Vasco Pulido Valente dá o título de “Protectorado”
ao seu artigo no Público de Domingo, 11 de Agosto, designativo do
estatuto que Portugal representa, provavelmente na companhia de outros países
igualmente pouco cordatos na manipulação de dinheiros alheios, distribuídos
segundo um convénio aparentemente generoso de unificação para melhor
enfrentamento de borrascas futuras, provindas de leste ou do oeste. Na
realidade tais dinheiros, utilizados entre nós numa via de construção/destruição,
ou seja, num desenvolvimento em vária escala segundo uma ditadura de imposição
de regras que destruíram campos e pescas e que proporcionou avalanche de
negociatas, sem controle das regras de economia saudável, proporcionaram igual
descontrole em toda uma população que sofregamente se espolinhou nas louras
areias das suas praias soalheiras ou noutros meios de aparente enriquecimento
cultural ou recreativo, sem preocupação pela hora da prestação de contas.
Mas
Vasco Pulido Valente contesta a preocupação que tal estatuto de protectorado provoca
no espírito de alguns, como Paulo Portas, atribuindo as culpas do desastre
nacional não ao nosso feitio folgazão, mais ligado ao improviso do
desenrascanço do que à ponderação racional, mas a um tal Mitterrand e a um Sr.
Kohl responsável pela actual Europa, além do nosso hábito ancestral de dobrar a
cerviz – primeiro ao rei, nobreza e clero e seguidamente, empobrecidos pelas
estroinices régias e desacatos civis ruinosos, além de naturais pretensões a
uma modernização restauradora, trazida pela transformação tecnológica ocidental,
obrigados a sobreviver - como alegremente clamava o João da Ega para os amigos no
“Jantar no Hotel Central” - do imposto e do empréstimo. E foi aqui que a velha
aliada dos tempos de D. Fernando e de D. João I, nos ajudou nas crises,
protegendo-nos mas governando-se também, à conta da protecção.
Tudo isso
findou, com Salazar pagando a dívida e desenvolvendo o país com férrea mão,
perante a revolta dos seguidores das ideologias marxistas, e a sua aparência de
infinita virtude na defesa de um povo sacrificado, apesar dos muitos que foram
sobressaindo nesse povo, pelo seu próprio esforço e inteligência, o que nenhum
desses – tal como hoje – parecia reconhecer, imoderadamente alimentados de ódio
e de revolta lidas nas cartilhas e ignorando os reais crimes praticados pelos reais
estalines das forças, essas sim, barbaramente transformadoras.
Até que,
por cá, chegou a Revolução das Flores, e com ela a reabertura de uma situação
de protecionismo exterior, velho aliado da nossa idiossincrasia perdulária.
O
proteccionismo mudou de protector, por seu turno aquele apoia-se mais na
indiferença e desprezo pelas tragédias em que fez mergulhar os países seus
protegidos, a quem oferece trocos a troco do sacrifício dos povos, a Srª
Merckel essencialmente preocupada com a França, cujas exigências poderão levar
a Europa a uma hecatombe inflaccionária. É o que conta Vasco Pulido Valente na
sua Página de História, concluindo que “Neste protectorado, o protector
gostava principalmente que não o maçassem.”
A Crónica
de Vasco Pulido Valente: «O Protectorado»
«Muita
gente sofre, como Paulo Portas, com a situação de protectorado a que a dívida e
o défice nos fizeram descer. Não têm razão para se afligir. Em primeiro lugar,
porque a responsabilidade do euro não é nossa, é, principalmente do sr.
Mitterrand, esse génio por quem tanto se chora, e do sr. Kohl, um dos “pais” da
Europa em que vivemos. E, em segundo lugar, porque este protectorado continua,
numa forma branda, uma velha tradição portuguesa. Desde o fim do século
XVIII à ditadura de Salazar, a Inglaterra mandou em nós sem qualquer restrição:
armou exércitos, punha e dispunha dos governos, proibiu partidos (como, por
exemplo, o de Costa Cabral em 1847), sustentou (ou não sustentou) as nossas
finanças como lhe convinha e até exigiu receber directamente uma parte das
receitas do Estado, sem perturbar o indigenato por aí além.
A
hegemonia, no sentido próprio da palavra, da Alemanha, sob capa da troika, não
nos deve hoje indignar como caso único. A Alemanha, de resto, não se interessa
particularmente por nós, de quem não quer ou espera nada. A espécie de ditadura
que nos resolveu impor não passa de uma medida profilática. O euro, como se
sabe, exige uma união política para as coisas correrem bem e essa união
política é pura e simplesmente utópica. Entretanto, a Alemanha vai vendo com
horror a aproximação do momento em que se tornará o último recurso da
irresponsabilidade interna de umas dezenas de países. Se decidiu ser de uma particular
severidade connosco e com a Grécia foi para não abrir um precedente. O que a
preocupa é a França, que se recusa a qualquer reforma substancial e que não
tardará a cair no buraco em que nós caímos.
Ora, se
o nosso problema e o problema da Grécia se resolvem com trocos, uma eventual
ajuda à França, e com ela à Itália, provocaria provavelmente uma inflação
descontrolada. E não existe na Alemanha um medo maior: a memória activa da
grande inflação, que as duas desastrosas guerras do século XX provocaram,
continua a dirigir o cidadão comum. E segundo uma sondagem séria, o dito
cidadão comum prefere o cancro a uma terceira catástrofe financeira. Neste
aperto, a sra. Merkel tenta tranquilizar a populaça com a sua intransigência e
rigidez, enquanto um pouco à socapa ajuda Portugal e a Grécia a não irem ao
fundo. Mas como não autoriza ou determina directamente o nosso orçamento, a
nossa dívida e a nossa política, não parece que chegue muito longe. Neste
protectorado, o protector gostava principalmente que não o maçassem.»
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