quarta-feira, 22 de novembro de 2017

Santa Engrácia


Eu não tenho mais que dizer, a não ser que admiro a paciência de Rui Valente e outros “anti AO” que continuam a lutar contra os seus moinhos, que de vento são, mas dos fortes, arrasantes, formando muralha de aço como os que defendiam o companheiro Vasco de outros tempos, que não vergam a nenhuma sugestão de lucidez. Somos assim, e por assim sermos, estamos onde chegámos, sem língua que preste, sem economia que valha, apenas com a dívida monstruosa da nossa argúcia na questão das contas.
Já agora, e porque não tenho mais que dizer, no cansaço que admiro que Rui Valente ainda não sinta, transcrevo um excerto terminal de um livro que vou publicar – “Permanência em fabulário de Mudança”:
«Mas, por decisão pessoal,
- Que devera ser nacional –
Fora do “Acordo Ortográfico”,
Que há muito me horrorizou
E que não sigo,
Por uma questão de consciência,
Ou de decência,
Não na convicção da “Vénus bela”,
De que a língua portuguesa é latina
“Com pouca corrupção”,
Mas na de que, apesar da corrupção
Que o tempo lhe proporcionou,
Continua latina de origem,
E não deve ser tolamente abastardada
Pelos que a não amam nada,
- “Acordo”, porém,
Que seguimos com preceito,
No nosso servilismo estreito,
Tão sem jeito.»

OPINIÃO
4379 cidadãos para a Língua Portuguesa
A existência do AO90 é insustentável — e, no entanto, o AO90 arrasta-se.
Rui Valente
Público, 14 de Novembro de 2017,
No Verão passado, fez agora um ano, tive o azar de dizer em voz alta: “Move-se. E, desta vez, não me parece que possa ser parada.”
Referia-me à Iniciativa Legislativa de Cidadãos (ILC) contra o Acordo Ortográfico (AO). Este movimento acabava de ganhar um novo fôlego com a redução do número de assinaturas necessárias para apresentar uma ILC no Parlamento (de 35.000 para 20.000) e com a possibilidade de recolhermos as assinaturas em falta por via electrónica. Para cúmulo das facilidades, até o vetusto n.º de eleitor desapareceu, deixando de ser necessário para a subscrição. Cheguei a ponderar um “não pode ser parada”. Felizmente, mantive o “não me parece” — salvei-me assim do pecado da soberba, limitando-me a ser ingénuo.
Em meu abono, convenhamos que o cenário era francamente animador. Se foi possível reunir mais de 14.000 assinaturas no tempo das vacas magras, quando era preciso assinar fisicamente um papel e enviá-lo pelo correio, não haveríamos de conseguir agora uns meros 5000 e poucos cliques de rato? Parecia fácil. Parece fácil, ainda hoje...
Do ponto de vista científico o AO90 era, e ainda é, indefensável. O Português Europeu e o Português do Brasil não são miscíveis — não podemos escrever “desporto” numa frase e optar por “esporte” no parágrafo seguinte. A ideia de uma ortografia comum para duas Línguas onde TUDO é diferente — vocabulário, sintaxe, prosódia, criação de neologismos — só podia resultar num absurdo. Como se previa, o AO tornou-se a “ortografia” do desconchavo, da facultatividade, do substantivo-com-espaços, do agravo estético, das dezenas de novas homofonias e homografias tão prejudiciais quanto perfeitamente evitáveis.
Não admira que muitos portugueses continuem a considerar o AO90 uma “ortografia” ridícula e sem estilo — boa para um efeito cómico fácil mas pouco adequada ao discurso sério.
Do ponto de vista político, o contexto era, e ainda é, um desastre! Na CPLP, o Acordo Ortográfico é um corpo estranho, um entrave ao que poderia ser uma verdadeira política de intercâmbio cultural. Em vez da troca de experiências e da criação de um circuito artístico deu-se primazia ao “turismo linguístico” em que os mesmos quatro conferencistas de sempre fazem a tournée mundial da defesa do AO90. Será certamente mais barato fazer um Acordo Ortográfico mas o Teatro, a Dança ou a Música nada ganham com isso. Nem a Literatura. Nem sequer, ironia, a edição de livros. De resto, Angola e Moçambique não assinam nem estão preocupados com o Acordo, a Guiné Equatorial não sabe que ele existe e o duvidoso estatuto de Língua oficial da ONU não responde ao problema cientifico: se não são miscíveis, de que variante estamos a falar quando falamos em Língua oficial nas Nações Unidas? Aceitam-se apostas.
Finalmente, do ponto de vista social o cenário era, e ainda é, calamitoso. Com o AO veio a noção de arbitrariedade ortográfica, do “agora tanto faz” e do “escreve-se das duas maneiras”. Instalou-se o cAOs ortográfico, que o ensino do AO nas escolas ameaça agravar.
Nesta conjuntura, com o Acordo Ortográfico em tão mau estado, reunir as assinaturas em falta parecia uma brincadeira de crianças. Parecia… mas não foi.
Aconteceu um pouco de tudo. Para começar, a plataforma Causes juntou-se ao grande “has-been” tecnológico onde estão o Napster e o Altavista — de uma assentada, perdemos o contacto com mais de 120.000 seguidores da ILC. As únicas vias de comunicação com os nossos subscritores passaram a ser a nossa página no Facebook, com cerca de 9.500 seguidores, e o sítio oficial da ILC, em www.ilcao.com. Claro que o Facebook não permite o contacto directo com seguidores — uma publicação nessa rede pode nem chegar a um décimo das pessoas que seguem uma página.
Aconteceu, também, a dispersão dos próprios anti-acordistas. É um fenómeno estranho, mas real: há quem assine tudo o que for contra o AO... excepto esta ILC. Queixas na Provedoria, petições, cartas abertas, pedidos de referendos, manifestações e até — pasme-se — uma petição “com valor simbólico de ILC”. Tudo é preferível à participação numa ILC a sério.
Nenhuma daquelas iniciativas produziu resultados. Mas, a cada revés, os seus promotores optam sempre por começar algo novo, a partir do zero. Apoiar uma ILC praticamente concluída parece estar fora de questão.
Que mais pode acontecer? Que tal uma nova mudança nas regras das ILC? Sim, a notícia do fim do n.º de eleitor revelou-se algo exagerada. Esta ILC pôs de pé um portal para subscrição online da Iniciativa — suprindo o vazio criado pela Lei, que assegurou essa possibilidade na teoria mas não na prática.
Passado menos de um ano, eis que esse portal se torna obsoleto. Sob protesto, lá tivemos de meter novamente mãos à obra, acrescentando os campos que, aos olhos da Assembleia da República, são afinal imprescindíveis.
Tudo isto — "redes sociais" que não funcionam, tiros no pé de anti-acordistas e burocracia da Assembleia da República — afecta bastante a luta contra o Acordo.
Mas nada é tão pernicioso como o muro de indiferença que continua a rodear este assunto. A existência do AO90 é insustentável — e, no entanto, o AO90 arrasta-se. Este paradoxo, alimentado pelo desnorte de sucessivos governos no capítulo da Língua, é um duro teste à nossa capacidade para resistir ao disparate.
A própria Assembleia da República contribui para o marasmo ao criar (mais) um Grupo de Trabalho para avaliar o impacto do AO90. Os testemunhos recolhidos até agora não serão já suficientes para que se tirem conclusões? Aparentemente, não. A única conclusão do GT, até ao momento, é a de que deve continuar a avaliar.
Mas há mais e pior: a anunciada "revisão" do AO90, que ameaça tornar-se a machadada final no Português Europeu. Se se concretizar, tornar-se-á uma emenda pior do que o soneto. Se não se concretizar, terá consumido a esperança de quem, à falta de melhor, viu na revisão o remendo possível para o AO90. Para já, o único resultado desse anúncio parece ser uma anestesia ainda maior da luta contra o Acordo.
Vêm-me à memória as palavras de Nuno Pacheco, redactor-principal deste jornal: “Valha-nos, ao menos, a insistência da Iniciativa Legislativa de Cidadãos contra o acordo. Deviam assiná-la todos os que ainda não perderam a coragem.”
Pela parte que nos toca, não contem connosco para deitar a toalha ao chão. O “endereço” para a subscrição electrónica aqui fica: https://ilcao.com/subscricoes/subscrever.
Se estão fartos de petições, de iniciativas de referendo ou de promessas de revisão, assinem. Se nunca ouviram falar desta ILC, assinem. E se tiverem 4379 amigos*, tragam-nos também. O futuro da Língua Portuguesa está nas vossas mãos.
*N.º de assinaturas que faltam para as 20.000

NOTA:  Por lapso, a versão que inicialmente se publicou neste espaço foi a mais reduzida, destinada à publicação na edição em papel, agora substituída pela versão integral.

 3 COMENTÁRIOS

  Hamilton - UK 17.11.2017 00:08
Devemos mobilizar-nos contra o AO e tomar acções efectivas como deixar de comprar qualquer livro, jornal ou revista escrita com erros (Acordo) ortográficos, também evitar visitar os websites escritos com o AO. Mobilizemos-nos   contra esta aberração e destruição da Lingua Portuguesa!

  14.11.2017 22:19 Força, Portugueses! Se a nossa língua materna significa algo para nós, é nossa obrigação batermo-nos em sua defesa! Subscrevam esta Iniciativa Legislativa de Cidadãos: 'obriguemos' a Assembleia da República (AR) a ser realmente a 'casa da nossa democracia'! Já aquando da Res. da AR n.º26/91, que aprovou, para ratificação, em 4 de Junho de 1991, o AO90, a mesma AR nem sequer se deu conta de que o texto não estava escrito com a ortografia correcta, o que motivou uma Rectificação posterior! E a Resolução n.º 35/2008 aprovou o 'Segundo Protocolo Modificativo', que nega a prática democrática! Não leram?! Chega de distracções e sucessivos grupos de trabalho 'para inglês ver'! Estou com esta ILC desde 2010 e já recolhi muitas assinaturas, em papel. Chegou a hora de unirmos os nossos esforços!

  Almada 16.11.2017 02:11
Podem também contar comigo e com aqueles que consiga contactar. Este AO90 cheira mal que se farta. Por algum motivo esconderam todos os pareceres negativos, e as circunstancias em que foi aprovado. Quanto a Democracia, se vivêssemos num país democrático esta trapalhada num teria visto a luz do dia.

Cidadania e Língua Portuguesa

Não se vislumbra um aumento do prestígio internacional da Língua, seja lá isso o que for, nem a CPLP consegue tocar a uma só voz.
Rui Valente
1 de Outubro de 2016
No passado dia 20 de Julho a Assembleia da República aprovou, finalmente, três importantes alterações à Lei que regula as Iniciativas Legislativas de Cidadãos (ILC): o número de eleitor (que raramente temos à mão…) deixa de ser um dos requisitos, reduziu-se o número mínimo de assinaturas de 35.000 para 20.000 e torna-se finalmente possível subscrever este tipo de iniciativa cívica também por via electrónica.

A redução do número de assinaturas era uma reivindicação já antiga. É certo que estavam em cima da mesa propostas que apontavam para uma redução ainda maior mas o número a que se chegou tem, pelo menos, a vantagem de afastar qualquer cenário de "banalização" das ILC temido por alguns partidos: 20.000 assinaturas continuam a ser mais do dobro das que são necessárias para criar um partido político ou para a apresentação de um candidato à Presidência da República.
Mas o maior avanço será, sem dúvida, o que determina o fim das subscrições exclusivamente em papel. Em pleno Séc. XXI, com o exercício da cidadania a transferir-se cada vez mais para plataformas electrónicas, a obrigação de imprimir um formulário, assiná-lo e enviá-lo pelo correio era um anacronismo quase exclusivo das ILC. A figura da petição, por exemplo, já funciona há muito na base da subscrição virtual.
No seu conjunto, estas três medidas recentemente aprovadas vêm de facto devolver as ILC aos cidadãos. Até aqui, as operações de logística envolvidas na promoção, recolha e tratamento de milhares de assinaturas em papel deixavam as Iniciativas Legislativas de Cidadãos praticamente inacessíveis a grupos de simples cidadãos sem os complexos meios necessários.
As primeiras beneficiárias desta medida são, naturalmente, as ILC em curso. Para a Iniciativa Legislativa de Cidadãos pela revogação do Acordo Ortográfico (ILC-AO), em concreto, as perspectivas mudam radicalmente. Esta Iniciativa tem recolhidas, até agora, cerca de 15.000 assinaturas em papel. Segundo a norma anterior, a ILC-AO enfrentava um cenário adverso, em que teria ainda de recolher mais 20.000 assinaturas em papel. Com a alteração da Lei ficam a faltar "apenas" 5.000 assinaturas — com a vantagem de que poderão ser recolhidas tanto em papel como por via electrónica.
Vale a pena sublinhar que a dificuldade em reunirmos assinaturas em papel não pode, de modo nenhum, ser levada à conta de desinteresse pela nossa Causa comum. A rejeição do Acordo Ortográfico de 1990 pela maioria da população portuguesa sempre foi inequívoca. Tanto a petição/manifesto "Em defesa da Língua Portuguesa", de Vasco Graça Moura, já em 2009, como a página desta mesma ILC–AO na plataforma Causes ultrapassaram facilmente a marca dos 100.000 subscritores/seguidores. O facto de estes números não se traduzirem em subscrições em papel deve-se, apenas e só, ao desuso crescente desse suporte físico, preterido em favor do activismo online.
Sendo certo que o exercício da cidadania é muitas vezes um factor de identidade e de união entre as populações, também o é a Língua Portuguesa.
Faz todo o sentido, portanto, que seja a iniciativa cidadã a repor o statu quo anterior ao AO, em que duas variantes do Português coexistiam há décadas num ecossistema ortográfico perfeitamente estabilizado.
O AO90 limitou-se a lançar o Português Europeu no caos, corroendo os laços que o uniam à maior parte das Línguas neo-latinas europeias sem que daí adviesse qualquer espécie de vantagem. Não se vislumbra um aumento do prestígio internacional da Língua, seja lá isso o que for, nem a CPLP consegue tocar a uma só voz, com Angola e Moçambique a manter, e bem, o Acordo Ortográfico fora das suas preocupações ou prioridades.
É tempo de acabarmos com o amontoado de arbitrariedades a que se convencionou chamar “Acordo Ortográfico”, poço sem fundo de facultatividades que desmontam a própria noção de ortografia.
Permita-me que o convide, caro leitor, a visitar o sítio www.ilcao.com e a subscrever a Iniciativa Legislativa de Cidadãos pela revogação do AO90. Pode fazê-lo em papel, como sempre, ou, a partir de agora, preenchendo o formulário que se encontra online.
Dirijo-me especialmente aos pais com filhos em idade escolar: subscrever a ILC-AO é uma forma de exigir o acesso dos vossos filhos a uma ortografia racional, funcional, estável. É fundamental não ceder à chantagem emocional dos defensores do Acordo que nos dizem — agora — que andamos "a brincar com as nossas crianças" — quando foram eles os primeiros a dar início a essa brincadeira, de forma perfeitamente arbitrária e fútil.
Uma pequena "nota técnica" final: como saberão, o Acordo Ortográfico, sendo um tratado internacional, não é matéria do foro da Assembleia da República. O que é matéria do foro da Assembleia da República é a Resolução 35/2008, cuja aprovação pela AR foi um expediente que implicou a (ilegal) entrada em vigor do AO90 em Portugal. A sua revogação criará as condições para que o Acordo Ortográfico seja revertido e arquivado. É precisamente o que o Projecto de Lei da ILC-AO se propõe fazer, com a sua ajuda.
É isso o que a maioria quer, é isso o que a maioria pode ter. Basta mexer um dedo…
Comissão Representativa da ILC-AO



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