segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Um excerto de “OS GATOS” de Fialho

De resto, é um contra-senso exigir que os costumes políticos sejam melhores que os particulares. O parlamentarismo não falhou entre nós, por mau regímen, mas porque não há fórmulas eficazes para nacionalidades caducas como a nossa.
Conclui-se disto a deliquescência da vida portuguesa, nos seus duplos aspectos da consciência e da moral. Lá começa primeiro uma separação completa e desdenhosa entre os interesses da grossa massa da população, e os da matilha que reparte entre si os dinheiros das rendas públicas, e se crapuliza na porfia escandalosa do poder. Vê-se em seguida a indiferença pública crescer em matéria política, os jornais serem lidos só por passatempo, os actos do governo serem mencionados só como uma variante de anedotas obscenas, a política armar em profissão sem hombridade, em impune chantagem, e jornalistas e homens de estado enfileirarem, no conceito geral, logo em seguida aos ratoneiros e aos assassinos”.
Mas esses deslizes vêm enunciados, entre nós, de longa data, já desde o trovador informando “vej’eu ir melhor ao mentireiro / que ao que diz verdade ao seu amigo”, passando pelos tipos sociais da sátira vicentina, pelos lamentos de Camões sobre a “gente surda e endurecida” e a “Pátria metida no gosto da cobiça e na rudeza duma austera, apagada e vil tristeza” e continuando na ironia amarga de D. Francisco Manuel de Melo, preso, numa “casinha desprezível mal forrada”, onde a “pulga por picar faz matadura” e o “grilhão vos assusta eternamente”... E ao lado desses pesares elevam-se os bons palácios dos bem cotados, mais do que boas estruturas físicas e espirituais para a sobrevivência desse tal povo que se pretendeu resignado e medíocre.
É por isso que não creio nas doutrinas evolucionistas. Cá por mim, a história bíblica do homem saído do barro é mais convincente do que a do macaco. Porque já o casal edénico mostrou defeitos, assim como os filhos.
Os mesmos, tão poderosos como os de agora. E, afinal, de sempre.

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