quinta-feira, 9 de novembro de 2017

Uma Revolução que vingou


Do blog de David Martelo, “A BIGORNA”, enviado por email, extraio o curioso artigo sobre a nossa Restauração, mais facilmente obtida por a Catalunha também andar, por essa altura, com propósitos independentistas de muita violência – o que facilitou a vitória do nosso lado, pela dispersão dos focos de luta no bloco de uma Espanha unitária. Mas foi arriscado o movimento, e não só por falta de apoio externo, pois, como sucedera aquando de Aljubarrota, na Restauração da nossa independência em 1640, “também dos portugueses /Alguns traidores houve”, os quais o texto histórico cita, o próprio duque de Bragança bastante hesitante a princípio em participar no entusiasmo libertador dos conspiradores portugueses. «A SEPARAÇÃO DE PORTUGAL DA MONARQUIA HISPÂNICA E O SEU DEMORADO RECONHECIMENTO INTERNACIONAL” eis o texto historiográfico de David Martelo, que revela, entre dados esclarecedores, as hesitações iniciais do duque de Bragança de chefiar o movimento, bem posicionado que estava, como súbdito do rei de Espanha e certamente que receoso das consequências do seu acto.
Um excelente texto de David Martelo, que nos faz orgulhar-nos um pouco desses heróis do passado – estes como conspiradores de palácio, mas bons patriotas, que talvez não tenham medido as consequências do acto, na vingança do rei espanhol. De facto, não fora o auxílio inglês e não teríamos vencido as chamadas batalhas da Restauração, que se prolongaram por vários anos e aprendi na história terem sido quatro: Linhas de Elvas, Ameixial, Castelo Rodrigo e Montes Claros.
As razões para a Catalunha, zona  rica, ser independente, então como agora, não são certamente as mesmas que as nossas, país arruinado, cuja perda da própria Armada, integrada na Armada Invencível do rei Filipe II, afinal vencida pela armada do capitão inglês Drake, e  a perda de territórios ultramarinos no desamparo ou indiferença espanhóis, arruinaram ainda mais. Portugal desde sempre afirmara o seu separatismo, em relação a Espanha, com o seu punhado de gentes que ao longo dos tempos o foram marcando, na arte, na literatura, nas características específicas, no próprio povo generoso embora mesquinho. E esperto, apesar de tudo, que vai protegendo os seus ídolos, como a Amália, injustiçada por alturas da Revolução de Abril, e que acabou sempre venerada e reconhecida. Pequenos e até safados, mas carinhosos. E se, por cá “também dos portugueses /Alguns traidores houve algumas vezes” , o certo é que, ao longo da sua História, também dos portugueses sempre os houve salvadores da nação. Por amor pátrio. Por isso vingou, a Restauração.

A SEPARAÇÃO DE PORTUGAL DA MONARQUIA HISPÂNICA E O SEU DEMORADO RECONHECIMENTO INTERNACIONAL
David Martelo – Novembro de 2017
Em 7 de Junho de 1640 inicia-se, em Barcelona, a revolta da Catalunha. Nessa ocasião, os catalães dão largas ao seu ódio ao domínio de Madrid, cometendo as maiores atrocidades contra todos quantos, na ocasião, são identificados como castelhanos. O próprio vice-rei, D. Dalmacio de Queralt, conde de Santa Coloma, é apanhado pela turba revoltosa e morto à punhalada quando procura refugiar-se na região de Monjuich. O grau de violência atingido na revolta catalã e o interesse da França em fomentar situações de crise na retaguarda espanhola geram condições propícias para o triunfo, em Portugal, de um golpe anti-espanhol. Supondo que a situação crítica de 1637-1638 está ultrapassada, os melhores contingentes espanhóis presentes em Portugal são enviados, em Agosto, para a Catalunha. Deste modo, o centro de gravidade do exército filipino situa-se, no final de 1640, no Nordeste da Península Ibérica. É nesse mês de Agosto que se organiza o movimento de conjurados determinados a agir para romper com a Monarquia Hispânica. Na sua maioria eram nobres com idades abaixo dos quarenta anos, tendo como líder o conde de Abrantes, D. Miguel de Almeida, então com 80 anos. Com o exército filipino empenhado na campanha da Catalunha e em guerra com a França, as condições geopolíticas pareciam ser extremamente favoráveis a um levantamento vitorioso. Além disso, os preparativos de natureza militar que a acção implicava confundiam-se na perfeição com os supostos aprestos das tropas portuguesas para seguirem, igualmente, para a Catalunha. E, para conferir normalidade a todas as movimentações, sucedia que, desde Janeiro de 1639, por nomeação de Filipe IV, era Governador-Geral de Armas de Portugal o duque de Bragança, D. João. A figura do duque D. João tem, em toda esta trama, uma importância e um significado digno da maior atenção. A história regista, de forma incontroversa, como foi hesitante e temerosa a sua adesão à conspiração separatista. Na reunião de 12 de Outubro de 1640, em casa de D. Antão de Almada, o representante do duque de Bragança, João Pinto Ribeiro, deixara perceber que o seu amo pressentia que a revolta se apresentava como uma empresa mal preparada.
 A que vertentes da revolta se referiria o duque quando temia pela sua insuficiente preparação? Provavelmente a tudo aquilo que não dependia apenas da vontade dos portugueses: o reconhecimento internacional e futuras alianças ou formas de apoio militar que forçassem a Espanha a aceitar a separação. É certo que o facto de se encontrar confortavelmente integrado no sistema da Monarquia Hispânica era, por si só, um bom motivo para que D. João se resguardasse de aventuras. O seu comportamento por ocasião da revolta de Évora indica isso mesmo. Um certo temor histórico, também, não é de excluir. O eventual malogro da rebelião podia colocá-lo em situação idêntica à que conduzira o seu tetravô Fernando ao cadafalso. No entanto, em 25 de Novembro, o convite insistente do Conde Duque de Olivares para que o duque de Bragança acompanhasse Filipe IV à Catalunha funcionaria como forte incentivo para a sua adesão aos conjurados. No 1.º de Dezembro seguinte, naquilo que Oliveira Martins classificou como «uma conspiração palaciana, com a protecção dos Jesuítas e da França»2 , um grupo de nobres – quase todos filhos segundos, sublinhe-se – e letrados toma de assalto o Paço da Ribeira e, rapidamente, neutraliza a duquesa de Mântua, representante de Filipe IV em Portugal. D. João, oitavo duque de Bragança e neto de D. Catarina (que fora candidata ao trono, em 1580), é, então, aclamado rei de Portugal.
(1 SERRÃO, Joaquim V., História de Portugal, Vol. V, p. 15. 2 MARTINS, J. P. Oliveira, Portugal Contemporâneo, Vol. II, p. 270. )
Na rapidez da sua execução, o 1.º de Dezembro revestiu-se das modernas características do golpe de Estado. Um historiador espanhol nosso contemporâneo descreveu a acção dos conjurados em termos que confirmam esta visão: A especificidade do golpe contra Filipe IV talvez tenha radicado na fusão que logrou fazer das diversas formas de resistência – conjura, golpe e destronamento – e na rapidez com que foi executado, sem dar trégua a uma negociação: o domínio de Lisboa, a aclamação de D. João IV e a assinatura dos primeiros decretos procuravam apresentar perante Madrid – e perante os portugueses – uma política de factos consumados que serviria para eliminar qualquer perigo de involução…
Com este comentário, é grande a tentação de fazer comparações com acontecimentos algo semelhantes ocorridos há bem pouco tempo na vizinha Espanha. Não são, todavia, mais do que semelhanças, e não apenas neste pormenor. Consumado o golpe em Lisboa, segue-se, naturalmente, a consciência da difícil situação em que o reino se encontra. Da parte portuguesa, logo se reclama a legitimidade de D. João IV, por ser neto de D. Catarina, a filha do infante D. Duarte que, em 1580, deveria ter sucedido no trono ao cardeal D. Henrique. Por sua vez, da parte de Madrid, todos os esforços diplomáticos vão no sentido de apresentar a revolução portuguesa como uma insurreição de súbditos contra o monarca legítimo, acto esse que, a ser apoiado, criava um precedente que ameaçava todos os soberanos legítimos da Europa. Assim sendo, a Espanha tudo fez para que a revolta portuguesa fosse tratada com um assunto interno e pressionou a Santa Sé, com sucesso, no sentido de o papa não reconhecer a nova dinastia. Para fortalecer a posição espanhola, não faltavam, sequer, exemplos de fidalgos portugueses que recusavam a realeza de D. João IV. Entre eles, contavam-se figuras de topo da nobreza antiga, como D. Duarte de Menezes, 3.º conde de Tarouca, D. Pedro de Mascarenhas, D. João Soares de Alarcão e D. Luís da Silva, que, em Fevereiro de 1641, se ausentaram para Castela. Em Madrid, foram recebidos com grande pompa por Filipe IV e aclamados nas ruas pelo povo da capital espanhola. Seguir-se-ia a atribuição de mercês: o conde de Tarouca foi elevado a marquês; D. Pedro de Mascarenhas a conde de Castelo Novo; D. João Soares de Alarcão a conde de Torres Vedras e D. Luís da Silva a conde de Vagos. Em Julho do mesmo ano, é detectada e prontamente reprimida uma conspiração favorável ao retorno à situação anterior a 1 de Dezembro. Aparecem envolvidos na intentona diversos membros da família Meneses: o marquês de Vila Real, D. Luís de Noronha e Meneses, o duque de Caminha (filho do antecedente), o arcebispo de Braga, D. Sebastião Matos de Noronha, o conde de Armamar, D. Rui Matos de Noronha, e diversos outros nobres e prelados. Seriam todos presos e, posteriormente, degolados num cadafalso armado no Rossio, para exemplo de quantos sonhavam, ainda, com o regresso dos Filipes. No plano internacional, as deserções e a conspiração subsequentes serviam perfeitamente para demonstrar que a rebelião não teria o necessário apoio interno e não tardaria a soçobrar. E, se era essa a ideia que interessava aos planos do governo de Madrid, o apoio a Portugal por parte dos países inimigos da Casa de Áustria – sobretudo a França e as Províncias Unidas (Holanda) – revelava-se dramaticamente aquém do que esperariam os revoltosos. A França de Luís XIII e Richelieu, grande responsável pelo incitamento à rebelião, vai esquivar-se sucessivamente a qualquer liga formal com Portugal. O Tratado Luso-Francês de 1 de Junho de 1641 cobria uma série de possibilidades de acção conjunta contra Castela com as forças de ambos os países, nomeadamente uma invasão portuguesa de território espanhol que obrigasse o governo de Madrid a retirar tropas da frente da Catalunha, mas não excluía a hipótese de uma paz separada com pretendia o governo de Lisboa. A situação não se alteraria após a subida ao trono de Luís XIV e com a governação do cardeal Mazarino, sucedendo-se diversos avanços e recuos diplomáticos que fizeram da França um não inimigo em que não se podia confiar. Por seu turno, os holandeses – que, tal como a França, (3 VALLADARES, Rafael, La Rebelión de Portugal, 1640-1680, p. 228. Sublinhado nosso) combatiam a Monarquia Hispânica – adoptam uma atitude favorável à coroa portuguesa na Europa mas continuam a ofensiva militar no Brasil, em S. Tomé e em Angola. A mesma reserva se manifesta entre os homens de negócios, inseguros quanto ao desenlace da separação. Em 1643, a situação vista de Lisboa assemelhava-se muito à de um reino entregue à sua sorte, como haveria de registar o padre António Vieira: « O Papa não recebendo o nosso embaixador; a Dinamarca não admitindo a nossa confederação; a Suécia não continuando o comércio; a França, que é mais obrigada, não nos mandando embaixador... É cousa muito digna de reparo e sentimento, que se não veja em Lisboa um embaixador de algum príncipe da Europa...»
As palavras de António Vieira traduziam uma situação de isolamento internacional. De facto, o reino já não pertencia ao bloco da coroa espanhola, mas ainda não se inserira no bloco antagónico. E que poderia esperar-se, em alternativa, da antiga aliada Inglaterra? A Inglaterra de Carlos I não estava nas melhores condições para fornecer ajuda de peso. O antigo aliado encontrava-se à beira de grave crise interna e eram amistosas, na época, as suas relações com Madrid. Sintomaticamente, nos primeiros contactos diplomáticos entre Portugal e Inglaterra, após a Restauração, nenhuma das partes invoca a validade de qualquer aliança anterior. Portugal necessitava, urgentemente, de encontrar uma alternativa estratégica que permitisse sair da política lançada por D. João II de boa-vizinhança com a Espanha – e que consentira a indispensável tranquilidade para a execução da Expansão Ultramarina – para uma outra política que teria de contar com a hostilidade do poderoso vizinho. O que é que se alterara, no plano geopolítico, desde o tempo de D. João II?  O país que partilhava a fronteira terrestre com Portugal era, agora, uma potência europeia e mundial, sendo, igualmente, uma potência marítima de respeito;  O império ultramarino português tornara-se incomparavelmente mais vasto e disperso pelo mundo, acentuando a nossa dependência da livre navegação dos oceanos;  As capacidades navais portuguesas haviam diminuído significativamente, encontrando-se nesta época, atrás da Inglaterra, da Holanda, da França e da Espanha. D. João II e D. Manuel I – que sonhavam com uma grande Espanha voltada para o Ultramar – não previram a chegada dos Habsburgos, e, muito menos, os seus efeitos. Tão-pouco pressentiram uma reforma religiosa que iria subtrair parte importante da cristandade à autoridade do papa, colocando em crise o sistema internacional criado pelo Tratado de Tordesilhas. A partir de Carlos I, a Monarquia Hispânica viu alargar os seus domínios no Velho Continente, comprometendo-a intensamente com diversos vectores da política europeia, em não poucos casos com o recurso a guerras desgastantes e inglórias. Após a Restauração, posta em causa a política de paz com o vizinho castelhano, é indispensável, para garantir a independência, encontrar o apoio de uma potência que tenha os meios e a vocação global compatível com o tamanho e a dispersão das parcelas portuguesas. Essa potência podia ter sido a França, recriando o cenário do inimigo nas costas de Castela desempenhado, no período medieval, por Aragão. A França encorajara os conspiradores de 1640 e estava em guerra com a Espanha. Todavia, o menor empenhamento demonstrado pelo governo gaulês após a reconquista da independência não deixa a Portugal outra saída que não seja o recurso ao antigo aliado britânico. Na circunstância – com a Grã-Bretanha a atravessar uma grave crise interna que culminará na execução de Carlos I e na proclamação da República – o processo de reaproximação vai ser mais lento e menos eficaz do que seria desejo da coroa portuguesa. (4 VIEIRA, António, Obras Escolhidas, vol. IV, p. 9 4)
 O novo Tratado de Aliança – directamente ligado ao matrimónio de Carlos II com D. Catarina de Bragança – é assinado em Whitehall, em 23 de Junho de 1661. O seu articulado é, ainda, maioritariamente dedicado às relações comerciais entre os dois reinos e a questões ligadas com a expansão colonial britânica na América e na Ásia. Por ele, aumentam-se os privilégios de que gozam já os mercadores ingleses nos domínios portugueses e dá-se aos portugueses a possibilidade de contratar tropas na Inglaterra, obrigando-se Carlos II a não fazer a paz com Castela, no caso de esta potência pretender impedir o auxílio a Portugal, «nem se descuidaria de coisa alguma para a sustentação de Portugal, ainda que por amor dela fosse obrigado a ter guerra com Castela».
A ajuda militar britânica concretiza-se, no Verão de 1662, quando tropas de infantaria e cavalaria, totalizando cerca de 12.700 homens, são enviadas para Portugal, ficando reunidas as condições para que o êxito da separação seja garantido pela via militar. É na sequência do tratado de 1661 que Portugal passa a depender do apoio naval britânico para os contactos com o Ultramar e a ter no governo de Londres como que um intermediário em matéria de política externa. Neste particular, o vizinho espanhol – também ele em inevitável decadência – não fugiria muito a um destino análogo, só que, muitas vezes, na sombra da monarquia francesa: A Catalunha, ao procurar romper a sua velha ligação com Espanha – com a Espanha que os seus grandes reis tinham entrevisto bem cedo – e Portugal ao conseguir formar um estado independente, alienaram, na realidade, a superior independência histórica de todos os Hispanos. Porque, a partir desses anos cruéis, nós, os peninsulares, temos vivido sempre mediatizados.


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