sábado, 21 de fevereiro de 2009

“Knocks” ... há muitos

É de Jules Romains a comédia satírica “Knock ou Le Triomphe de la Médecine” que apresenta as façanhas lucrativas de um pseudo-médico, sucessor do Dr. Parpalaid, não só com a aquisição da sua viatura desconjuntada, como da sua clientela quase nula. Parpalaid era um médico desleixado, sem jeito para descobrir mazelas nos seus raros consulentes e por isso desprezado pelos habitantes do seu cantão, que gozavam de excelente saúde, quer por apego ao dinheiro, quer por falta de orientação técnica.
Knock apercebe-se da intrujice de que é alvo da parte do bota-de-elástico finório que lhe vende o carro e a clínica – que ele, aliás, não pagará - mas suavemente e polidamente o refere, bem ciente da sua competência negocial para angariar a equipa adjuvante na engrenagem transformadora de um cantão livre de mazelas num cantão fervilhando de sucessivamente mais doentes dóceis aos clisteres, aos jejuns, aos mecanismos profilácticos, às visitas “médicas” constantes, ao deslumbramento do aparato sanitário agora estabelecido, e da melíflua propagação dos conselhos médicos precedidos de sinuosas e ameaçadoras sugestões de fim próximo, em caso de desobediência ou menor docilidade aos tratamentos.
Uma comédia terrífica, bem diferente das engraçadas farsas clássicas sobre a ignorância palavrosa dos médicos.
E alegórica, sugerindo universos concentracionários proibitivos de rebeldias ou de independências que o não são mais, apesar da deseducação generalizada que revelam os protestos ou as críticas das pessoas que se julgam livres.
Mas se, na chamada “longa noite fascista” um homem foi ditador para melhor defender a sua pátria, e não por questões de armazenamento económico pessoal, os homens seguintes, sob a aparência de amor ao próximo, vão esburgando, no seu próprio interesse, haveres que o primeiro ditador preservou. Ou outros. É o que por aí mais se tem visto. E continua, como enxurrada desafiadora de todo o senso.

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