Do blog de David Martelo,
“A BIGORNA”, enviado por email, extraio o curioso artigo sobre a nossa
Restauração, mais facilmente obtida por a Catalunha também andar, por essa
altura, com propósitos independentistas de muita violência – o que facilitou a
vitória do nosso lado, pela dispersão dos focos de luta no bloco de uma Espanha
unitária. Mas foi arriscado o movimento, e não só por falta de apoio externo, pois,
como sucedera aquando de Aljubarrota, na Restauração da nossa independência em
1640, “também dos portugueses /Alguns traidores houve”, os quais o texto
histórico cita, o próprio duque de Bragança bastante hesitante a princípio em
participar no entusiasmo libertador dos conspiradores portugueses. «A
SEPARAÇÃO DE PORTUGAL DA MONARQUIA HISPÂNICA E O SEU DEMORADO RECONHECIMENTO
INTERNACIONAL” eis o texto historiográfico de David Martelo, que
revela, entre dados esclarecedores, as hesitações iniciais do duque de Bragança
de chefiar o movimento, bem posicionado que estava, como súbdito do rei de
Espanha e certamente que receoso das consequências do seu acto.
Um excelente texto de David
Martelo, que nos faz orgulhar-nos um pouco desses heróis do passado – estes
como conspiradores de palácio, mas bons patriotas, que talvez não tenham medido
as consequências do acto, na vingança do rei espanhol. De facto, não fora o
auxílio inglês e não teríamos vencido as chamadas batalhas da Restauração, que
se prolongaram por vários anos e aprendi na história terem sido quatro: Linhas
de Elvas, Ameixial, Castelo Rodrigo e Montes Claros.
As razões para a Catalunha, zona
rica, ser independente, então como
agora, não são certamente as mesmas que as nossas, país arruinado, cuja perda da
própria Armada, integrada na Armada Invencível do rei Filipe II, afinal vencida
pela armada do capitão inglês Drake, e a
perda de territórios ultramarinos no desamparo ou indiferença espanhóis, arruinaram ainda mais. Portugal desde sempre afirmara o seu separatismo, em
relação a Espanha, com o seu punhado de gentes que ao longo dos tempos o foram
marcando, na arte, na literatura, nas características específicas, no próprio
povo generoso embora mesquinho. E esperto, apesar de tudo, que vai protegendo
os seus ídolos, como a Amália, injustiçada por alturas da Revolução de Abril, e
que acabou sempre venerada e reconhecida. Pequenos e até safados, mas carinhosos.
E se, por cá “também dos portugueses /Alguns traidores houve algumas vezes”
, o certo é que, ao longo da sua História, também dos portugueses sempre os
houve salvadores da nação. Por amor pátrio. Por isso vingou, a Restauração.
A SEPARAÇÃO DE PORTUGAL DA MONARQUIA HISPÂNICA E O SEU
DEMORADO RECONHECIMENTO INTERNACIONAL
David Martelo – Novembro de 2017
Em 7 de Junho de 1640
inicia-se, em Barcelona, a revolta da Catalunha. Nessa
ocasião, os catalães dão largas ao seu ódio ao domínio de Madrid, cometendo as
maiores atrocidades contra todos quantos, na ocasião, são identificados como
castelhanos. O próprio vice-rei, D. Dalmacio de Queralt, conde de Santa Coloma,
é apanhado pela turba revoltosa e morto à punhalada quando procura refugiar-se
na região de Monjuich. O grau de violência atingido na revolta catalã e
o interesse da França em fomentar situações de crise na retaguarda espanhola
geram condições propícias para o triunfo, em Portugal, de um golpe
anti-espanhol. Supondo que a situação crítica de 1637-1638 está
ultrapassada, os melhores contingentes espanhóis presentes em Portugal são
enviados, em Agosto, para a Catalunha. Deste modo, o centro de gravidade do
exército filipino situa-se, no final de 1640, no Nordeste da Península Ibérica.
É nesse mês de Agosto que se organiza o movimento de conjurados determinados a
agir para romper com a Monarquia Hispânica. Na sua maioria eram nobres com
idades abaixo dos quarenta anos, tendo como líder o conde de Abrantes, D.
Miguel de Almeida, então com 80 anos. Com o exército filipino
empenhado na campanha da Catalunha e em guerra com a França, as condições
geopolíticas pareciam ser extremamente favoráveis a um levantamento vitorioso.
Além disso, os preparativos de natureza militar que a acção implicava
confundiam-se na perfeição com os supostos aprestos das tropas portuguesas para
seguirem, igualmente, para a Catalunha. E, para conferir normalidade a
todas as movimentações, sucedia que, desde Janeiro de 1639, por nomeação de
Filipe IV, era Governador-Geral de Armas de Portugal o duque de Bragança, D.
João. A figura do duque D. João tem, em toda esta trama, uma importância
e um significado digno da maior atenção. A história regista, de forma
incontroversa, como foi hesitante e temerosa a sua adesão à conspiração
separatista. Na reunião de 12 de Outubro de 1640, em casa de D. Antão de
Almada, o representante do duque de Bragança, João Pinto Ribeiro, deixara
perceber que o seu amo pressentia que a revolta se apresentava como uma empresa
mal preparada.
A que vertentes da revolta se referiria o
duque quando temia pela sua insuficiente preparação? Provavelmente a tudo
aquilo que não dependia apenas da vontade dos portugueses: o reconhecimento
internacional e futuras alianças ou formas de apoio militar que forçassem a
Espanha a aceitar a separação. É certo que o facto de se encontrar
confortavelmente integrado no sistema da Monarquia Hispânica era, por si só, um
bom motivo para que D. João se resguardasse de aventuras. O seu comportamento
por ocasião da revolta de Évora indica isso mesmo. Um certo temor histórico,
também, não é de excluir. O eventual malogro da rebelião podia colocá-lo em situação
idêntica à que conduzira o seu tetravô Fernando ao cadafalso. No
entanto, em 25 de Novembro, o convite insistente do Conde Duque de Olivares
para que o duque de Bragança acompanhasse Filipe IV à Catalunha funcionaria
como forte incentivo para a sua adesão aos conjurados. No 1.º de
Dezembro seguinte, naquilo que Oliveira Martins classificou como «uma
conspiração palaciana, com a protecção dos Jesuítas e da França»2 , um grupo de
nobres – quase todos filhos segundos, sublinhe-se – e letrados toma de assalto
o Paço da Ribeira e, rapidamente, neutraliza a duquesa de Mântua, representante
de Filipe IV em Portugal. D. João, oitavo duque de Bragança e neto de D.
Catarina (que fora candidata ao trono, em 1580), é, então, aclamado rei de
Portugal.
(1 SERRÃO, Joaquim V.,
História de Portugal, Vol. V, p. 15. 2 MARTINS, J. P. Oliveira, Portugal
Contemporâneo, Vol. II, p. 270. )
Na rapidez da sua execução,
o 1.º de Dezembro revestiu-se das modernas características do golpe de Estado.
Um historiador espanhol nosso contemporâneo descreveu a acção dos conjurados em
termos que confirmam esta visão: A especificidade do golpe contra Filipe IV
talvez tenha radicado na fusão que logrou fazer das diversas formas de
resistência – conjura, golpe e destronamento – e na rapidez com que foi
executado, sem dar trégua a uma negociação: o domínio de Lisboa, a aclamação de
D. João IV e a assinatura dos primeiros decretos procuravam apresentar perante
Madrid – e perante os portugueses – uma política de factos consumados que
serviria para eliminar qualquer perigo de involução…
Com este comentário, é
grande a tentação de fazer comparações com acontecimentos algo semelhantes
ocorridos há bem pouco tempo na vizinha Espanha. Não são, todavia, mais
do que semelhanças, e não apenas neste pormenor. Consumado o golpe em Lisboa,
segue-se, naturalmente, a consciência da difícil situação em que o reino se
encontra. Da parte portuguesa, logo se reclama a legitimidade de D. João IV,
por ser neto de D. Catarina, a filha do infante D. Duarte que, em 1580, deveria
ter sucedido no trono ao cardeal D. Henrique. Por sua vez, da parte de Madrid,
todos os esforços diplomáticos vão no sentido de apresentar a revolução
portuguesa como uma insurreição de súbditos contra o monarca legítimo, acto
esse que, a ser apoiado, criava um precedente que ameaçava todos os soberanos
legítimos da Europa. Assim sendo, a Espanha tudo fez para que a revolta
portuguesa fosse tratada com um assunto interno e pressionou a Santa Sé, com
sucesso, no sentido de o papa não reconhecer a nova dinastia. Para
fortalecer a posição espanhola, não faltavam, sequer, exemplos de fidalgos
portugueses que recusavam a realeza de D. João IV. Entre eles, contavam-se
figuras de topo da nobreza antiga, como D. Duarte de Menezes, 3.º conde de
Tarouca, D. Pedro de Mascarenhas, D. João Soares de Alarcão e D. Luís da Silva,
que, em Fevereiro de 1641, se ausentaram para Castela. Em Madrid, foram
recebidos com grande pompa por Filipe IV e aclamados nas ruas pelo povo da
capital espanhola. Seguir-se-ia a atribuição de mercês: o conde de Tarouca foi
elevado a marquês; D. Pedro de Mascarenhas a conde de Castelo Novo; D. João
Soares de Alarcão a conde de Torres Vedras e D. Luís da Silva a conde de Vagos.
Em Julho do mesmo ano, é detectada e prontamente reprimida uma conspiração
favorável ao retorno à situação anterior a 1 de Dezembro. Aparecem
envolvidos na intentona diversos membros da família Meneses: o marquês de Vila
Real, D. Luís de Noronha e Meneses, o duque de Caminha (filho do antecedente),
o arcebispo de Braga, D. Sebastião Matos de Noronha, o conde de Armamar, D. Rui
Matos de Noronha, e diversos outros nobres e prelados. Seriam todos presos e,
posteriormente, degolados num cadafalso armado no Rossio, para exemplo de
quantos sonhavam, ainda, com o regresso dos Filipes. No plano
internacional, as deserções e a conspiração subsequentes serviam perfeitamente
para demonstrar que a rebelião não teria o necessário apoio interno e não
tardaria a soçobrar. E, se era essa a ideia que interessava aos planos do
governo de Madrid, o apoio a Portugal por parte dos países inimigos da Casa de
Áustria – sobretudo a França e as Províncias Unidas (Holanda) – revelava-se
dramaticamente aquém do que esperariam os revoltosos. A França de Luís XIII e
Richelieu, grande responsável pelo incitamento à rebelião, vai esquivar-se
sucessivamente a qualquer liga formal com Portugal. O Tratado Luso-Francês de 1
de Junho de 1641 cobria uma série de possibilidades de acção conjunta contra
Castela com as forças de ambos os países, nomeadamente uma invasão portuguesa
de território espanhol que obrigasse o governo de Madrid a retirar tropas da
frente da Catalunha, mas não excluía a hipótese de uma paz separada com
pretendia o governo de Lisboa. A situação não se alteraria após a subida ao
trono de Luís XIV e com a governação do cardeal Mazarino, sucedendo-se diversos
avanços e recuos diplomáticos que fizeram da França um não inimigo em que não
se podia confiar. Por seu turno, os holandeses – que, tal como a França,
(3 VALLADARES, Rafael, La Rebelión de Portugal, 1640-1680, p. 228. Sublinhado
nosso) combatiam a Monarquia Hispânica – adoptam uma atitude favorável à
coroa portuguesa na Europa mas continuam a ofensiva militar no Brasil, em S.
Tomé e em Angola. A mesma reserva se manifesta entre os homens de negócios,
inseguros quanto ao desenlace da separação. Em 1643, a situação vista de
Lisboa assemelhava-se muito à de um reino entregue à sua sorte, como haveria de
registar o padre António Vieira: « O Papa não recebendo o nosso
embaixador; a Dinamarca não admitindo a nossa confederação; a Suécia não
continuando o comércio; a França, que é mais obrigada, não nos mandando
embaixador... É cousa muito digna de reparo e sentimento, que se não veja em
Lisboa um embaixador de algum príncipe da Europa...»
As palavras de António
Vieira traduziam uma situação de isolamento internacional. De
facto, o reino já não pertencia ao bloco da coroa espanhola, mas ainda não se
inserira no bloco antagónico. E que poderia esperar-se, em alternativa, da
antiga aliada Inglaterra? A Inglaterra de Carlos I não estava nas melhores
condições para fornecer ajuda de peso. O antigo aliado encontrava-se à beira de
grave crise interna e eram amistosas, na época, as suas relações com Madrid.
Sintomaticamente, nos primeiros contactos diplomáticos entre Portugal e
Inglaterra, após a Restauração, nenhuma das partes invoca a validade de
qualquer aliança anterior. Portugal necessitava, urgentemente, de
encontrar uma alternativa estratégica que permitisse sair da política lançada
por D. João II de boa-vizinhança com a Espanha – e que consentira a
indispensável tranquilidade para a execução da Expansão Ultramarina – para uma
outra política que teria de contar com a hostilidade do poderoso vizinho. O que
é que se alterara, no plano geopolítico, desde o tempo de D. João II? O país que partilhava a fronteira
terrestre com Portugal era, agora, uma potência europeia e mundial, sendo,
igualmente, uma potência marítima de respeito;
O império ultramarino português tornara-se incomparavelmente mais vasto
e disperso pelo mundo, acentuando a nossa dependência da livre navegação dos
oceanos; As capacidades navais
portuguesas haviam diminuído significativamente, encontrando-se nesta época,
atrás da Inglaterra, da Holanda, da França e da Espanha. D. João II e D. Manuel
I – que sonhavam com uma grande Espanha voltada para o Ultramar – não previram
a chegada dos Habsburgos, e, muito menos, os seus efeitos. Tão-pouco
pressentiram uma reforma religiosa que iria subtrair parte importante da
cristandade à autoridade do papa, colocando em crise o sistema internacional
criado pelo Tratado de Tordesilhas. A partir de Carlos I, a Monarquia Hispânica
viu alargar os seus domínios no Velho Continente, comprometendo-a intensamente
com diversos vectores da política europeia, em não poucos casos com o recurso a
guerras desgastantes e inglórias. Após a Restauração, posta em causa a política
de paz com o vizinho castelhano, é indispensável, para garantir a
independência, encontrar o apoio de uma potência que tenha os meios e a vocação
global compatível com o tamanho e a dispersão das parcelas portuguesas. Essa
potência podia ter sido a França, recriando o cenário do inimigo nas costas de
Castela desempenhado, no período medieval, por Aragão. A França encorajara os
conspiradores de 1640 e estava em guerra com a Espanha. Todavia, o menor
empenhamento demonstrado pelo governo gaulês após a reconquista da
independência não deixa a Portugal outra saída que não seja o recurso ao antigo
aliado britânico. Na circunstância – com a Grã-Bretanha a atravessar uma grave
crise interna que culminará na execução de Carlos I e na proclamação da
República – o processo de reaproximação vai ser mais lento e menos eficaz do
que seria desejo da coroa portuguesa. (4 VIEIRA, António, Obras Escolhidas,
vol. IV, p. 9 4)
O novo Tratado de Aliança – directamente
ligado ao matrimónio de Carlos II com D. Catarina de Bragança – é assinado em
Whitehall, em 23 de Junho de 1661. O seu articulado é, ainda, maioritariamente
dedicado às relações comerciais entre os dois reinos e a questões ligadas com a
expansão colonial britânica na América e na Ásia. Por ele, aumentam-se os
privilégios de que gozam já os mercadores ingleses nos domínios portugueses e
dá-se aos portugueses a possibilidade de contratar tropas na Inglaterra,
obrigando-se Carlos II a não fazer a paz com Castela, no caso de esta
potência pretender impedir o auxílio a Portugal, «nem se descuidaria de coisa
alguma para a sustentação de Portugal, ainda que por amor dela fosse obrigado a
ter guerra com Castela».
A ajuda militar britânica
concretiza-se, no Verão de 1662, quando tropas de infantaria e cavalaria,
totalizando cerca de 12.700 homens, são enviadas para Portugal, ficando
reunidas as condições para que o êxito da separação seja garantido pela via
militar. É na sequência do tratado de 1661 que Portugal passa a depender do
apoio naval britânico para os contactos com o Ultramar e a ter no governo de
Londres como que um intermediário em matéria de política externa. Neste
particular, o vizinho espanhol – também ele em inevitável decadência – não
fugiria muito a um destino análogo, só que, muitas vezes, na sombra da
monarquia francesa: A Catalunha, ao procurar romper a sua velha
ligação com Espanha – com a Espanha que os seus grandes reis tinham entrevisto
bem cedo – e Portugal ao conseguir formar um estado independente, alienaram, na
realidade, a superior independência histórica de todos os Hispanos. Porque, a
partir desses anos cruéis, nós, os peninsulares, temos vivido sempre
mediatizados.
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