quinta-feira, 16 de novembro de 2017

Clichés


Um texto enviado por João Sena por via email, com o comentário “Parábola Actualíssima”: «Os meus filhos são socialistas…” de Inês Teotónio Pereira.
Um texto grave, numa aparência de humor, no deslizar de dados que retratam bem a sociedade dos pais e dos filhos dos novos tempos, de “descomando” educacional generalizado.
É, de facto assim, e parece grave o que nele se diz de uma juventude criada, desde a mais tenra infância, num diálogo familiar, que pretende ser de amistoso apelo à inteligência da criança para amenizar as suas birras, em vez de uma imposição de ordem mais autoritária que crie, de facto, a disciplina. Para exemplificar, assisti, ontem, a uma dessas birras de uma criança que pretendeu sentar-se, sucessivamente, em diferentes lugares numa mesa de café, uma roda viva, forçando várias mudanças até ao retorno à primeira cadeira, e a constatação do pai, em voz serena e racional, de que essa era a cadeira certa.
 Não, não se trata de uma sociedade igualitária entre pais, artistas, e filhos que vão sendo criados numa “casa de papel” - “La maison de papier” de Françoise Mallet-Joris: Uma casa de desordem aparente, mas onde os filhos têm o seu espaço central, com os amigos que aí levam, em constante desorganização que a “Dolores” ajudará a refazer, na amizade e compreensão, de empregada imigrante e palradora, os filhos afirmando as suas personalidades e competências e graças, e crescendo em capacidades, num diálogo donde a repreensão foi banida.
Uma história bonita essa, julgo que proveniente do mesmo conceito de democracia, que o socialismo implantou entre nós, oposto, pois, aos critérios mais severos e ordeiros de um regime mais autoritário.
Mas a visão simpática da família na obra de Mallet-Joris, não nos desgosta tanto, porque é, naturalmente, acompanhada de uma “construção” de personalidades, que vão sendo acompanhadas em meio da educação escolar, os “desastres” facilmente reparados com a reflexão do bom-senso.
Não, não é isso o que afirma o texto de Inês Teotónio Pereira, circunscrito ao vazio de uma educação feita no egoísmo dos direitos próprios e no desinteresse alheio, na preguiça e imaturidade, que advêm de leis impostas parolamente em tempos, sobre igualitarismos sociais que tiveram imediata adesão, numa sociedade não esclarecida, a começar nas escolas na indisciplina inibidora de bom aproveitamento escolar, e hoje arreigada mais do que nunca nas próprias famílias, nas cisões generalizadas entre pais e filhos.
O socialismo impôs a democracia. Daí o título “Os meus filhos são socialistas”. Um cliché como outro qualquer. Porque se trata, de facto, de educação. E não me parece que tais espécimes criados nas famílias - pois, como afirmou João Sena, se trata de uma parábola sobre a nossa sociedade, e não o caso pessoal da autora do texto – cheguem, de facto, a “crescer”, com tais premissas, como afirma, ao contrário do socialismo que regressa à infância, ou nunca deixou de ser de menoridade, na opinião rígida da autora.
A infância está aí, cada vez mais arreigada, nesses filhos que não crescerão fora da orientação dos primórdios, nessa liberdade sem tom nem som, nesse egoísmo reivindicativo de direitos, sem amadurecer na consciência dos deveres.  Esses serão os futuros governantes de uma nação de menoridade sempre. E não haverá retorno, que parece que ao Estado convêm essas leis iníquas que destruíram a ordem.
Resta-nos acreditar que haverá sempre os filhos da nação mais conscientes, que não se trata de uma generalidade a educação pelo egoísmo sem tréguas, segundo a visão pessimista de Inês Teotónio Pereira.

Os meus filhos são socialistas…
Inês Teotónio Pereira

Não sei se são só os meus filhos que são socialistas ou se são todas as crianças que sofrem do mesmo mal. Mas tenho a certeza do que falo, em relação aos meus.
E nada disto é deformação educacional – eles têm sido insistentemente educados no sentido inverso. Mas a natureza das criaturas resiste à benéfica influência paternal como a aldeia do Astérix resistiu culturalmente aos romanos. Os garotos são estóicos e defendem com resistência a bandeira marxista sem fazerem ideia de quem é o senhor.
Ora o primeiro sintoma desta deformação ideológica tem que ver com os direitos. Os meus filhos só têm direitos. Direitos materiais, emocionais, futuros, ambíguos e todos eles adquiridos.
É tudo, absolutamente tudo, adquirido. Eles dão como adquirido o divertimento, as férias, a boleia para a escola, a escola, os ténis novos, o computador, a roupinha lavada, a televisão e até eu. Deveres, não têm nenhum.
Quando muito, lavam um prato por dia e puxam o edredão da cama para cima, pouco mais. Vivem literalmente de mão estendida sem qualquer vergonha ou humildade. Na cabecinha socialista deles não existe o conceito de bem comum, só o bem deles. Muito, muito deles.
O segundo sintoma tem que ver com o aparecimento desses direitos. Como aparecem esses direitos? Não sabem. Sabem que basta abrirem a torneira que a água vem quente, que dentro do frigorífico está invariavelmente leite fresquinho, que os livros da escola aparecem forradinhos todos os anos, que o carro tem sempre gasolina e que o dinheiro nasce na parede onde estão as máquinas de multibanco. A única diferença entre eles e os socialistas com cartão de militante é que, justiça seja feita, estes últimos já não acreditam na parede – são os bancos que imprimem dinheiro e pronto, ele nunca falta.
Outro sintoma alarmante é a visão de futuro. O futuro para os meus filhos é qualquer coisa que se vai passar logo à noite, o mais tardar. Eles não vão mais longe do que isto. Na sua cabecinha, não há planeamento, só gastamento, só o imediato. Se há, come-se, gasta-se, esgota-se, e depois logo se vê. Poupar não é com eles. Um saco de gomas ou uma caixa de chocolates deixada no meio da sala da minha casa tem o mesmo destino que um crédito de milhões endereçado ao Largo do Rato: acaba tudo no esgoto. E não foi ninguém...
O quarto tique socialista das minhas crianças é estarem convictas de que nada depende delas. Como são só crianças, acham que nada do que fazem tem importância ou consequências. Ora esta visão do mundo e da vida faz com que os meus filhos achem que podem fazer todo o tipo de asneiras, que alguém irá depois apanhar os cacos. Eles ficam de castigo é certo (mais ou menos a mesma coisa que perder eleições), mas quem apanha os cacos sou eu. Os meus filhos nasceram desresponsabilizados. A responsabilidade é sempre de outro qualquer: o outro que paga, o outro que assina, o outro que limpa. No caso dos meus filhos, o outro sou eu, no caso dos socialistas encartados o outro é o governo seguinte.
Por fim, o último mas não menos aterrorizador sintoma muito socialista dos meus filhos é a inveja: eles não podem ver nada que já querem. Acham que têm de ter tudo o que o do lado tem, quer mereçam quer não. São autênticos novos-ricos sem cheta. Acham que todos temos de ter o mesmo e, se não dá para repartir, ninguém tem. Ou comem todos ou não come nenhum. Senão vão à luta. Eu não posso dar mais dinheiro a um do que a outro ou tenho o mesmo destino que Nicolau II. Mesmo que um ajude mais que outro e tenha melhores notas, a "cultura democrática" em minha casa não permite essa diferenciação. Os meus filhos chamam a esta inveja disfarçada, justiça, os socialistas deram-lhe o nome de justiça social. 
A minha sorte é que os meus filhos crescem. Já os socialistas são crianças a vida inteira.


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