cordura e, no fim, era um impossível novelo de suspeitas, de manobras,
de ambição e de conflito, que em 1914 ninguém conseguiu impedir que explodisse.
Pior ainda, só a intervenção da América impediu que a matança continuasse
indefinidamente ou se resolvesse por exaustão ou simples miséria. Sucede que a
América (o Congresso americano) se recusou a tutelar a Europa arrasada e
ressentida de 1918 e voltou ao isolacionismo. É sabido o que sucedeu depois: do
império hitleriano ao império de Estaline, o horror prevaleceu durante quarenta
anos.
No
extremo ocidental, a América e a Inglaterra, com exércitos de ocupação,
impuseram uma certa ordem e algum crescimento e a Europa até se julgou curada
da sua velha história e um cúmulo de virtudes que o mundo devia imitar e
venerar. Infelizmente, o colapso da URSS (e do comunismo em geral) desinteressou
a América da Europa e esta Europa de hoje recaiu na competição e na mesquinhez
do passado, sob a sombra da Alemanha que redescobriu sem vergonha ou remorso as
suas pretensões de hegemonia. A moral é clara: sem a influência (e o domínio) de
uma potência que a ponha em ordem, a Europa reverte aos seus vícios. A “solidariedade”
(linda palavra) não existe e menos para nós que não pesamos nas conversas dos “grandes”
com os seus vassalos. Estamos sozinhos e sairemos, ou não sairemos, sem
qualquer ajuda.»
Mas as
nossas exportações aumentaram e o desemprego baixou, rezam as crónicas hoje. É
uma esperança saudável.
O problema grave é que pretendemos a
solidariedade externa mas não utilizamos a interna. Salvo para socorrer os
coitadinhos, uma óptima forma de abocanhar mais o governo responsável por todas
as mazelas.
Por isso
permaneceremos sós e doentes, como o António Nobre, coitado, que morreu
tuberculoso. E também como o "Coitado do Álvaro de Campos, tão deprimido nas sensações”.
Definitivamente, “Ai do
Lusíada, coitado”!
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