Eu
não tenho mais que dizer, a não ser que admiro a paciência de Rui Valente
e outros “anti AO” que continuam a lutar contra os seus moinhos, que de vento
são, mas dos fortes, arrasantes, formando muralha de aço como os que defendiam
o companheiro Vasco de outros tempos, que não vergam a nenhuma sugestão de
lucidez. Somos assim, e por assim sermos, estamos onde chegámos, sem língua que
preste, sem economia que valha, apenas com a dívida monstruosa da nossa argúcia
na questão das contas.
Já
agora, e porque não tenho mais que dizer, no cansaço que admiro que Rui
Valente ainda não sinta, transcrevo um excerto terminal de um livro que vou
publicar – “Permanência em fabulário de Mudança”:
«Mas, por
decisão pessoal,
- Que devera
ser nacional –
Fora do “Acordo
Ortográfico”,
Que há muito
me horrorizou
E que não
sigo,
Por uma
questão de consciência,
Ou de
decência,
Não na
convicção da “Vénus bela”,
De que a
língua portuguesa é latina
“Com pouca
corrupção”,
Mas na de
que, apesar da corrupção
Que o tempo
lhe proporcionou,
Continua
latina de origem,
E não deve
ser tolamente abastardada
Pelos que a
não amam nada,
- “Acordo”,
porém,
Que seguimos
com preceito,
No nosso
servilismo estreito,
Tão sem jeito.»
OPINIÃO
4379 cidadãos para a
Língua Portuguesa
A existência do AO90 é insustentável — e, no entanto,
o AO90 arrasta-se.
Rui Valente
Público, 14 de Novembro de 2017,
No Verão passado, fez agora um ano, tive o azar de dizer em
voz alta: “Move-se. E, desta vez, não me parece que possa ser parada.”
Referia-me à Iniciativa
Legislativa de Cidadãos (ILC) contra o Acordo Ortográfico (AO). Este movimento
acabava de ganhar um novo fôlego com a redução do número de assinaturas
necessárias para apresentar uma ILC no Parlamento (de 35.000 para 20.000) e com
a possibilidade de recolhermos as assinaturas em falta por via electrónica.
Para cúmulo das facilidades, até o vetusto n.º de eleitor desapareceu, deixando
de ser necessário para a subscrição. Cheguei a ponderar um “não pode ser
parada”. Felizmente, mantive o “não me parece” — salvei-me assim do pecado da
soberba, limitando-me a ser ingénuo.
Em meu abono, convenhamos
que o cenário era francamente animador. Se foi possível reunir mais de 14.000
assinaturas no tempo das vacas magras, quando era preciso assinar fisicamente
um papel e enviá-lo pelo correio, não haveríamos de conseguir agora uns meros
5000 e poucos cliques de rato? Parecia fácil. Parece fácil, ainda hoje...
Do ponto de vista
científico o AO90 era, e ainda é, indefensável. O Português Europeu e o
Português do Brasil não são miscíveis — não podemos escrever “desporto” numa
frase e optar por “esporte” no parágrafo seguinte. A ideia de uma ortografia
comum para duas Línguas onde TUDO é diferente — vocabulário, sintaxe, prosódia,
criação de neologismos — só podia resultar num absurdo. Como se previa, o AO
tornou-se a “ortografia” do desconchavo, da facultatividade, do
substantivo-com-espaços, do agravo estético, das dezenas de novas homofonias e
homografias tão prejudiciais quanto perfeitamente evitáveis.
Não admira que muitos
portugueses continuem a considerar o AO90 uma “ortografia” ridícula e sem
estilo — boa para um efeito cómico fácil mas pouco adequada ao discurso sério.
Do ponto de vista
político, o contexto era, e ainda é, um desastre! Na CPLP, o Acordo Ortográfico
é um corpo estranho, um entrave ao que poderia ser uma verdadeira política de
intercâmbio cultural. Em vez da troca de experiências e da criação de um
circuito artístico deu-se primazia ao “turismo linguístico” em que os mesmos
quatro conferencistas de sempre fazem a tournée mundial da defesa do AO90. Será
certamente mais barato fazer um Acordo Ortográfico mas o Teatro, a Dança ou a
Música nada ganham com isso. Nem a Literatura. Nem sequer, ironia, a edição de
livros. De resto, Angola e Moçambique não assinam nem estão preocupados com o
Acordo, a Guiné Equatorial não sabe que ele existe e o duvidoso estatuto de
Língua oficial da ONU não responde ao problema cientifico: se não são miscíveis,
de que variante estamos a falar quando falamos em Língua oficial nas Nações
Unidas? Aceitam-se apostas.
Finalmente, do ponto de
vista social o cenário era, e ainda é, calamitoso. Com o AO veio a noção de
arbitrariedade ortográfica, do “agora tanto faz” e do “escreve-se das duas
maneiras”. Instalou-se o cAOs ortográfico, que o ensino do AO
nas escolas ameaça agravar.
Nesta conjuntura, com o
Acordo Ortográfico em tão mau estado, reunir as assinaturas em falta parecia
uma brincadeira de crianças. Parecia… mas não foi.
Aconteceu um pouco de tudo.
Para começar, a plataforma Causes juntou-se
ao grande “has-been” tecnológico onde estão o Napster e o Altavista — de uma
assentada, perdemos o contacto com mais de 120.000 seguidores da ILC. As únicas
vias de comunicação com os nossos subscritores passaram a ser a nossa
página no Facebook, com cerca de 9.500 seguidores, e o sítio oficial
da ILC, em www.ilcao.com. Claro que o Facebook não
permite o contacto directo com seguidores — uma publicação nessa rede pode nem
chegar a um décimo das pessoas que seguem uma página.
Aconteceu, também, a
dispersão dos próprios anti-acordistas. É um fenómeno estranho, mas real: há
quem assine tudo o que for contra o AO... excepto esta ILC. Queixas na
Provedoria, petições, cartas abertas, pedidos de referendos, manifestações e
até — pasme-se — uma petição “com valor simbólico de ILC”. Tudo é preferível à
participação numa ILC a sério.
Nenhuma daquelas
iniciativas produziu resultados. Mas, a cada revés, os seus promotores optam
sempre por começar algo novo, a partir do zero. Apoiar uma ILC praticamente
concluída parece estar fora de questão.
Que mais pode acontecer?
Que tal uma nova mudança nas regras das ILC? Sim, a notícia
do fim do n.º de eleitor revelou-se algo exagerada. Esta ILC pôs de pé um portal para subscrição online da
Iniciativa — suprindo o vazio criado pela Lei, que assegurou
essa possibilidade na teoria mas não na prática.
Passado menos de um ano,
eis que esse portal se torna obsoleto. Sob protesto, lá tivemos de meter
novamente mãos à obra, acrescentando os campos que, aos
olhos da Assembleia da República, são afinal imprescindíveis.
Tudo isto — "redes
sociais" que não funcionam, tiros no pé de anti-acordistas e burocracia da
Assembleia da República — afecta bastante a luta contra o Acordo.
Mas nada é tão
pernicioso como o muro de indiferença que continua a rodear este assunto. A
existência do AO90 é insustentável — e, no entanto, o AO90 arrasta-se. Este
paradoxo, alimentado pelo desnorte de sucessivos governos no capítulo da
Língua, é um duro teste à nossa capacidade para resistir ao disparate.
A própria Assembleia da
República contribui para o marasmo ao criar (mais) um Grupo de Trabalho para
avaliar o impacto do AO90. Os testemunhos recolhidos até agora não serão já
suficientes para que se tirem conclusões? Aparentemente, não. A única conclusão
do GT, até ao momento, é a de que deve continuar a avaliar.
Mas há mais e pior:
a anunciada "revisão" do AO90, que
ameaça tornar-se a machadada final no Português Europeu. Se se concretizar,
tornar-se-á uma emenda pior do que o soneto. Se não se concretizar, terá
consumido a esperança de quem, à falta de melhor, viu na revisão o remendo
possível para o AO90. Para já, o único resultado desse anúncio parece ser uma
anestesia ainda maior da luta contra o Acordo.
Vêm-me à memória as palavras de Nuno Pacheco,
redactor-principal deste jornal: “Valha-nos, ao menos, a insistência da
Iniciativa Legislativa de Cidadãos contra o acordo. Deviam assiná-la todos os
que ainda não perderam a coragem.”
Pela parte que nos toca,
não contem connosco para deitar a toalha ao chão. O “endereço” para a
subscrição electrónica aqui fica: https://ilcao.com/subscricoes/subscrever.
Se estão fartos de
petições, de iniciativas de referendo ou de promessas de revisão, assinem. Se
nunca ouviram falar desta ILC, assinem. E se tiverem 4379 amigos*, tragam-nos
também. O futuro da Língua Portuguesa está nas vossas mãos.
*N.º de assinaturas que
faltam para as 20.000
NOTA: Por lapso, a versão que inicialmente se
publicou neste espaço foi a mais reduzida, destinada à publicação na edição em
papel, agora substituída pela versão integral.
3 COMENTÁRIOS
Hamilton - UK 17.11.2017 00:08
Devemos
mobilizar-nos contra o AO e tomar acções efectivas como deixar de comprar
qualquer livro, jornal ou revista escrita com erros (Acordo) ortográficos,
também evitar visitar os websites escritos com o AO. Mobilizemos-nos contra esta aberração e destruição da Lingua
Portuguesa!
14.11.2017
22:19 Força, Portugueses! Se a nossa língua materna significa algo para nós, é
nossa obrigação batermo-nos em sua defesa! Subscrevam esta Iniciativa
Legislativa de Cidadãos: 'obriguemos' a Assembleia da República (AR) a ser
realmente a 'casa da nossa democracia'! Já aquando da Res. da AR n.º26/91, que
aprovou, para ratificação, em 4 de Junho de 1991, o AO90, a mesma AR nem sequer
se deu conta de que o texto não estava escrito com a ortografia correcta, o que
motivou uma Rectificação posterior! E a Resolução n.º 35/2008 aprovou o
'Segundo Protocolo Modificativo', que nega a prática democrática! Não leram?!
Chega de distracções e sucessivos grupos de trabalho 'para inglês ver'! Estou
com esta ILC desde 2010 e já recolhi muitas assinaturas, em papel. Chegou a
hora de unirmos os nossos esforços!
Almada 16.11.2017 02:11
Podem
também contar comigo e com aqueles que consiga contactar. Este AO90 cheira mal
que se farta. Por algum motivo esconderam todos os pareceres negativos, e as
circunstancias em que foi aprovado. Quanto a Democracia, se vivêssemos num país
democrático esta trapalhada num teria visto a luz do dia.
Cidadania e Língua Portuguesa
Não
se vislumbra um aumento do prestígio internacional da Língua, seja lá isso o
que for, nem a CPLP consegue tocar a uma só voz.
Rui
Valente
1 de
Outubro de 2016
No passado dia 20 de
Julho a Assembleia da República aprovou, finalmente, três importantes
alterações à Lei que regula as Iniciativas Legislativas de Cidadãos (ILC): o
número de eleitor (que raramente temos à mão…) deixa de ser um dos
requisitos, reduziu-se o número mínimo de assinaturas de 35.000 para 20.000
e torna-se finalmente possível subscrever este tipo de iniciativa cívica também
por via electrónica.
A redução do número de
assinaturas era uma reivindicação já antiga. É certo que estavam em cima da
mesa propostas que apontavam para uma redução ainda maior mas o número a que se
chegou tem, pelo menos, a vantagem de afastar qualquer cenário de
"banalização" das ILC temido por alguns partidos: 20.000 assinaturas
continuam a ser mais do dobro das que são necessárias para criar um partido
político ou para a apresentação de um candidato à Presidência da República.
Mas o maior avanço será,
sem dúvida, o que determina o fim das subscrições exclusivamente em papel. Em
pleno Séc. XXI, com o exercício da cidadania a transferir-se cada vez mais para
plataformas electrónicas, a obrigação de imprimir um formulário, assiná-lo e
enviá-lo pelo correio era um anacronismo quase exclusivo das ILC. A figura da
petição, por exemplo, já funciona há muito na base da subscrição virtual.
No seu conjunto, estas três
medidas recentemente aprovadas vêm de facto devolver as ILC aos cidadãos. Até
aqui, as operações de logística envolvidas na promoção, recolha e tratamento de
milhares de assinaturas em papel deixavam as Iniciativas Legislativas de
Cidadãos praticamente inacessíveis a grupos de simples cidadãos sem os
complexos meios necessários.
As primeiras
beneficiárias desta medida são, naturalmente, as ILC em curso. Para a
Iniciativa Legislativa de Cidadãos pela revogação do Acordo Ortográfico
(ILC-AO), em concreto, as perspectivas mudam radicalmente. Esta Iniciativa tem
recolhidas, até agora, cerca de 15.000 assinaturas em papel. Segundo a norma
anterior, a ILC-AO enfrentava um cenário adverso, em que teria ainda de
recolher mais 20.000 assinaturas em papel. Com a alteração da Lei ficam a
faltar "apenas" 5.000 assinaturas — com a vantagem de que poderão ser
recolhidas tanto em papel como por via electrónica.
Vale a pena sublinhar
que a dificuldade em reunirmos assinaturas em papel não pode, de modo nenhum,
ser levada à conta de desinteresse pela nossa Causa comum. A rejeição do Acordo
Ortográfico de 1990 pela maioria da população portuguesa sempre foi inequívoca.
Tanto a petição/manifesto "Em defesa da Língua Portuguesa", de Vasco
Graça Moura, já em 2009, como a página desta mesma ILC–AO na plataforma Causes
ultrapassaram facilmente a marca dos 100.000 subscritores/seguidores. O facto
de estes números não se traduzirem em subscrições em papel deve-se, apenas e
só, ao desuso crescente desse suporte físico, preterido em favor do
activismo online.
Sendo certo que o
exercício da cidadania é muitas vezes um factor de identidade e de união entre
as populações, também o é a Língua Portuguesa.
Faz todo o sentido,
portanto, que seja a iniciativa cidadã a repor o statu quo anterior ao AO, em que
duas variantes do Português coexistiam há décadas num ecossistema ortográfico
perfeitamente estabilizado.
O AO90 limitou-se a
lançar o Português Europeu no caos, corroendo os laços que o uniam à maior
parte das Línguas neo-latinas europeias sem que daí adviesse qualquer espécie
de vantagem. Não se vislumbra um aumento do prestígio internacional da Língua,
seja lá isso o que for, nem a CPLP consegue tocar a uma só voz, com Angola e
Moçambique a manter, e bem, o Acordo Ortográfico fora das suas preocupações ou
prioridades.
É tempo de acabarmos com
o amontoado de arbitrariedades a que se convencionou chamar “Acordo Ortográfico”,
poço sem fundo de facultatividades que desmontam a própria noção de ortografia.
Permita-me que o convide,
caro leitor, a visitar o sítio www.ilcao.com e a subscrever a Iniciativa
Legislativa de Cidadãos pela revogação do AO90. Pode fazê-lo em papel, como
sempre, ou, a partir de agora, preenchendo o formulário que se encontra online.
Dirijo-me especialmente
aos pais com filhos em idade escolar: subscrever a ILC-AO é uma forma de exigir
o acesso dos vossos filhos a uma ortografia racional, funcional, estável. É
fundamental não ceder à chantagem emocional dos defensores do Acordo que nos
dizem — agora — que andamos "a brincar com as nossas crianças" —
quando foram eles os primeiros a dar início a essa brincadeira, de forma
perfeitamente arbitrária e fútil.
Uma pequena "nota
técnica" final: como saberão, o Acordo Ortográfico, sendo um tratado
internacional, não é matéria do foro da Assembleia da República. O que é
matéria do foro da Assembleia da República é a Resolução 35/2008, cuja
aprovação pela AR foi um expediente que implicou a (ilegal) entrada em vigor do
AO90 em Portugal. A sua revogação criará as condições para que o Acordo
Ortográfico seja revertido e arquivado. É precisamente o que o Projecto de Lei
da ILC-AO se propõe fazer, com a sua ajuda.
É isso o que a maioria
quer, é isso o que a maioria pode ter. Basta mexer um dedo…
Comissão Representativa da ILC-AO
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