Aterradoras, ambas. As do passado, criminosas, apreciadas por diferentes
mentes da nossa actualidade - as branqueadoras, como a de Francisco Louçã,
irmanado com esses seus heróis das convulsões arrasadoras da Revolução Russa, instaladoras
de um novo conceito de justiça, na sua mente espumante, ao que parece, há muito,
de recalcamentos e ódios sob o invólucro da virtude e do brilho orador, tal o
Padre Vieira, no seu Santo António pregando aos peixes, mas estes, para Louçã,
identificados todos com os tubarões do seu repúdio. Contra ele, as opiniões mais equilibradas de
quem igualmente conhece a História Russa, (que os nossos manuais escolares
sempre ignoraram), como a de José Milhazes no seu artigo de 31/10, «A Revolução russa teria um fim diferente se Trotski vencesse Estaline?»
As histórias do presente, referidas por uma psicóloga – Rute Agulhas
– em «Carta aberta – Pedido de
ajuda aos youtubers portugueses» - criadas pela insanidade de uma força poderosa como esta que a Internet
proporciona, sem triagem possível, de instalação de vídeos com desenhos e
músicas de violência e disparate, causadores de uma histeria geral entre os
adolescentes imaturos e de complicações nos seus ritmos de vida, os sonos
perturbados por insónias e medos na sua imaturidade consentida ou não
fiscalizada. São histórias bem graves estas, que pervertem os espíritos,
originando um cada vez maior desequilíbrio social, pela deseducação sistemática
em que vão crescendo os jovens, futuros – quem sabe? – governantes dos rebanhos
humanos cada vez mais vazios da força espiritual que a leitura favorece, e
desvirtuada por orientações de uma libertinagem sem tom nem som.
A
Revolução russa teria um fim diferente se Trotski vencesse Estaline?
OBSERVADOR, 31/10/2017
As tentativas de branquear Trotski,
como as de Francisco Louçã, em nada diferem das de branquear Lenine ou
Estaline. Todos viam o futuro da URSS sem democracia e sem as mais elementares
liberdades.
Nas
vésperas do centenário da revolução comunista de 1917, alguns políticos e
académicos tentam convencer-nos que, se Lev Trotski vencesse a guerra pelo
poder depois da morte de Lenine, os destinos da União Soviética teriam sido
outros. É uma afirmação que em nada corresponde à verdade e apenas visa
branquear um acontecimento que deu início à morte de milhões de pessoas. O
teórico do “terror vermelho” não iria ser mais tolerante ou aberto do que o
ditador Estaline.
“Mesmo
na preparação da Revolução de Outubro, ao passo que Trotski insistia na
necessidade de respeitar a legalidade soviética – era o presidente do Soviete
de Petrogrado, em que tinha sido formado um Comité Militar Revolucionário (CMR),
a que obedeciam os sovietes de soldados –, Lenine preferia uma simples decisão
partidária. Acabou por ser vencido nesse tema, sendo o Comité Militar
Revolucionário, e não o partido diretamente, a organizar a insurreição na noite
de 25 de 25 para 26 de Outubro (ou de 6 para 7 de Novembro no calendário
ocidental)”, escreve Francisco Lousã, professor catedrático do ISEG e
teórico do Bloco de Esquerda.
Como se
depreende das palavras deste académico, Trotski era um líder mais democrático e
legalista do que Lenine, o que é pura falsificação da história tendo em conta os
factos posteriores.
Primeiro,
o CMR não passava de um órgão dependente e manipulado pelo Partido
Social-Democrata Russo (bolchevique), por isso essa medida de Trotski visou
apenas “legitimar” mais um pouco o golpe de Estado (nome que os bolcheviques
deram inicialmente à revolução) desferido não contra o czarismo (Nicolau II já havia renunciado em Março de 1917), mas contra um governo provisório democrático que pretendia convocar uma
Assembleia Constituinte para traçar o rumo da Rússia. Recorrendo a um paralelo, pode dizer-se que se a extrema-esquerda
tivesse vencido em Portugal a 25 de Novembro de 1975, este golpe seria
considerado por ela uma revolução contra o 25 de Abril de 1974, que não teria
passado para os comunistas de uma “revolução burguesa”.
O mesmo
académico fala de “legalidade soviética”, sem explicar o que isso é, porque
simplesmente não existiu também por obra de Trotski e companhia.
À frente
do CMR, Trotski impunha assim a sua “legalidade”: “Dizem que não se pode estar sentado nas baionetas. Mas sem elas não
podemos passar. Precisamos da baioneta aí para estarmos sentados aqui… Toda
essa canalha pequeno-burguesa que hoje não é capaz de se colocar nem de um
lado, nem de outro, passará para o nosso lado quando souber que o nosso poder é
forte… A massa pequeno-burguesa procura força a quem sujeitar-se. Quem não
compreende isto, não compreende nada no mundo, muito menos no aparelho de
Estado”.
Entretanto,
a 21 de Novembro de 1917, o Comité Militar Revolucionário cria uma “comissão
para o combate à contra-revolução”, um antecedente da tenebrosa polícia
política soviética Tcheka, NKVD, KGB. Por ordem de Trotski, o CMR encerrou uma
série de importantes jornais russos, sempre em conformidade com a “legalidade
soviética”.
Mas para
os que não compreenderam ainda este conceito, Trotski explicou-o bem em 17
de Dezembro de 1917: “Devem saber que dentro de um mês, o mais tardar, o
terror tomará formas muito fortes a exemplo dos grandes revolucionários
franceses. A guilhotina, e não só a prisão, espera os nossos inimigos”.
O
professor Louçã “esqueceu-se” também que o conceito de “terror vermelho” foi
formulado por Lev Trotski na obra “Terrorismo e comunismo”, como “arma empregue
contra a classe condenada à morte, que não quer morrer!”.
Claro que
toda esta retórica cruel pode ser “justificada” com a necessidade de derrotar
os “inimigos de classe”, a burguesia, mas o facto é que, durante a mortandade
que foi a guerra civil (1917-1922), as teses defendidas por Trotski serviram
para esmagar também as forças de esquerda que ousavam criticar o bolchevismo.
Este já não precisava de aliados.
O levantamento
de Kronshtadt, de 26 de Fevereiro de 1921, foi realizado por marinheiros de
várias correntes políticas de esquerda, nomeadamente militantes que tinham
abandonado o partido bolchevique e anarquistas.
Eles não
exigiam a restauração do capitalismo, mas apenas eleições livres para os
Sovietes, liberdade de expressão e imprensa para “operários e camponeses,
anarquistas, partidos socialistas de esquerda”. No fundo, eles queriam que
fosse respeitada a palavra de ordem lançada por Lenine em 1917: “Todo o poder
aos Sovietes!” e fosse posto fim à “ditadura dos bolcheviques”.
E qual foi
a resposta do dueto Lenine-Trotski? O
esmagamento implacável da revolta, com um resultado que se iria tornar habitual
na história soviética: milhares de mortos e de feridos de ambos os lados.
Depois, os vencedores, para darem mais uma lição aos que ainda não tinham
compreendido a “legalidade soviética”, fuzilaram 2103 pessoas e 6459 foram
condenadas a diversas penas de prisão.
Por isso
as tentativas de branquear Trotski em nada diferem das de branquear Lenine ou
Estaline. Todos eles viam o futuro da URSS sem democracia, sem as mais
elementares liberdades, embora estivessem escritas em todas as constituições
soviéticas.
Lev
Trotski pode-se ter mais tarde arrependido de muitos dos seus erros (crimes),
mas já estavam feitos, e de forma metódica e consciente.
José
Neves, professor da Universidade Nova de Lisboa, escreve: “Comunistas como
Trotski, por exemplo, viram logo no estalinismo a antítese de Outubro. Em 1936,
antes mesmo dos terrivelmente célebres Processos de Moscovo, já escrevia um
livro sugestivamente intitulado A Revolução Traída”. Ora, a revolução
comunista não foi traída, mas continuada da única forma possível: através da
violência. Sem a repressão o regime soviético não sobreviveria muito tempo.
Prova disso foi que a URSS ruiu logo que Mikhail Gorbatchov permitiu uma
frincha no sistema repressivo.
Branquear a revolução comunista significa justificar o fim dos mais
elementares direitos humanos em prol de uma utopia que teve sempre resultados
tenebrosos, independentemente do país onde se tenha tentado a sua realização.
Carta aberta – Pedido de ajuda aos youtubers portugueses
OBSERVADOR, 29/10/2017
Deparo-me cada vez mais
com crianças e pré-adolescentes com sintomas de ansiedade, insónias a
despertares nocturnos, pesadelos e medos que estão, de alguma forma,
relacionados com os vossos vídeos.
Caros youtubers, sejam
aqueles com mais ou menos subscritores e seguidores e cujos vídeos têm mais ou
menos visualizações, esta carta é um pedido de ajuda feito a todos vós.
Enquanto mãe e
psicóloga, tenho acompanhado de perto o vosso trabalho. Sei os vossos nomes,
conheço muitos dos vossos vídeos e insta stories, sei o que gostam de
publicar e de que forma se distinguem uns dos outros. Já estive presente em
3 meets (é assim que se diz, certo?) e, ao longo das várias horas de
espera (sentada no chão) pude observar quem vos segue. Centenas de crianças e
pré-adolescentes, rapazes e raparigas. Uns pintam o cabelo de azul ou fazem
totós no alto da cabeça para ficarem parecidos com os seus ídolos. Outros levam
presentes ou desenhos para vos oferecer. Muitas raparigas choram ou gritam, ou
ambos. Os rapazes, ainda fiéis aos bons estereótipos de género, controlam as
lágrimas, mas é visível toda a emoção que sentem.
Em consulta, tenho-me
deparado com uma frequência crescente com crianças e pré-adolescentes que
apresentam sintomas de ansiedade, desde insónias a despertares nocturnos,
pesadelos e medos variados. Na mente de muitas destas crianças os conteúdos
destes sintomas estão, de alguma forma, relacionados com os vossos vídeos,
sejam porque estes apresentam jogos de computador com conteúdos mais
agressivos, ou porque testam a veracidade da história da Maria Sangrenta, ou
porque abordam palhaços assassinos, ou porque… ou porque….
Naturalmente, a
responsabilidade em supervisionar aquilo a que as crianças assistem na internet
é dos pais e cuidadores. É destes o dever de estar atentos, filtrar os
conteúdos em função da idade e nível de desenvolvimento dos filhos. No entanto,
e por motivos diversos, nem todos os pais o conseguem fazer. Uns por falta de
tempo e atenção. Outros porque acreditam que os filhos têm já essa capacidade
de análise crítica. Outros porque são enganados pelos filhos, que navegam na
internet quando os pais já dormem. E há ainda os pais que, embora atentos e com
capacidade de supervisão, não conseguem, de todo, controlar aquilo a que os
filhos assistem quando estão na escola, através dos telemóveis dos colegas.
Face a isto, surge o meu
pedido de ajuda. Não vos peço, naturalmente, para alterarem a vossa estratégia
ou o tipo de vídeos que, no fundo, vos caracteriza.
Peço-vos sim para,
enquanto modelos a que estes jovens aspiram, ajudarem-nos a ultrapassar algumas
dificuldades e a desenvolver algumas competências.
Como?
Antes de mais, explicar
como funcionam os modelos. Os modelos têm um impacto muito importante nas
aprendizagens que fazemos, na medida em que muito do que aprendemos é fruto
daquilo que observamos. E ao observarmos modelos pelos quais sentimos empatia e
simpatia, e com os quais nos identificamos, de forma natural e, muitas vezes,
de forma inconsciente, estamos a aprender. Ora, será então natural que, quando
os nossos modelos são reforçados ou punidos (por exemplo, quando se assustam,
quando gritam, quando expressam medo ou alegria), também nós podemos
experienciar essas mesmas emoções.
Ora, face a isto, de que
forma imagino a vossa ajuda?
Imagino vídeos onde
possam expressar dificuldades em algumas situações, em que não desistem, e em
que pensam na melhor forma para ultrapassar todo o tipo de obstáculos. O que
chamamos de modelos de confronto, ou seja, modelos que não são perfeitos (e com
quem mais facilmente todos nos identificamos), mas que encontram estratégias
adequadas para lidar com os problemas. São estes modelos que apresentam uma
maior probabilidade em ser seguidos e imitados.
Imagino vídeos a que as
crianças possam assistir e aprender essas mesmas estratégias.
Como lidar com os medos?
Sim, porque todos temos medos.
Como lidar com a
ansiedade? Sim, porque todos nós sentimos ansiedade.
O que fazer perante uma
dificuldade? Como tomar uma decisão mais adequada? Sim, porque todos temos
dúvidas em relação à forma como lidamos com a adversidade.
Mas há mais. Se me
permitem, imagino ainda algo adicional. Imagino que nos vossos meets sugerem
aos fãs que levem, por exemplo, comida ou ração para os animais abandonados,
roupa ou calçado para as pessoas que vivem na rua, livros para as crianças que
não os têm. E ao imaginar isto, visualizo centenas de crianças e pré-adolescentes
ao rubro, por poderem ouvir, falar, abraçar e tirar fotografias com os seus
ídolos mas, também, por sentirem que contribuem para o bem-estar de alguém.
É este o meu pedido de
ajuda.
Até ao próximo meet,
Psicóloga clínica e
forense, docente universitária
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